Rembrandt na privada, por Jean Genet | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
>>> “Diversos Cervantes 2025”
>>> Francisco Morato ganha livro inédito com contos inspirados na cidade
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Calligaris, o fenômeno
>>> Aflições de um jovem escritor
>>> Noturno para os notívagos
>>> As garotas do Carlão
>>> Cuba e O Direito de Amar (3)
>>> Sempre procurei a harmonia
>>> Vamos pensar: duas coisas sobre home office
>>> Men in Black II
>>> Um álbum que eu queria ter feito
>>> Os Poetões e o Poetinha
Mais Recentes
>>> Aprendendo A Conviver - Ciências - 9º Ano de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> O Menino, O Dinheiro, E A Formigarra de Reinaldo Domingos pela Dsop (2011)
>>> The Painting Of Modern Life: Paris in the art of Manet and his flowers de T. J. Clark pela Thames & Hudson (1985)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 7º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 6º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora Do Brasil (2019)
>>> Exílio de Christina Baker Kline pela Tag/ Harper Collins (2023)
>>> Matematica E Realidade - 9 Ano de Gelson Iezzi E Osvaldo Dolce pela Atual (2021)
>>> Matemática Financeira E Suas Aplicações de Alexandre Assaf Neto pela Atlas - Grupo Gen (2016)
>>> Somos Todos Adultos Aqui de Emma Straub pela Harper Collins; Tag Experiências Literárias (2021)
>>> Bebel, A Gotinha Que Caiu Do Céu de Patrícia Engel Secco pela Melhoramentos (2012)
>>> Estudar Historia 8ºano de Patrícia Ramos Braick E Anna Barreto pela Moderna (2018)
>>> Cidadania e Justiça de Wanderley Guilherme dos Santos pela Campus (1979)
>>> Jó Romance de um homem simples de Joseph Roth pela Companhia Das Letras (2008)
>>> Comentários a um delírio militarista de Manuel Domingos Neto Org. pela Gabinete de Leitura (2022)
>>> Animais Marinhos de Ruth Wickings pela Ciranda Cultural (2000)
>>> Sem Logo de Klein pela Record (2002)
>>> Frestas de Trienal de Artes pela Sesc (2015)
>>> Entendendo Algoritmos: Um Guia Ilustrado Para Programadores E Outros Curiosos de Aditya Y. Bhargava pela Novatec (2021)
>>> 50 Histórias De Ninar de Vários Autores pela Girassol (2010)
>>> O Quinto Risco de Michael Lewis pela Intrinseca (2019)
>>> Como As Democracias Morrem de Steven Levitsky/ Daniel Ziblatt pela Zahar (2018)
>>> A Era das Revoluções: 1789-1848 de Eric J. Hobsbawn pela Paz e Terra (1977)
>>> O Último Restaurante De Paris de Elisa Nazarian pela Gutenberg (2023)
>>> Todo Amor Tem Segredos de Vitoria Moraes pela Intrinseca (2017)
>>> O Outro Lado Da Meia-noite de Sidney Sheldon pela Record (2009)
COLUNAS

Segunda-feira, 20/1/2003
Rembrandt na privada, por Jean Genet
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 9800 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Rembrandt nasceu em 15 de julho de 1606. Quando era jovem aspirante a artista seus pais logo reconheceram que sua propensão para a arte era demasiado forte para não ser levada a sério. Sendo assim, permitiram que abandonasse os estudos e se dedicasse exclusivamente à sua vocação maior: pintar. Nesse sentido, quando sabemos o quanto são perseguidas e maltratadas pelas famílias as vocações artísticas, Rembrandt é um caso raro na história da arte.

Além de dedicar-se apaixonadamente aos quadros narrativos (tema que desde o Renascimento era considerado superior a todos os outros), Rembrandt dedicou-se a pintar retratos e, principalmente, auto-retratos. O artista representou a si mesmo com muito mais freqüência do que fizeram todos os outros mestres renascentistas ou barrocos. Isso pode causar estranheza, já que sua elevada ambição era tornar-se artista narrativo, não mero pintor de rostos. São conhecidos mais de 75 auto-retratos, entre pinturas, desenhos e gravuras. Este registro, que cobre um período de 45 anos, talvez se configure como a mais perfeita autobiografia já deixada por um artista. Neles Rembrandt aparece como o galante arrojado, o burguês decoroso, o titã majestoso e, por fim, como o sábio idoso.

