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Sexta-feira, 17/4/2020
4 filmes sobre publicar livros
Ana Elisa Ribeiro
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Neste confinamento, a gente acaba se valendo da música, da literatura e do cinema/série/tv para manter a sanidade, a calma ou fazer uma espécie de catarse. Além de tentar tirar o atraso da fila de livros literários que se acumula na estante, resolvi também ver uns filmes de que ouvira falar, mas, principalmente, conhecer coisas que nem sabia que existiam. É claro que isso depende um pouco das trocas com amigos e amigas, namorado, familiares, que continuam acontecendo por todos os canais virtuais possíveis. O outro pouco depende apenas de buscar nessas listas que as plataformas nos dão, conforme algum algoritmo nem sempre muito esperto.

Um dos exercícios mentais que venho fazendo é uma habilidade importante na leitura, mas que vale para tudo o que a gente tenta entender: a comparação. Outra habilidade, que tem a ver com essa, é ficar tentando achar pontos em comum entre filmes diferentes, fazendo uns elos interessantes pelos quais olhar para essas obras. Há uns dias, publiquei sobre filmes cujo tema são as livrarias. Três belezuras a que assisti recentemente. Agora, consegui reunir alguns filmaços que se relacionam porque têm como figuras centrais escritores ou escritoras, cada um à sua maneira.

Quando a gente faz isso, não quer dizer que se tenha a obrigação de falar de todos os filmes ou livros do mundo. É curioso que a gente publique uma pequena lista e logo alguém se coce para completá-la. É esperado que nenhuma lista seja exaustiva, ainda mais uma com três ou quatro elementos, então não custa ter boa vontade sobre os objetivos de um texto curto como este. Mas também pode ser legal quando alguém indica um livro ou um filme para a gente conhecer, ainda mais quando o confinamento não dá muito mais opções. Bom, mesmo para quem não pode estar confinado/a, em algum momento, é preciso descansar e parar para respirar, manter a sanidade, desligar-se um pouco. Que seja lendo ou vendo algo bem interessante.

Vou começar por um filme argentino-espanhol chamado O cidadão ilustre (El ciudadano ilustre), dirigido por Gastón Duprat e Mariano Cohn, lançado em 2016. Ganhou prêmios e teve algumas indicações merecidas. As primeiras cenas já me fisgaram de jeito. O protagonista, Daniel Mantovani (vivido por Oscar Martínez), recebe o Prêmio Nobel de Literatura, com toda aquela pompa, mas faz um discurso desconcertante, desses que alfinetam deus-e-o-mundo, em especial o mundo aqui fora. Daí a vida dele fica ainda mais atribulada, com uma agenda lotadíssima de coisas que ele já não tem mais saco de fazer. Até que ele recebe um convite de sua cidade natal, no interiorzão da Argentina, quarenta anos depois de ter saído para morar na Espanha. Bom, ele resolve ir. E tudo quanto for treta inesperada acontece lá, além de cenas hilariantes em eventos a que ele precisa comparecer como “cidadão ilustre”, marias-escritor de que ele precisa se desvencilhar e cursos esvaziados que ele precisa ministrar. Não se trata, então, de um filme sobre um aspirante a escritor, mas de um filme sobre um escritor dos muito bem-sucedidos. Só de piscar assim é possível lembrar de outros com essa temática, sobre homens que escrevem, publicam e se tornam lendas. A novidade não está aí, claro, mas na ironia das cenas, reconhecíveis para quem tem alguma intimidade com esses bastidores ou para quem quer desglamourizá-los. Divertidamente irônico.

