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Sexta-feira, 11/3/2016
Morrer, na literatura
Marta Barcellos
+ de 3100 Acessos

Não são poucos os desafios do escritor de ficção. Muito já se disse, por exemplo, da dificuldade em descrever uma cena de sexo: melhor seria insinuar – ou pular – essa parte, e deixar a incumbência de detalhes mecânicos à, digamos, “literatura especializada”, que sabe interagir com os leitores interessados neste tipo de interação. Particularmente, recordo-me agora de dois romancistas anglo-saxãos que se saem bem na tarefa: Lionel Shriver em O mundo pós-aniversário e Ian McEwan em Na praia.

Mas desafio literário mesmo é representar a mais temida e inevitável experiência humana: a de morrer.

No caso das relações sexuais, os romancistas bem sucedidos parecem seguir uma espécie de truque, ao se ocuparem mais dos pensamentos (sensações, sentimentos, constrangimentos) dos personagens do que das tais descrições anatômicas, nas quais substantivos conseguem parecer mais inadequados que adjetivos, algo raro na escrita.

Já no caso de morrer, o truque se complica. Da agonia da morte não se volta para contar, quanto mais para escrever. Como descrever o que se passa na cabeça de um moribundo? Ou de alguém que, nos elásticos instantes que antecedem a morte, percebe a irreversabilidade da situação? Não vale reproduzir os clichês de quem jura ter estado bem perto ou “voltado de lá”, depois de enxergar uma luz brilhante ou de repassar toda a vida mentalmente “como num filme”. Ou de quem “nasceu de novo”, naquele relato sob medida para o Fantástico.

A morte, na ficção, precisa ser mais convincente.

Por acaso (assim espero, e não que a tal senhora de túnica negra e gadanha esteja me rondando), caíram-me em mãos, seguidamente, quatro livros em que o “passamento” é descrito com maestria literária.

Antes de contar sobre minhas leituras (começando pelo mestre de todos, Tolstói), deixemos claro que a morte no final não será aqui considerada spoiler. Todo mundo morre no final. Nos quatro exemplos que darei, aliás, o fim inevitável será estabelecido antes mesmo de a narrativa começar. No caso da novela A morte de Ivan Ilitch, e no da prosa poética “Morte de um pássaro – réquiem para Federico Garcia Lorca”, de Vinícius de Moraes, o leitor já sabe o que encontrará lendo o título. Digamos que o que importa, na literatura como na vida, é o caminho.

A agonia de Ivan Ilitch, juiz de instrução, começa já na segunda metade da novela, de 80 páginas, de Tolstói, quando a doença instala-se em seu corpo. “Ivan Ilitch via que estava morrendo, e o desespero não o largava mais. Sabia, no fundo da alma, que estava morrendo, mas não só não se acostumara a isto, como simplesmente não o compreendia, não podia de modo algum compreendê-lo” (tradução de Boris Schnaiderman). Até o limiar do ato de morrer, será dilacerado pela dor física e moral, delirante e incapaz de compreender o sentido da própria existência. “E de repente, percebeu com clareza que aquilo que o atormentara e não o deixava, estava de repente saindo de uma vez, de ambos os lados, de dez lados, de todos os lados.” O horror de morte dolorosa e prolongada constitui-se uma inadequação social.

“- Acabou!- disse alguém por cima dele.

Ouviu essas palavras e repetiu-as em seu espírito. “A morte acabou - disse a si mesmo. - Não existe mais.”

No surpreendente Stoner, de John Williams, o falecimento do protagonista, filho de camponeses que se torna um inexpressivo professor universitário, é antecipado na quinta linha do primeiro capítulo. Apesar da morte e da vida banais, enunciadas neste resumo biográfico inicial, o leitor será delicadamente enredado pelos detalhes de sua vida comum e implacável, assim como inevitáveis são os últimos sentimentos, na fronteira da morte: “Deixou seus dedos folhearem as páginas e sentiu um frêmito como se aquelas páginas estivessem vivas. O frêmito atravessou seus dedos e correu através de sua carne e de seus ossos. Estava profundamente consciente dele, e esperou até que o envolvesse por inteiro, até que a antiga excitação parecida com o terror o imobilizasse onde estava deitado” (tradução de Marcos Maffei).

Em “Morte de um pássaro”, texto que faz parte do livro Para viver um grande amor, Vinicius de Moraes ficcionaliza o que deve ter sido a morte do poeta Federico Garcia Lorca, fuzilado pelas forças franquistas em 1936. “Pensou em fugir, em correr doidamente para a aurora, em bater as asas inexistentes até voar. (...) Mas permaneceu em sua atonia, sem acreditar bem que aquilo tudo estivesse acontecendo. Era, por certo, um mal-entendido.” As ordens, no entanto, são rápidas, e o grupo é levado até uma vala comum, aberta. “Sim, teve medo. E quem, em seu lugar, não o teria? Ele que não nascera para morrer assim, para morrer antes de sua própria morte.”

Em “Um coração de mãe”, conto da premiada coletânea Essa coisa brilhante que é a chuva, de Cintia Moscovich, o spoiler da morte é discretamente dado na dedicatória da autora à sua mãe, “que sobreviveu” (ou seja, ao contrário da mãe ficcional). Dona Dóris começa com uma queimação na boca do estômago, no final da novela das oito, e a relutância em admitir a gravidade do que sente e pedir ajuda aos familiares expõe o tamanho de sua solidão. Ao fim da crescente agonia, agora sem chances de amparo, a mãe “decide”, intransitivamente:

“Só então decidiu, e a decisão causou nela grande alívio, como se fosse próprio de uma mulher arbitrar sobre aquela classe de coisas. Dona Dóris deu dois passos trôpegos. Fechou os olhos. Primeiro as pernas se dobraram, o corpo se inclinou para trás e os joelhos bateram contra o chão, estourando numa papa de areia e sangue; depois o tronco se projetou para a frente, as palmas das mãos resvalaram contra os pedregulhos, os cotovelos se ralaram, e o rosto bateu flácido contra a calçada. Os óculos se projetaram do rosto, agônicos. O jornaleiro jogou longe o cigarro e correu para socorrer. Mas então tudo estava resolvido.”

Baseado em fatos reais? Sim, a literatura sempre mistura imaginação e memórias do vivido. Cintia provavelmente ouviu o relato do infarto da mãe, que sobreviveu para relatar, e consta que Tolstói era obcecado pela morte, fazendo questão de conhecer as particularidades dos momentos finais de parentes e amigos. Tentar colocar-se no lugar do outro, porém, é o máximo possível na narrativa do morrer. O resto vem do mistério da literatura.



Marta Barcellos
Rio de Janeiro, 11/3/2016

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