Estes retratos mostram como Rembrandt cultivou os fortes contrastes de luz e sombra para dar um caráter dramático à sua obra. Em geral o artista se retrata de forma vigorosa, mergulhado em sombras profundas que o destacam contra fundos claros. Esta forma de pintar, equilibrando magistralmente luz e sombra, produz um efeito dramático audacioso. Em suas obras, luz e sombra são como dois seres estreitamente interligados. Oscilam um para o outro produzindo uma atmosfera repleta de sugestões e mistérios. Pela flutuação da luz a figura é incorporada a um ambiente vivo e vibrante. O que Rembrandt desejava, ao fazer espaço e figura compartilharem de uma existência inseparável, era dar à atmosfera do quadro um significado tanto visual como espiritual. Sua pintura será sempre precisa e intimista, mesmo quando surgirem os claro-escuros sutilmente difusos, com predominância de cores frias e delicadas.

Explorando de forma variada as texturas que a tinta à óleo permite (empastes claros, fundos ralos, arranhões feitos com o cabo do pincel na tinta ainda úmida), o resultado de suas obras prenunciam as liberdades que seriam conquistadas pela arte somente à partir do século XIX. Mais do que isso, seus retratos nos transportam a um mundo de esplendor e a uma intimidade fascinante.

No Auto-retrato pintado em 1659 (National Gallery of Art, Washington), Rembrandt se faz representar mediante uma composição ampla, com rico tratamento pictórico que mescla um claro-escuro ao mesmo tempo vigoroso e suave. A figura parece banhar-se em uma luz interior que faz denotar uma rica vida espiritual, fruto de muitas experiências trágicas que deixaram suas marcas no rosto retratado. Uma preocupação com a auto-análise aparece na sua expressão imponente. Os músculos faciais já estão flácidos, mas, ao mesmo tempo, evidenciam grande sensibilidade. Os olhos do artista idoso aparecem grandes e dominadores, revelando um ser humano vulnerável. Mas o pesar que o acomete aprofundou-lhe a compreensão. Ele está livre do rancor, da comiseração por si mesmo e de quaisquer reações sentimentais fúteis.

Jean Genet parou diante deste quadro e de muitos outros retratos de Rembrandt. Percebeu neste retrato derradeiro "uma firme bondade." Disse que dele se poderia ouvir as seguintes palavras: "Sou de uma tal inteligência que mesmo os animais selvagens perceberão minha bondade".

Genet observou diretamente a obra de Rembrandt em viagens que fez a Londres, Amsterdã, Munique, Berlin e Dresden. A parti daí, publicou na revista francesa L´Express um artigo denominado O Segredo de Rembrandt que eram extratos de um livro que anunciava publicar pela Editora Gallimard. O livro não foi terminado. Em 1964, perturbado pela morte de seu amigo Abdallah, rasgou uma mala cheia de manuscritos. Sobre o pintor só sobraram dois fragmentos, que saíram em 1967, na revista Tel Quel, com o título: O que restou de um Rembrandt cortado em pequenos quadrados bem regulares, e jogado na privada.

Foi publicado entre nós, em tradução de Ferreira Gullar e editado pela José Olympio, estes dois textos. É uma edição caprichada com fotos de várias telas, coloridas e em preto-e-branco, como também desenhos de Rembrandt. Conta ainda com um índice de obras nos quais se pode ver as fotos dos quadros e dados sobre elas.

Os textos apresentam a visão pessoal de Genet sobre Rembrandt. Portanto, não se espere encontrar no livro um estudo típico de história da arte. Aqui o que conta é o resultado do encontro de dois artistas. Nós já sabemos o quanto é profícuo este tipo de encontro. Veja-se: Baudelaire e Poe, Baudelaire e Richard Wagner, Debussy e Mallarmé, Stravinsky e Picasso, Berio e Joyce, Sartre e Genet, entre tantos.

A marca desse encontro pode ser traduzido nos termos escritos por Genet: "Seu olhar não era o de outro: era o meu que eu reencontrava num espelho, inadvertidamente e na solidão e esquecimento de mim".

Genet é sensível à pintura de Rembrandt. Não poderia ser diferente, pois foi capturado pelos mínimos detalhes de suas telas: navega entre tecidos, peles, olhares, marcas da idade, tapetes e cortinas. Apreende nesses detalhes dissolvidos pelo claro-escuro de Rembrandt os universos da sensualidade, da solidão, da sabedoria, da alegria, do sublime, do metafísico. Desvenda o realismo e a impiedade de Rembrandt, mesmo quando retrata sua mãe: "ele os pinta com prazer, finura, mas, mesmo o de sua mãe, sem amor. As rugas são escrupulosamente marcadas, os pés-de-galinha, as pregas da pele, as verrugas..." Mas se questiona se será isso mesmo ou "talvez por simpatia, pelo prazer da dificuldade de pintar ... quem sabe?"

