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Terça-feira, 4/7/2017
Nós que aqui estamos pela ópera esperamos
Renato Alessandro dos Santos
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A primeira vez foi na biblioteca. Mas, por favor, se não quiser saber de nada disso, pule este e o próximo parágrafo. Estava no campus da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Havia passado em Ciências Sociais, mas seis meses depois abandonei o curso. Nada de sociologia, de política, de antropologia; descobri que queria mesmo era fazer Letras; então, fiquei na biblioteca do campus, pelejando para o próximo vestibular. Tinha 19 anos e, veja você, disciplina para estudar. Mas dentro de uma biblioteca daquelas não dá para não ir até a estante de literatura e não descobrir um autor novo, um livro acabado de chegar, ou uma edição em capa dura de A dama das camélias, de Alexandre Dumas, filho (1824-1895), romance que em manhãs de indolência ia lendo. Foi a primeira vez.

20 anos depois, a Ópera começou a passar toda hora diante de casa, olhando furtivamente para dentro, reparando nas coisas. Chamava a atenção. Havia comprado duas coleções de CDs e libretos que, juntos, formam um mosaico de tenores, barítonos, sopranos, e foi La traviata (1852), de Giuseppi Verdi (1813-1901), que segurou meu rosto com as duas mãos, e me olhando nos olhos, que giravam em meio à correria, “Olá, prazer; sou a Ópera, e daqui em diante vamos passar muitas horas juntos” ― ela me disse, e em seguida perguntou, “Você vem?”, e eu fui. Minha mulher não gostou nada disso e jura que ainda há de acertar o nariz da outra, enquanto compreende como as coisas funcionam nesta vida moderna que toda a gente leva. Não me lembro se sabia que La traviata é uma versão de A dama das camélias, mas certo é que da literatura para a música a ópera de Verdi deu certo, e hoje a história de Violetta gira o mundo. É o que nos traz até aqui.

Não é que em Batatais (3h58min. de São Paulo), cidadezinha onde tenho um CEP, notícias deram conta de que uma montagem de La traviata iria acontecer? Suspeitas de que se tratasse de um engano ― por que em Batatais e, não, em Ribeirão, onde um dos maiores teatros do Brasil poderia recebê-la com maior estrutura? ― não se confirmaram: um dos tenores, natural daqui, estava contente porque tudo começaria em sua terra, e assim nós que aqui estamos pela ópera esperamos, e quando ela chegou, foi uma apresentação honesta, a aguardar ajustes em um ou outro parafuso, expediente a que se presta toda estreia, mas nada que deixasse a plateia insatisfeita com o que viu na noite de 21 de maio de 2017.

Dias antes, não conseguia comprar os ingressos, e você pode, desculpe, mais uma vez pular este parágrafo e ir para o próximo, por favor. Não vai acontecer de novo. Promessa. É que ia ao teatro quando a moça da bilheteria não estava, e lá nenhum funcionário existia a informar se outro lugar havia para comprar os ingressos; à deriva, enfim. Até que, na véspera, encontro um aluno, o Etore, e por causa dele e de outro amigo telefono ao tenor Alan Faria, um dos responsáveis pelo contato com a mídia, neste caso, toscamente representada naquela ligação por mim, e, com uma voz de locutor ao vivo na rádio FM local, ele me oferece dois convites, pelos quais agradeci. No dia da ópera, compraria outros dois ingressos e, finalmente, tudo seria resolvido. A coluna já vai tarde, mas as coisas têm o tempo que têm, e a paciência e a correria são só dois lados da mesma moeda... um pião girando... até que para.


Chega o domingo. Chega a hora de ir ao Fausto Bellini Degani, que segundo um humorista é dos maiores teatros do Brasil e, por isso, nunca lota. Mal sabiam o comediante e seu alaúde que La traviata da Cia. Sol ‘Ópera seria capaz de reverter essa má fama. Ou quase, porque com o teatro 99,9% lotado nos sentamos. Desde que moro aqui, é a primeira vez que uma Cia. apresenta uma ópera na cidade.


