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Terça-feira, 10/7/2012
Beleza e barbárie, ou: Flores do Oriente
Duanne Ribeiro
+ de 5700 Acessos

Ambientado na 2ª Guerra Sinojaponesa (1937-1945), Flores do Oriente, filme do diretor chinês Zhang Yimou, retrata os movimentos finais da conquista da então capital chinesa Nanquim - e as brutalidades que a sucederam. Neste cenário, se refugiam em uma igreja alunas do internato local e seu bedel, prostitutas que não conseguiram alcançar uma das "áreas seguras" e um agente funerário americano que, indolente e irresponsável, acaba lá pelo dinheiro do culto. Desmantelam-se identidades que antes pareciam fixas, e a opressão da barbárie se torna o espaço para o crescimento ético.

Essa obra de Yimou foi lançada em 2011 no exterior e chegou ao Brasil há pouco. O diretor produziu, entre outros, A Maldição da Flor Dourada (2006), O Clã das Adagas Voadoras (2004) e Herói (2002). O aspecto plástico das suas produções é marcante, pelo uso das cores e apuro quanto a figurino e cenário. Embora pese a mão no melodrama em alguns trechos, o filme em geral lida bem com seu ritmo, variando entre tenso, contemplativo e brusco - as múltiplas dimensões do que seja a vivência de guerra, de uma maneira semelhante a que lemos, por exemplo, no livro Inverno da Guerra, de Joel Silveira. Esse é o filme mais caro da história do cinema chinês e traz Christian Bale (de Batman) como o agente funerário.

O título em português, meramente decorativo, não capta bem como o americano o caráter do filme: Flowers of War, flores da guerra, indicando não só as mulheres (sendo flor uma metáfora clichê para o feminino), mas também a ideia de que em meio ao horror e ao absurdo pode surgir a beleza. Por sua vez, o nome na língua original aponta para o dilema trágico da obra: 13 Mulheres de Nanquim ressalta a fatalidade deste número, destas mulheres e desta cidade arrasada. Um ponto em meio à crueldade ampla, um ponto-arquétipo. É através delas que sentiremos de forma concreta a arbitrariedade, como ela dilui os sujeitos, como permite seu próprio negativo - nas figuras do heroísmo e do sacrifício.

É interessante que possamos observar esse deslocamento de sentido apenas pela análise dos títulos: é algo similar ao que ocorre com os personagens. O bedel tem de cuidar das alunas após a morte do padre que geria a igreja; é só um menino, e as condições o forçaram a cumprir um papel maior do que ele. O americano, que se importa somente com seu conforto, se veste de padre por estar bêbado. Dessa piada surge inesperada uma tentativa digna: ele passa a atuar como verdadeiro clérigo, assim procurando impedir o ataque dos soldados, famintos por sexo, não importando a idade (registra-se que se estupraram mulheres de 7 a 90 anos). As meninas, entre prostitutas e internas, entram em conflito pelos diferentes estilos de vida e acabam se identificando. Por fim, têm de trocar de imagem e de função (a função macabra que se lhes atribui) da forma mais trágica.

No exemplo anterior, cada título iluminava um aspecto distinto do filme. De uma maneira ainda mais específica, podemos ver que o brasileiro enfoca o local, tenta vender o exótico. O em inglês delimita o gênero, bem de acordo com os esquemas hollywoodianos. O chinês traz além da concisão citada, delicadeza: o ideograma usado para "mulher" é o mesmo dos pauzinhos de cabelo, o que, entre as opções possíveis no alfabeto japonês, foge do termo neutro e de complicações sexistas, se decidindo por um signo visual, até poético, e que insinua um trecho essencial do enredo. No caso dos personagens, analogamente os papéis sociais exigem certos tipos de atitude; as identidades se sobrepõem aos indivíduos.

Como se cada um fosse o que precisasse ser, agindo nos limites que cada situação lhe abre. Assim, vemos o pai de uma das internas diferentemente, segundo o jeito com que o encaramos: um traidor, de acordo com a identidade nacional ofendida, ou herói, como pai que se sacrifica. Assim, vemos o exército japonês: primeiro, os de baixa patente, espoliando e estuprando; depois, os comandantes, que cantam em uníssono uma canção de saudade de casa, e então são só homens alijados da vida, por causa da guerra, como todos ali.

