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Terça-feira, 26/11/2019
Meu Sagarana
Renato Alessandro dos Santos
+ de 3100 Acessos

Terminei de ler Sagarana faz dois anos. Foram semanas dedicadas às novelas - e, não, em sua maioria, contos, como lembra Paulo Rónai; também não foi - cada uma - nenhum bicho de sete cabeças. Nada disso. Pelo contrário; no meu caso, a cada semana, meus alunos leram uma estória (vai) de Sagarana e, para discuti-las com eles, fui lendo também, e, então, a peleja chegou ao fim. Peleja no bom sentido, porque Sagarana é um livro fantástico - e o sobrenatural também faz parte da obra; no caso, o mesmo insólito das literaturas africanas de língua portuguesa, e não sei se você sabe, mas Mia Couto é leitor de longa data de Rosa.



Sagarana é um livro fantástico porque estão ali o corpo e a alma da arte, como João queria; e mais: um livro a deixar no leitor vontade de querer ler mais Rosa. E dele, o autor sabia-o ser coisa grande: “Mirrado pé de couve, seja, o livro fica sendo, no chão de seu autor, uma árvore velha, capaz de transviá-lo e de o fazer andar errado, se tenta alcançar-lhe os fios extremos no labirinto das raízes”, escreveu, em carta a João Condé. “Graças a Deus, tudo é mistério”, completou, e esse “tudo é mistério” é, embaixo ou em cima da terra, uma literatura de ramificações profundas.

Pena é que nem todos os alunos conseguiram acompanhar os passos do autor. São leitores que cresceram em um ambiente em que os pais leem ou, ao menos, incentivam a leitura dos filhos. O que houve, então? Houve o que há toda vez que alguém é obrigado a fazer algo que não quer (tipo ler Rosa para o vestibular). Certo. Mas Mayombe e Minha vida de menina, ambos na lista atual da Fuvest, encontram lugar afetivo no coração das leituras feitas a contragosto pelo vestibulando. O que aconteceu, então?

O léxico, a maneira inusitada de narrar, a quantidade de “subistórias” que cada novela traz... Em questão de parágrafos, tudo pode ir de mérito a demérito aos leitores apressados que não encontrarão diversão, mas um carrossel de cavalinhos enfastiados.

Quem sente a língua roçando os ouvidos, numa leitura silenciosa, sabe que Sagarana é esse fluxo de linguagem em que, de maneira rebelde, o português está mais para, na escrita, ser falado, do que o contrário. “Além dos estados líquidos e sólidos, por que não tentar trabalhar a língua também em estado gasoso?!”, escreveu Rosa a João Condé, na mesma carta; e esse estado gasoso, grifado pelo autor em itálico, é de uma coerência com a proposta desejada por ele que, a meu ver, só consigo pensar no que fez Mark Twain em As aventuras de Huckleberry Finn ou Jack Kerouac em On the Road, obras que, como Sagarana, poderiam ser lidas em voz alta, porque nos três autores a mesma preocupação houve: ouvir a prosódia da língua, numa melopeia rebelde e regional que assusta os normativos gramáticos e os vestibulandos também. Voltando aos alunos, para, em seguida, tratar de algumas novelas, gostaria de saber por que nenhum editor não fez até hoje uma edição ilustrada de Sagarana. Por quê? Falo de algo como uma ilustrada edição de O código Da Vinci, que vi certa vez numa livraria. Heresia? Imagino que Rosa, agora, por essa associação inusitada ao [The] Da Vinci code, no túmulo esteja a convocar ele, “o arranca-toco, o treme-terra, o come-brasa, o pega-à-unha, o fecha-treta, o tira-prosa, o parte-ferro, o rompe-racha, o rompe-e-arrasa”; sim, ninguém menos que Seu Joãozinho Bem-Bem, para me dar uma lição.

Mas Seu Rosa, argumento eu, nesses tempos de Facebook, Instagram, pornografia on-line, dar o braço para ser torcido não é o pior dos males. Veja meu exemplo: lá pelas tantas de seu livro admirável leio a palavra aroeira, e eu, que não cresci na roça, embora a roça esteja em mim, me vi perguntando se aroeira seria bicho ou árvore, e agora sei, porque no mesmo instante o Google Imagens me ajudou. Dois pra lá, dois pra cá, penso se uma obra ilustrada, que pudesse trazer algo assim aos leitores - ou a todos os citadinos leitores - não seria uma boa ideia. Não seria? Desculpe, meu Rosa, era isso que, sem querer ofender, quis sugerir. Não penso em literatura como um álbum de figurinhas, mas me dói ver a molecada, à beira do vestibular, e mesmo outros leitores, maduros e impacientes, sem dar a você, ou melhor, ao seu livro, o lugar merecido que ele deveria ter, porque Sagarana é um dilúvio; é um espanto; é coisa que, na literatura do mundo, deveria figurar mais, muito mais, no coração e na imaginação dos leitores do que ocupar o lugar que mantém, na estante, ao lado dos grandes clássicos de todas as línguas.