Do interior da Argentina contemporânea vamos para a Inglaterra dos anos 1940, também no “interior”, na verdade uma ilha dominada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batata (em inglês, The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society) conta a história de uma escritora londrina, Juliet Ashton, que troca cartas com um morador da ilha, onde funciona uma sociedade literária, uma espécie de clube de leitura, com um funcionamento bem peculiar e uma história de fundação mais peculiar ainda. O filme é inglês, dirigido por Mike Newell, estrelado por Lily James e Michiel Huisman, e foi lançado no Brasil em 2018. O roteiro é inspirado no livro homônimo de autoria de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, por aqui saído pela editora Rocco. Semelhantemente ao argentino indicado, neste filme de época, a personagem central é uma escritora bem-sucedida, com agente e tudo, viajada e razoavelmente endinheirada com seu trabalho nas letras. Impressionante para uma mulher de meados do século XX. Não é também uma aspirante, mas uma escritora constituída, que precisará, então, manter em segredo as incríveis histórias que vive (e escreve) sobre a ilha, onde acaba se estabelecendo (com o perdão do leve spoiler).

Para continuar nesse clima de época, vamos agora aos Estados Unidos, durante a Guerra de Secessão, no século XIX. Em Adoráveis Mulheres (Little Women), filme recém-ganhador do Oscar de melhor atriz (Saoirse Ronan), assistimos, agora sim, à vida difícil de uma jovem do interior que deseja ser escritora. Ou melhor, ela é escritora, passa noites em claro manuscrevendo suas peças e seus romances, mas obviamente encontra poucas oportunidades de publicá-los ou montá-los, exceto dentro de casa, entre mãe e irmãs. O pano de fundo da guerra está sempre ali, enquanto a vida das quatro moças e da mãe, junto a vizinhos prestimosos, segue um curso esperado para mulheres brancas, quase em qualquer tempo: nascer, crescer, casar-se. Não era exatamente o que a personagem, Jo March, desejava para si. Em algum momento, ela encontra espaço para suas publicações, e até recebe grana pelos textos, mas sem se assumir completamente e sem o êxito da inglesa do filme anterior. Adoráveis Mulheres foi lançado no Brasil em 2020. É inspirado no livro Little Women, de Louisa May Alcott, lançado aqui como Mulherzinhas, por várias editoras, já que está em domínio público (Zahar, Planeta, Penguin-Companhia das Letras, L&PM, José Olympio, etc.). É uma obra do século XIX, no cinema dirigida por uma mulher deste século, Greta Gerwig. Embora em português o título soe pejorativo, não, a ideia não é essa.

Em cada um desses filmes, o escritor ou a escritora são representados/as de um modo, mas a vida das mulheres nessa seara é um tanto mais difícil. E para completar os obstáculos, além do machismo reinante, passamos à Polônia do século XX, durante uma ditadura que censurava a publicação de livros. A médica ginecologista Michalina Wislocka, expert em controle de natalidade e sexóloga, vive experiências pessoais e profissionais à frente de seu tempo. O filme A Arte de Amar (The Art of Loving, em inglês) é dirigido por Maria Sadowska e chegou ao Brasil depois de 2017, estrelado por Magdalena Boczarska, num papel fascinante. Ao longo de sua carreira de médica, Michalina, incentivada por amigas e inúmeras pacientes, de todos os estratos sociais, escreve um livro, uma espécie de manual para a felicidade sexual, em especial a das mulheres. Tal livro leva anos a fio para se desvencilhar da censura, dos julgamentos de grupos de homens horrorizados e de membros da igreja católica. O manuscrito tem editora, que vislumbra nele um imenso sucesso, mas nunca consegue vir a público, por impedimentos de variada natureza. Até que... A Arte de Amar vem à luz e, sim, é o sucesso de que se suspeitava. O filme é inspirado numa espécie de biografia de Michalina, que existiu de fato e teve uma vida impressionante. Por enquanto, não o temos publicado no Brasil.

Não sei quem teve mais dificuldade de publicar um livro: Michalina ou Jo March, no interior dos Estados Unidos ou na Polônia. E depois, não sei quem encontrou mais bizarrices numa vida de escritor ou escritora bem-sucedido/a, Mantovani ou Juliet Ashton. Bem, certamente, para nosso querido escritor argentino, ganhador de um Nobel, o caminho foi muito menos tortuoso. Vale ver as quatro películas.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 17/4/2020

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