Peça Político-Cultural
Tenho sido abstrato em relação a que "brutalidade" ou "barbárie" ambienta esse filme de Yimou. Falamos de algo apelidado de "prelúdio do Holocausto", em que mais de 200 mil pessoas foram mortas: o Massacre (ou Estupro) de Nanquim. As cenas de Flores do Oriente ecoam atrocidades reais. Ruas repletas de cadáveres e as mulheres de conforto do exército (na prática, todas as que estivessem vivas, algumas atadas a cadeiras, de pernas abertas, à disposição, permanentemente) são, em um documentário como The Rape of Nanking, relatos confirmados.

No cenário atual, essa ainda é uma ferida não cicatrizada na relação China-Japão. Embora seja a posição oficial japonesa reconhecer o Massacre, há uma corrente revisionista que procura negá-lo, tal como outros episódios negativos. Essa linha reacionária impôs uma reforma nos livros-texto da educação infantojuvenil do país, amenizando ou excluindo citações à atuação militar criminosa, em polêmica que perdura já duas décadas. Outro exemplo de seu alcance é a declaração de um prefeito japonês, em fevereiro deste ano, negando o genocídio - o que causou a quebra de relações entre a cidade japonesa de Nagoya e Nanquim. Flores do Oriente parece ganhar nesse contexto uma dimensão política, notavelmente afirmativa.

Essa interpretação se reforça quando observamos os envolvidos na produção do filme - digamos, os stakeholders. Temos, em primeiro lugar, o governo da China, engajado em influenciar a cultura segundo seu programa, com base em censura e filmes históricos. Em segundo lugar, Yimou, cujos roteiros recentes, diferente das suas primeiras obras, são aprovados pelos censores (e que está suficientemente alinhado com o Partido Comunista para ter sido convidado a dirigir a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim). Em terceiro lugar, Geling Yan, que escreveu o livro em que se baseou Flores do Oriente: 13 Mulheres de Nanquim. Ela, também roteirista da obra em foco, serviu ao Exército de Libertação Popular, no período da Revolução Cultural maoísta.

Yimou afirmou, à época de Herói: "O objetivo de qualquer forma artística não é política. Eu não tenho intenções políticas. Eu não estou interessado em política". Independente disso, não é possível desvincular Flores do Oriente do arranjo em que está.

Por que um americano?
O crítico Robert Ebert vê uma artimanha da indústria no uso de um "personagem branco para contar a história de não-brancos" (uma espécie de adequação como aquela de indicar o gênero "guerra" no título). Ele pergunta: "Você pode imaginar qualquer motivo para o personagem John Miller ser necessário para contar essa história? Foi considerada a possibilidade de um padre chinês?". Yimou teria Bale em mente desde o início, e essa teria sido "a maior colaboração entre um artista de Hollywood e a indústria chinesa em 100 anos".

Como o próprio Ebert percebe, há, sim, motivo - é uma forma de vender o filme para uma plateia mais extensa, ocidental, o que se afina com o que o governo da China quer de sua cultura. O fato de ser um personagem americano no ambiente preliminar à II Guerra Mundial e com destaque ao fascismo japonês tem também outra consequência ideológica. Não é complicado conceber que Flores do Oriente pode se tornar uma justificação psicológica retroativa para os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, como se fossem uma resposta inexorável à selvageria do Japão. É um pensamento possível - porém, segundo a essência do filme, inadequado.

E não porque a selvageria americana foi idêntica - os Estados Unidos assassinaram de 150 a 246 mil pessoas com suas bombas - mas porque há de se notar aqui o mesmo deslocamento de sentido. A barbárie não é privilégio de um pedaço de terra. Nem de uma época - se soldados japoneses espetavam bebês em baionetas e riam, hoje se tiram fotos alegres ao lado de civis afegãos mortos. Segundo nota Adorno, a barbárie é resultado das condições intelectuais de um lugar, e é aí que precisamos procurar culpados. De modo simpático a Flores do Oriente, achar na civilização seus desvios, como encontramos, no filme, beleza em meio à dor.


Duanne Ribeiro
São Paulo, 10/7/2012

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