Relatório de compra | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

busca | avançada
85352 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
>>> “Diversos Cervantes 2025”
>>> Francisco Morato ganha livro inédito com contos inspirados na cidade
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Se falam em autor novo, saco logo a minha pistola
>>> A república dos bugres
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> FLIP X FLAP
>>> Viciados em Internet?
>>> Um plano
>>> 29ª Bienal de São Paulo: a politica da arte
>>> Música Popular, não
>>> Cinema de Poesia
Mais Recentes
>>> Estudar Historia: Das Origens do Homem á Era Digital - 7ºAno de Patrícia Ramos Braick e Anna Barreto pela Moderna (2018)
>>> Física: Conceito e Contextos - 2ºAno do Ensino Médio de Maurício Pietrocola e Outros pela Editora Do Brasil (2016)
>>> Gravity Falls: Journal 3 de Alex Hirsch pela Disney Press (2016)
>>> Dinossauros Vivos - Perigo! Este Livro Pode Morder! de Robert Mash pela Ciranda Cultural (2010)
>>> Escalas de representação em arquitetura de Edite Calote Carranza; outros pela G & C arquitectônica (2025)
>>> Coisas De Índio. Versão Infantil de Daniel Munduruku pela Callis (2020)
>>> Manual Pirelli de instalações elétricas de Pini pela Pini (2003)
>>> Piadas Para Rachar O Bico. Proibido Para Adultos - Volume 1 de Gabriel Barazal pela Fundamento (2011)
>>> O Ultimo Cavaleiro Andante de Will Eisner pela Companhia Das Letras (1999)
>>> Manual De Projeto De Edificações de Manoel Henrique Campos Botelho; outros pela Pini (2009)
>>> Introdução À Ergonomia: Da Prática A Teoria de Abrahão Sznelwar pela Edgard Blucher (2014)
>>> Concreto Armado: Eu Te Amo Para Arquitetos de Manoel Henrique Campos Botelho pela Edgard Blucher (2016)
>>> Instalacoes Eletricas E O Projeto De Arquitetura de Roberto De Carvalho Júnior pela Edgard Blucher (2016)
>>> O Edifício Até Sua Cobertura de Hélio Alves de Azeredo pela Edgard Blucher (2015)
>>> Um Garoto Consumista na Roça (2º edição - 13º impressão) de Júlio Emílio Braz pela Scipione (2018)
>>> O Misterioso Baú Do Vovô (com suplemento de leitura) de Marcia Kupstas pela Ftd (2001)
>>> Febre de Robin Cook pela Record (1999)
>>> Um Estudo Em Vermelho de Sir Arthur Conan Doyle pela Ftd (1998)
>>> Feliz Por Nada de Martha Medeiros pela L&pm (2016)
>>> O Demônio E A Srta. Prym de Paulo Coelho pela Objetiva (2001)
>>> Olga e o grito da floresta de Laure monloubou pela Leiturinha (2024)
>>> Desperte O Milionário Que Há Em Você de Carlos Wizard Martins pela Gente (2012)
>>> Tequila Vermelha de Rick Riordan pela Record (2011)
>>> Histórias Que cocam O Coração de Guilherme Victor M. Cordeiro pela Dpl (2006)
>>> Imperfeitos- Edição Comemorativa Capa Amarela de Christina Lauren pela Faro Editorial (2023)
COLUNAS

Sexta-feira, 7/2/2020
Relatório de compra
Ana Elisa Ribeiro
+ de 3200 Acessos


LeP



Se isto se parecer com uma crônica, terá sido puro efeito de linguagem mesmo, porque o que ora venho fazer aqui é um relato, quase um relatório, desses textos que quase se colam à vida, de tão realistas. E lá vai.

Flora

Na terça-feira, dia 11 de fevereiro do corrente, ali pelas 15h, pouco mais, pouco menos, subi a rua íngreme em direção à floricultura. Trata-se de um estabelecimento antigo no bairro, referência para os passantes, do tipo que a gente diz "você chega ali na flora e vira a segunda à direita".

