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COLUNAS
Terça-feira,
14/5/2013
O goleiro que ganhou o Nobel
Celso A. Uequed Pitol
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Em 1964, Jean-Paul Sartre ganhou o Prêmio Nobel e recusou-se a recebê-lo. O motivo? "Nenhum homem merece ser consagrado em vida", disse ele. Assim o autor de O Existencialismo é um Humanismo desprezou aquele premiozinho minúsculo concedido por representantes velhuscos daquele mundo velhusco, preferindo dedicar-se a tarefas que engrandecessem a sua vida como apoiar Stalin e Mao Tsé Tung, ungir Che Guevara com o título sagrado de "homem mais completo de nossa época" e entupir-se de anfetaminas. Sartre tinha razão: fez bem em alertar a Academia Sueca sobre si mesmo.
Já Albert Camus, por seu turno, resolveu aceitar a ofensa do mundo e recebeu, no dia 17 de outubro de 1957, o Nobel de Literatura. Não bradou contra a sociedade burguesa, não lembrou de líderes comunistas, não fez apologia de nada. Subiu ao palco, agradeceu e voltou para casa. Era um homem extremamente tímido e solícito. Quando chegou a Paris, alguns dias depois, os repórteres o cercaram. Choveram convites para entrevistas, homenagens e conferências nas grandes universidades francesas. Naquele momento, porém, sua única preocupação era o jogo decisivo, válido pela Copa da França, entre o seu Racing de Paris e o FC Monaco, no estádio Parc des Princes. Camus assistiu à partida ao lado de um repórter e comentou que o goleiro parecia meio inseguro. Falava com conhecimento de causa: Camus foi goleiro do Racing de Argel durante dois anos e as crônicas desportivas da época fazem referência à sua bravura e ao seu espírito de liderança em campo. Só não seguiu a carreira esportiva porque teve tuberculose e foi obrigado a parar. Quando se mudou para Paris adotou homônimo francês, cujas cores são as mesmas do Racing de Argel. Mais tarde, ele diria uma de suas frases mais famosas: "Tudo o que sei sobre moral e as obrigações do homem devo ao que aprendi no Racing Universitaire de Argel".
Camus dizia que preferia assistir qualquer partida de futebol a ir ao teatro. Sartre dizia que no futebol o que complicava era a presença da equipe adversária, o que não deixa de ser uma variação atenuada de "o inferno são os outros". Pois Sartre acabou por complicar e muito a vida de Camus. Os dois lutaram juntos na Resistência Franca e foram amigos até 1952, quando o argelino lançou o ensaio O Homem Revoltado, onde criticava asperamente os desmandos totalitários dos regimes de inspiração marxista e questionava a superioridade moral dos revolucionários de qualquer espécie. Sartre escreveu uma crítica furiosa contra Camus e coordenou um boicote da intelectualidade francesa às suas obras. Foi tachado de direitista, reacionário, contra-revolucionário, agente do imperialismo e demais adjetivos de costume. Em situações como essa o escritor atacado normalmente tem duas saídas: o ostracismo ou a reparação. Camus preferiu ser fiel à sua consciência e escolheu o ostracismo, que, felizmente, não veio: hoje o mundo o lê sem reservas. Já Sartre recebe críticas até mesmo da própria esquerda que um dia o glorificou e seus romances, passada a moda dos anos 1970 e 1980, já não são tão lidos.
É fácil vermos, na relação entre os dois, Sartre como o líder político abrasivo e lutador e Camus como o menino tímido que teimou em permanecer sentado no fundo da classe com o olhar no chão. Fácil e falso. Ao contrário dos expansivos bem pensantes da esquerda parisiense, dispostos a vender seus pontos de vista por qualquer afago ideológico, o tímido Camus foi, defendendo a meta do seu time ou as suas próprias idéias, um homem extremamente corajoso.
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
14/5/2013
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