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Terça-feira, 30/12/2014
Amores, truques e outras versões, de Alex Andrade
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 4300 Acessos

Na capa do livro a representação de duas cabeças masculinas. Um cigarro introduzido na orelha de um deles é fumado pelo outro que o alcança por trás. Na contra-capa, um rosto, agora sozinho, expira a fumaça que se dispersa lentamente. Uma alegoria das relações amorosas no mundo contemporâneo? A capa perfeita para o que se vai ler nas páginas do romance Amores, truques e outras versões, de Alex Andrade, editado pela Confraria do Vento, do Rio de Janeiro, que narra a busca desenfreada dos seus personagens por prazer, e por se manterem, no entanto, imunes a qualquer ligação afetiva ou erótico-afetiva.

Embora trate do universo homossexual, de suas caçadas aflitivas por sexo a todo custo, a todo momento e com o maior número possível de parceiros (sendo cada parceiro um qualquer desconhecido), o romance traduz a atual crença absoluta de que nada na vida vale mais do que o uso do outro como meio para se obter prazer... e nada mais.

O romance se constrói de uma forma interessante, mostrando os passos de um personagem e seu envolvimento sexual com certo número de parceiros e, em seguida, a narrativa mostra os mesmos encontros a partir dos parceiros que se envolveram com o personagem "central". Quanto ao sentido que cada um dá à sua existência, não há diferença entre o que procuram uns nos outros.

O romance pode ser lido como a tradução literária da reflexão que vem sendo construída por alguns teóricos que pensam o avanço do ego narcísico na contemporaneidade (onde o princípio do prazer se sobrepõe ao princípio da realidade).

Há quatro livros fundamentais, nesse sentido: O mínimo eu, de Christopher Lasch, O Amor Líquido e Modernidade Liquida, de Zygmunt Bauman e Tudo o que é sólido desmancha no ar, de Marshall Berman.

Como diz Lasch, na cultura do ego narcísico, os homens são programados para a realização de suas satisfações, mas no fundo vivem alienados de seus corpos e das emoções associadas com o prazer corporal. Essa alienação é o estado em que os personagens de Alex Andrade vivem.

A ansiedade dos personagens de Amor, Truques e Outras Versões revela o desejo que o homem contemporâneo tem de viver no presente absoluto e de, se possível, se consumir nesse presente. Diz o personagem em certa passagem: "Quero tudo, tudo para agora, urgente, se possível, para ontem. Não quero perder as oportunidades da vida, quero ter a leve sensação de viver as experiências do mundo".

Para buscar essa satisfação e dar um sentido à existência, é necessário, no entanto, manter a "ansiedade à flor da pele". Para isso, seu celular, ferramenta que o conectava aos corpos procurados, piscava o tempo todo, com promessas de prazer fácil, rápido e sem rosto: "A voz ao telefone, as fotos enviadas pelo celular, a conversa afinada, a fantasia acelerada, o que mais importava?"

Como comenta Ronaldo Cagiano, no excelente posfácio do livro, "em Amores, truques e outras versões vamos lidando com pessoas sem rosto e sem nome, travestidas de uma lógica perversa de encantamento e sedução, que as transforma em mero joguete num leito em que o próprio prazer é rebaixado ao status de mercadoria e cada encontro é crucial espelho do individualismo e da negação do outro."

Parafraseando Zigmunt Bauman, o valor, o mais precioso dos valores humanos, o atributo sine qua non de humanidade, é uma vida de dignidade, não a busca do prazer a qualquer custo. No entanto, como transcorre na vida dos personagens de Alex Andrade, o que se vê é a aposta absoluta numa única direção: a satisfação do prazer sexual sem qualquer interesse em reconhecer o outro. Da mesma forma que o capitalismo transformou tudo em mercadoria - aquilo que se compra e rapidamente se joga fora em nome de uma novidade (seja o carro do ano, o novo celular, a roupa da moda, a banda do momento, o corte de cabelo, etc) - da mesma forma, o outro se transformou em meio de obtenção de uma satisfação que o coloca na posição de objeto descartável.

O contrário disso seriam relações onde o outro fosse sujeito e não objeto. Mas quando essa oportunidade se avizinha, torna-se sintomática a passagem seguinte, que revela o desconforto que o encontro amoroso causa no personagem:

"As outras coisas, as de maior importância ficaram para um depois quase imperceptível e parece que o amor tornou-se cafona demais, porque ninguém tenta e ninguém arrisca, amar é pisar numa área de risco, num terreno arenoso com placa ilustrativa anunciando com uma cruz vermelha o perigo que podemos correr. E quem ousa desobedecer e atravessar esse abismo?"

E quando há uma mínima expressão de sentimento que começa a se desenvolver, dá-se o "perdido" naquele que manifesta interesse: "Não queria o amor, pensei. Mas ele segurou a minha mão, recostou a cabeça no meu ombro. (...) Das duas uma, ou não atenderia mais os telefonemas dele, ou daria "perdidos" como a maioria das pessoas fazem quando tentam sinalizar que há um desinteresse pelo outro."