A flora compõe-se, na verdade, de duas lojas geminadas, sendo uma um depósito de construção, já aumentado com o sucesso dos anos de funcionamento, e o outro o escritório da floricultura, onde, além do caixa onde fazemos os pagamentos, podemos também escolher vasos, vasinhos, vasões, sementes e suportes de toda espécie. Há também, lá no fundo, uma porta que dá para um banheiro infestadíssimo de pernilongos. Este prefiro não frequentar.

Entrei pelo escritório da floricultura, não sem antes dar uma espiada dentro do depósito de construção, coisa que sempre me interessa. Encontrei o balcão do caixa vazio, as atendentes sumidas e umas moças brincando de escolher vasinhos de plantas. Como minha paciência estivesse grande, mas meu tempo, não, resolvi adentrar a parte onde ficam as plantas, embaixo de sombrites que as protegem do sol exagerado.

Ouvi um barulho de terra sendo cavada. Fui naquela direção e logo avistei o funcionário mais antigo da casa. Não por acaso, e sem mentira, ele atende pelo nome de Matozinhos. Um senhor cuja idade é difícil de adivinhar. A pele de rugas estreitas pode ser culpa do sol sob o qual trabalha há décadas. Talvez seja mais novo do que aparenta. É, certamente, mais forte e mais magro do que muito rapagão. É um pouco como se a cabeça não correspondesse ao corpo, à maneira de bonecos desmantelados. E de uma simpatia ímpar.

Boa tarde, o senhor está bom?

Oi, moça. Tudo bem e com a senhora?

Tudo bem. Será que o senhor sabe se tem aqui umas pleomeles?

Ah, tem sim. Tem de dois tipos. Deixa eu te mostrar, elas estão lá embaixo.

Não precisei pedir. Ele imediatamente me atendeu e quis me mostrar as mudas. Porque planta se compra é assim, escolhendo, feito fruta e verdura. E o preço depende da muda, do tamanho que ela tem, da raridade da planta, do que ela pode virar. E eu queria uma planta resistente, que precisasse de pouca rega, dentro das possibilidades da minha vida e do meu pequeno jardim.

Sombra

Fui, naquela tarde, à floricultura comprar uma futura árvore e três arbustos. Na verdade, fui comprar futuras sombras para a varanda. Desde que o vizinho retirou, com autorização da Prefeitura, a imensa árvore que sombreava minha varanda, ando incomodada com o calor da sala, com a dilatação da porta de ferro, com a luz excessiva pelas janelas. Nada pode ser melhor do que a sombra de uma folhagem.

Vamos lá. Entrei debaixo do sombrite onde estava o jardineiro, adentrei uma senda ladeada por plantas de todo jeito e cor e cheiro. Não reconheço nenhuma. Minto, talvez duas ou três: uma bananeira ainda baixa, a pleomele igual à do meu jardim e talvez um cacto, embora retorcido além da conta, um alien. Das demais plantas não posso dizer nada.

Passo então à consultoria do seu Matozinhos. Quero uma planta que fique alta, um arbusto que sobreviva encostado num muro alto e que o ultrapasse, se tudo der certo. Tenho uma experiência positiva de doze anos com quatro ou cinco pleomeles de duas cores. Quero também uma muda que se transforme em árvore, mas que não seja monstruosa, ameaçadora. Quero plantas que não me exijam mais do que posso dar. Que bebam água à vontade, meio autônomas, e que brinquem bem com cães e com o sol de meio-dia. Quero-as.

Matozinhos fechava um pouco os olhinhos sob as ruguinhas, tirava o boné e, com a mesma mão, dava uma coçadinha na cabeça meio careca. Pensava. É assim que muitos entendidos de muitas coisas pensam. Daí passava a me ensinar um pouco sobre as plantas, tocando-lhes as folhas, com um carinho de quem cuida delas há anos. Fazia afirmações sobre elas e seus hábitos. Achava que esta não se daria bem no meu jardim, mas esta, sim. Falava preços e me dava sugestões para pagar menos. E falava em substrato e siglas de compostos importantes e água.