De onde estamos, vêm até nós notas tocadas por uma flauta, por uma clarineta, por uma porção de cordas. É que o palco do teatro tem um fosso, e os músicos estão lá dentro, feito Jonas, tocando, incidentalmente, temas da ópera. Vale mencionar que ter sido recebido dessa forma foi um ponto a favor dos instrumentistas. Chega o sinal de que o espetáculo vai começar e, lá fora, alguém ao celular faz questão de falar alto ao telefone, acompanhado pelos espectadores que, sem outra coisa que fazer, aguardam... A conversa acaba, porque a paciência do público chega ao fim, alertando a criatura que feria o código de conduta para uma ópera. Não deve ser fácil ser artista. O maestro Nazir Bittar é aplaudido. A luz esmaece e, sem que o público perceba, o espetáculo já começou: uma moça da produção vem acendendo velas e velas de dois candelabros sobre duas mesinhas, que estão separadas por um sofá ou uma namoradeira; mais afastada, há uma mesa com algumas cadeiras e, do lado oposto, sem necessidade alguma, uma pequena mesa. É a mobília que há; é a mobília que basta para compor o palco: é um quarto, mas logo será um salão de festa.

A moça já acendeu todas as velas; o palco é ocupado por personagens famosos da ópera secular de Verdi, e a música surge. Magnífica. Um coração com uma pedra em cima. Pesarosa, como se dissesse a nós: "preparem-se para a triste história que eu vou contar", e o que ela traz é um cabo-de-força, desses que arrebentam do lado mais fraco. Do ambiente privado do triste “Prelúdio” passa-se ao cenário público de “Dell’Invito trascorsa é già l’ora”, que antecede o festim de “Libiamo ne’ lieti calici”, a ode a todos os que, flamejando, celebram a sístole e a diástole que nos mantêm vivos. A tradução é de Mariana Portas: “Bebamos destes alegres cálices, que a beleza cobre de flores; e que este pequeno instante se embriague de prazer. Bebamos nas doces emoções que despertam o amor, porque seu olhar ao coração é onipotente. Bebamos, amor, que o amor entre os cálices encontrará beijos mais ardentes.”

Uma luz amarelecida ficará em nossa memória, permanecendo por quase todo o espetáculo, quando, ao fim, se apagará, ou melhor, se tornará branca, escandalosamente branca. Enquanto esse lume, idêntico à iluminação de postes de ruas, estiver acesso, manterá viva a heroína desta história, a triste história de Violetta.

A cenografia e o figurino trazem aquele charme de filme B, e o canto lírico esparrama-se pelo teatro, ancorado pela presença de outras vozes que compõem o palco: Géisia, Fernando, Paula, Daniela, André, Letícia e Michael. Agora, se você já conhece os bastidores de La traviata, imagine a responsabilidade de Carla Barreto: é ela que encarna Violetta e que, a cada interpretação, vê-se obrigada a encarar uma comparação injusta; da mesma forma que o Hamlet decisivo esteve nas mãos de Laurence Olivier (1907-1989), sir, ninguém menos que Maria Callas (1923-1977) deu corpo e voz definitivos à camélia com nome de outra flor, violeta, estabelecendo o antes e o depois na trajetória de La traviata, e depois de Callas fica difícil a qualquer mortal encarar o desafio dessa ópera de exigências vocais sobrenaturais. Mas Carla soube contornar a coisa toda, emprestando sua voz à tuberculosa Violetta, com empatia suficiente para estabelecer com o público um compromisso em que ambos saíram recompensados.


Já Alan Faria, o amante de Violetta, Alfredo Germont, de Batatais para o mundo, surpreendeu com um vozeirão encorpado, de roubar a cena. Ele é tenor de tessitura e de fraseado límpidos, temperados por uma presença de palco que se impõe. Carlos Gonzaga, seu pai na peça, no papel de Giorgio Germont, carrega nos graves com o louvor e a harmonia de uma escola de samba, e como tem de acontecer em La traviata entre os três rola a maior química. Walter White was here.


O público, comovido, aplaude cada vez que pode, sem perder nenhuma oportunidade. Muitos julgam de mau gosto tal comportamento, mas, se pensarmos bem, a música é aplaudida porque ilumina as pessoas ― é o idioma do coração, certo? –, então, está tudo bem. Com os diálogos em português, outro acerto da Cia., nós, o público, vamos nos acertando com o enredo. Pelo teatro, pessoas de todas as idades, de crianças a sesquicentenários amoráveis. Os três atos vêm em apenas um, e em duas horas o espetáculo termina, aplaudidíssimo, com superlativo absoluto sintético e tudo. Vamos cumprimentar os tenores, o maestro, os músicos, e eles estão em estado de graça. Lá fora, quando saímos, cai uma chuva digna, como se os céus resolvessem também lamentar o triste destino de Violetta Valéry, essa personagem das desgraçadas sarjetas da música, da literatura, do cinema, da vida, enfim.





Renato Alessandro dos Santos
Batatais, 4/7/2017

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