COLUNAS
Terça-feira,
25/4/2017
A imaginação do escritor
Renato Alessandro dos Santos
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É um autor em ebulição. Quem leu Uma aventura perigosa (Buriti, 2015), agora, tem a oportunidade de ler O pacto (Clube de autores, 2017), e, nessa toada, irá perceber o salto que George dos Santos Pacheco deu em sua empreitada infatigável pelo terreno da ficção; no caso, do romance, forma literária em que a imaginação de um escritor é colocada à prova, e, nesse desafio, o autor levou a melhor.
Se no romance anterior a estrutura simples não comprometia a narrativa, e mesmo ali a imaginação impunha-se já panorâmica, neste, o leitor de George irá se deparar com um autor esforçando-se para encontrar a melhor maneira de contar sua história, e ele, claro, a encontra ao dar voz não apenas ao narrador personagem tradicional, mas a dois personagens, que, cada um a seu tempo, conduzirão a narrativa como orienta a cartilha pós-moderna, e é aí que George acerta.
Um pouco de enredo?
Um anti-herói depara-se diante de ninguém menos do que o próprio Capeta. É que Théo, personagem principal, não é flor que se cheire e, num acordão com o Beiçudo, regressa da morte desmemoriado e, então, traz o leitor para dentro de sua vida. Como a memória dele está em pane, as coisas vão acontecendo sem que ele e o leitor possam entender bem quem é esse personagem-narrador em busca de saber exatamente quem é. Como um quebra-cabeça, as peças só vão encaixar-se lá pelo fim da segunda parte do romance, quando entra Bidu, o segundo personagem-narrador de O pacto.

As cenas de sexo estão de volta, mas não tão explícitas como no romance anterior. Ménage à trois, chifres, estupros, pedofilia têm seu lugar em O pacto, nem sempre de forma gratuita, mas percorrendo um dos caminhos da literatura contemporânea em que o sexo é menos sugerido e mais levado ao primeiro plano narrativo, sem pudor, sem censura. Nenhum demérito, mas o contrário: banir o sexo da literatura seria insistir em um comportamento vitoriano que não diz muito a um século XXI em que ele, o sexo, é esmiuçado com um único clique; a internet está aí, e não há por que torcer o nariz para o que até então, na literatura, vinha escondido lá em meio às lianas narrativas em que muitos leitores nem sequer percebiam o que vinha sugerido. Por que não lembrar da cena de sexo oral de Basílio em Luísa ou das travessuras, digamos assim, de Bovary e de Belle de Jour?
Mas o autor não precisa de sexo para fazer o leitor atravessar seu livro de um lado a outro. O enredo encarregou-se disso. Desde Aristóteles, as peripécias são reconhecidas por suas surpresas, e a coisa não poderia ser diferente aqui: do contato de Théo com – com Houaiss, tome nota: Azucrim, Canheta, Coisa à toa, Mofento, Pé-cascudo, Pé de cabra, Pé de gancho, Pé de pato, Rabudo, Romãozinho, Sapucaio, sim, o Mofino tinhoso, até as máscaras que vão caindo, uma a uma, a narrativa segura-se, deslizando suave como um carrinho de rolimã ladeira abaixo. E nós, apoiando-nos confortáveis, anexados ao brinquedo, de capacete e tudo, vamos descendo a ladeira com George, para depois subir e novamente descer, e subir, num ritmo sempre capaz de fazer os leitores voltarem ao ponto onde pararam a fim de descobrir cada vez mais o que fez Théo antes de perder a memória.

Palmas ao autor, que com O pacto demonstra claramente o que é o passo adiante dado na carreira de um escritor, que, sempre insatisfeito, buscará a forma mais adequada para expressar o que pretende contar debaixo do véu artístico da ficção, algo que o romance, pasto de imaginação, é capaz de oferecer a um artista – como o George, o romancista em ebulição por trás de O pacto.
Renato Alessandro dos Santos
Batatais,
25/4/2017
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