O contrário disso seriam as relações onde prevalece o amor. Como diz Bauman: "O amor é a vontade de cuidar, e de preservar o objeto cuidado. Um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto do desejo. Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que está lá fora. Ingerir, absorver e assimilar o sujeito no objeto, e não vice-versa, como no caso do desejo. (...) Se o desejo quer consumir, o amor quer possuir. Enquanto a realização do desejo coincide com a aniquilação de seu objeto, o amor cresce com a aquisição deste e se realiza na sua durabilidade. Se o desejo se autodestrói, o amor se autoperpetua."

O personagem vive, dessa forma, uma vida de descarte de pessoas como se fossem os brinquedos de uma criança entediada: "feito criança mimada que tanto sonha com o brinquedo e, quando finalmente o tem nas mãos, o destrói ou o deixa de lado". Transformando seus parceiros em peças de um fast food humano, que podem ser encontrados a cada sacada do celular do bolso, o narrador emparelha seres humanos e mercadorias expostas numa vitrine (tela) como se fossem a mesma coisa:

"Tinha de tudo naquela microtela: rostos, silhuetas, peitorais, bíceps, bundas, gente de toda espécie, para todos os gostos, de todos os tamanhos e formato, um verdadeiro fast food humano, bastava um clique e tudo se resolveria em segundos."

As ansiedades acumuladas tendem a ser descarregas em corpos desconhecidos, livres de qualquer envolvimento emocional, retornando à prisão do círculo vicioso da satisfação, carência e, novamente, busca desnorteada e frustrada de satisfação. Na esperança de se realizar, cada um só encontra nova frustração, nunca a plenitude. "O tesão nunca se encerra, ele apenas repousa", diz o narrador.

A vontade de parar o desejo, essa locomotiva em descarrilamento, existe, mas como? "O mais provável é que eu não consiga resistir à tentação. Tantos corpos, tanta gente dando mole por aí. E eu aqui, me contorcendo para não me entregar aos delírios e delícias. (...) Daí acionei o botão, liguei o aparelho e disparei com os dedos feito uma locomotiva. Logo foram surgindo as carinhas, contornos, silhuetas, mensagens e mais mensagens. Na verdade todas as mesmas imagens de sempre. Fui descendo com as digitais pela tela, escorregando o dedo entre um rosto e outro, procurando alguém que estivesse à disposição de alimentar a minha libido."

Para os personagens de Alex Andrade, com as delícias de tantos corpos à disposição, pouco importa que pessoas sejam essas com quem se deita se o que importa é apenas o gozo que o desconhecido pode proporcionar. Daí sua despersonalização: "na cama todas as apresentações estavam dispensadas, jogávamos para o alto as camisas, cuecas, os nomes, codinomes, apelidos e a nossa verdadeira identidade."

O acesso livre à luxúria e o fato de que ele também é um dos objetos prediletos para o prazer dos outros lhe dá a sensação de importância e potência (substituto do desejo de ser amado): "Resolvi abrir o aplicativo do celular só para dar uma espiadinha e ver a movimentação. Estava bombando, inúmeros chamados e recados no meu nick, me senti o cara mais importante da face da terra."

O que sobra desses encontros não vai se configurando em experiências emocionais, em amadurecimento amoroso, mas apenas... "Tudo o que recordo são imagens estilhaçadas."

Há uma passagem do livro que mostra bem a situação do personagem vivendo atordoado pela ansiedade de um desejo sem fim, que busca na novidade de corpos o sentido do seu prazer e a fuga de qualquer momento (insuportável) de solidão:

"Ele insistiu que poderíamos nos ver mais vezes, eu concordei que sim, mas no fundo eu queria sair daquele enredo e logo chegar em casa, abrir imediatamente o aplicativo do celular, que não parava de piscar e apitar, e dar um jeito de mergulhar em outras tantas aventuras.

Não estava querendo dedicar meu precioso tempo a relações duradouras, tampouco repetir essa experiência com ele. Depois que percebi o mundo inteiro que se abria facilmente entre meus dedos, notei que a solidão durava apenas uma fração de segundos. Ele se despediu e eu retornei ao meu mundo virtual. O próximo, pensei sorrindo."

Na atual conjuntura, diante de nossa "solidão cavernosa", quanto mais procuramos o prazer, menos o encontramos, ainda que a atividade de procurar o prazer, inútil como tem sido, possa ser a única atividade que nos mantém na ilusão de que estamos vivos. É o que parece dizer "Amores, truques e outras versões".

Bauman interrogaria: "Num mundo assim, com pessoas privadas de sentimentos humanos, qual a vantagem de permanecerem vivas?"


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 30/12/2014

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