E que tal agora um mergulho no rio?

Este texto, ou qualquer outro, não consegue dar ao leitor o que é uma experiência de leitura realizada nas trincheiras, ali, no dia a dia, a cada virar de folha ou a cada rolar vertical de página do tablet, enquanto sentados ou em pé esse universo rústico, caipira, telúrico de Rosa, materializa-se em narração e em imagens. Paulo Rónai, em 1946, escreveu também sobre Sagarana e, ao final, “chegando ao fim destas breves considerações”, comentou, “percebemos o que elas têm de ilusório”, concluindo que “o exame unilateral de um livro tão rico de conteúdos e significações como este há de deixar uma impressão falsa”.

É indiscutível. Toda grande obra revela-se em miniatura, isto é, no que de individual traz de universal, e em Sagarana a natureza humana, de dentro para fora, é recolhida, esmiuçada, compreendida. Assim, de trás para frente, que dizer do que passa Nhô Augusto Matraga? O sofrimento de Édipo é universal, porque transamos com nossa mãe e matamos nosso pai? Não, mas porque reconhecemos no gente-boa Édipo o joguete do destino que ele é - algo por que passa Augusto, naquela redenção crescente que se desencadeia dentro dele até alcançar a sua hora e vez derradeira; com Rosa, os personagens se transfiguram, e a via crucis de Matraga é o voo literário mais alto pilotado pelo autor no livro; e, em Sagarana, os personagens também se transfiguram. O sofrimento dos bois, com a visão de mundo que eles têm, traz a dor de quem leva vida de gado, em “Conversa de bois”; a opressão que cai sobre o cândido casca grossa Manuel Flor também é nossa, e mais ainda de quem bulling já sofreu diante desses valentões de vida manca, como lá em “Corpo fechado”; que dizer da cegueira repentina por que passa José, quando o relógio completa todo um círculo e continua, mas sem que o mundo possa ser visto, ou enxergado, ou melhor, reparado, como em “São Marcos”? E o galizé incapaz de conquistar o coração de sua prima, Maria Irma, em “Minha gente”? A relação de gato e rato, com aquele desfecho surpreendente entre Turíbio Todo e Timpim Vinte e Um, compadre de Cassiano Gomes, em “Duelo”? A humana natureza vista por olhos lacrimejantes e cheios de sezão, maleita mesmo, dos dois primos em “Sarapalha”? A lábia malandra, pícara, de Lalino Salãthiel, que arrenda a esposa e comete todas as lúbricas imprudências inimagináveis, longe de casa - e com aquele começo musical de “A volta do marido pródigo”: “Nove horas e trinta. Um cincerro tilinta. É um burrinho, que vem sozinho, puxando o carroção. Patas em marcha matemática, andar consciencioso e macio, ele chega, de sobremão” - hein? Que dizer disso? Por fim, ainda de trás para frente, “O burrinho pedrês”, primeira novela de Sagarana. O que escrever sobre ela? Dizer que aquele jumentinho, mulinho, jeguinho listrado tão já passado da hora, tal um velhinho desprovido de respeito e de admiração, mostra a todos que a hora e vez de um burrinho pedrês há de chegar, como uma epifania.

Enfim, arte, em corpo e alma, João fez.

(E aquele “hein, João”, ao fim de “Matraga”? Sempre tive a impressão de que Rosa dá uma piscadela a si mesmo, ali, naquela passagem ao fim do livro.)

E agora?

Agora, Grande sertão: veredas.


Nota do Autor
Renato Alessandro dos Santos, 47, é autor de Todos os livros do mundo estão esperando quem os leia e de O espaço que sobra, seu primeiro livro de poesia (ambos publicados pela Engenho e arte).

Nota do Editor
Leia também o Especial Guimarães Rosa. E, para Livros de Guimarães Rosa, consulte o Portal dos Livreiros.


Renato Alessandro dos Santos
Batatais, 26/11/2019

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