Enfim, escolhi aquelas duas pleomeles verdes maiores. Custam menos que as de duas cores. Mas pedi também uma bicolor. Não resisti à composição. Embora aqui eu não tenha qualquer talento para a coisa, jardim é também edição, diagramação e design. Matozinhos sabe disso e sabe de como as plantas sobrevivem aos/às donos/as.

Ele foi tirando as mudas dali, em vasos de plástico preto. Foi trazendo para o beco onde estávamos, quase nos meus pés. Foi perguntando se esta estava boa, se não estava. Se eu queria menor ou maior. Foi fazendo uma pequena fila de mudinhas. E eu fui olhando, cerimoniosa, sem tocá-las. Tentando imaginar como elas cresceriam, juntando paciência para esperar por anos e já curtindo a sombra que a varanda há de ter, um dia; sob a qual meu banco de madeira sofrerá menos e onde voltarei a pendurar uma rede, presente de um amigo cearense.

Pausa para drama

Em meio a essa escolha bucólica toda, acompanhada do seu Matozinhos, tão apropriadamente jardineiro e funcionário da floricultura, passamos a ouvir barulhos de telhas se quebrando e um burburinho, sussurros e umas passadas que logo quebravam mais telhas. Cinco ou seis homens fortes, fugindo da polícia, pulavam o muro lateral da flora e passavam por nós, sem nos ver direito, ainda bem. Meu coração se enregelou em menos de um segundo e estive paralisada, sem saber se o melhor era correr ou me esconder dentro de um cômodo pequeno que servia de depósito. No fim das contas, fiquei parada, talvez na esperança de me confundirem com uma planta.

A bandidagem, em ritmo de fuga de presídio, passou sem nos molestar, embora minha adrenalina não soubesse de nada disso. Morri e vivi de novo. Depois de não ver mais as costas daqueles homens, liguei para a polícia e fiz um relato bem mais rápido e bem mais direto do que este, mais realista, talvez. Fui ao caixa, onde duas meninas já estavam de volta, atônitas, comprei ainda uma corujinha de metal e voltei para casa, sã e salva. Um dia espero ter minha sombrinha na varanda.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 7/2/2020

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Gramática da reprodução sexual: uma crônica de Jardel Dias Cavalcanti
02. As feéricas colagens de G.Comini de Eugenia Zerbini
03. O direito autoral vai sobreviver à internet? de Marta Barcellos
04. Excessos de Marta Barcellos
05. Tumblr: a renovação dos blogs de Vitor Diel


Mais Ana Elisa Ribeiro
Mais Acessadas de Ana Elisa Ribeiro em 2020
01. Nem morta! - 4/9/2020
02. Ler, investir, gestar - 17/1/2020
03. Meu reino por uma webcam - 19/6/2020
04. Filmes de guerra, de outro jeito - 10/7/2020
05. Aos nossos olhos (e aos de Ernesto) - 27/11/2020


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Vida Nossa Vida
Francisco Cândido Xavier
Geem
(2010)



A Dinâmica Da Ação Educativa
Pierre Vayer e Jean Destrooper
Piaget
(1976)



A Terceira Guerra Mundial Agosto de 1985
General Sir John Hackett
Biblioteca do Exercito
(1980)



A Câmera do Sumiço 439
Laura Bergallo
DcL
(2007)



Balainha
Betânia Fidalgo Arroyo
Anzol
(2021)



Intencionais - 365 Ideias Para Virar O Mundo De Cabeça Para Baixo
Beatriz Hummel ; Vinicius Condo ; Julia Bomfim ; Stela Kruger ; Lissa Subirá ; Felipe Silveira
Vida
(2011)



L'Ancienne Corinthe: Le Site Et Le Musée - Petit Guide: Archéologique Illustré (Livro Em Francês)
Pétros G. Thémélis
Hannibal
(2004)



A Capacidade Contributiva Sob o Enfoque do Capitalismo Humanista
Terezinha de Oliveira Domingos
Lumen Juris
(2015)



Destros e Canhotos
José Quadros Franca
Melhoramentos
(1969)



Livro Literatura Estrangeira Gossip Girl Eu Mereço! Volume 4
Cecily Von Ziegesar
Galera Record
(2008)





busca | avançada
85352 visitas/dia
1,7 milhão/mês