Mas de uma coisa ele sabe - o que a pintura de Rembrandt busca é o belo: "agradável ao olhar ou não, a decrepitude é real. E, por conseguinte, bela." Para Genet "tudo tem sua dignidade, e o homem deve se empenhar antes de mais nada para dar significação ao que parece desprovido dela". Aqui podemos pensar nas próprias obras de Genet para a literatura, com sua recuperação dos sentimentos e dos mundos rejeitados pela "boa sociedade".

Suas reflexões sobre a pintura do mestre holandês partem de uma observação atenta, de uma cumplicidade necessária ao envolvimento efetivo do observador com a obra amada (para Genet se trata disso). Sua observação, fazendo uso de metáforas certeiras, é aguda: "Os personagens, quase sempre, com seus gestos suspensos, contidos, são como um ciclone momentaneamente dominado".

Genet nota a importância que a leitura da Bíblia e o desejo pelo luxo e pelo fausto (que se traduzem em sensualidade) têm na sua imaginação artística. E acerta, bastando-nos conferir seus retratos da esposa Saskia, coberta de ouro e veludo e notando a teatralidade de suas obras narrativas.

Outra coisa que Genet observa em Rembrandt é a riqueza imensa que se acomoda à cada pequeno trecho das telas do mestre, mais ainda na sua velhice, quando preocupa-se mais com a expressão que com a representação fiel de seus retratados. Com isso, passamos a notar que "a manga, em La fiancée juive, é um quadro abstrato". E aí está a genialidade de Rembrandt: "este esforço lhe possibilita desfazer-se de tudo que o poderia reconduzir a uma visão diferenciada, descontínua, hierarquizada do mundo: uma mão vale um rosto, um rosto um canto de mesa, um canto de mesa um bastão, um bastão uma mão, uma mão uma manga (...)".

Para Genet Rembrandt transferiu-se inteiramente para sua obra. E o segredo de Rembrant, conforme o título de um de seus artigos, desvela-se para nós, nas palavras do autor de O diário de um ladrão:

"Em seu derradeiro retrato, ele zomba do mundo docemente. Docemente. Ele sabe tudo o que um pintor pode aprender. E antes de tudo (enfim, talvez?) que o pintor está totalmente no olhar que vai do objeto à tela mas, sobretudo, no gesto da mão que vai do pequeno charco de tinta à tela. O pintor está ali concentrado, no curso tranqüilo, seguro, da mão."

Este livro de Genet torna-se uma leitura de extrema importância, pois nos dá o que a ciência da arte (a história da arte) não nos pode dar: a capacidade de, através de ricas metáforas, mergulhar profundamente no universo irracional da criação artística. Pois, como dizia Merleau-Ponty, "a ciência manipula as coisas e renuncia a habitá-las". Com artistas pensando a arte é diferente.

Para ir além



Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 20/1/2003

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Do desprezo e da admiração de Guga Schultze
02. O bom, o ruim (e o crítico no meio) de Rafael Rodrigues
03. Eu e as Copas de Julio Daio Borges
04. Os dez mais e os cinco menos da internet de Ram Rajagopal


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti em 2003
01. Felicidade: reflexões de Eduardo Giannetti - 3/2/2003
02. Entrevista com o poeta Augusto de Campos - 24/3/2003
03. John Fante: literatura como heroína e jazz - 21/7/2003
04. Filipe II da Espanha: homem e rei - 19/5/2003
05. A paixão pela arte: entrevista com Jorge Coli - 21/4/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
21/1/2003
12h10min
Goethe homenageia Rembrandt ao chamar-lhe de "Rembrandt, o pensador" por sensibilizar-se pela intensa dramaticidade do artista, de sua vida registrado em sua obra através de uma resignação heróica ante os sofrimentos. Ler uma obra como essa de Genet traz maior empatia e aproximação com a alma do artista de quem ela fala.
[Leia outros Comentários de Dalila Doring Sousa]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Que é Taylorismo
Margareth Rago; Eduardo F. P. Moreira
Brasiliense
(1984)



Contos de Aprendiz
Carlos Drummond de Andrade
Record
(1997)



Cartas Da Prisão 1969-1973
Frei Betto
Agir
(2008)



A Bruxinha Que Ficou Doentinha
Luiz Antonio Aguiar
Galerinha Record
(2013)



Bac Français 1ere L - 1999
Diversos Autores
Belin
(1998)



Segredos da Vida
Selma Rutzen (Compilação)
Eko
(2023)



Aventuras Do Marujo Verde
Gláucia Lemos
Atual
(2003)



Um Romance Antigo - 1ª Edição
Claudio de Souza
São Paulo
(1933)



Um Certo Suicídio
Patricia Highsmith
Best Seller



Vendas 3. 0 Compacta
Sandro Magaldi
Elsevier
(2013)





busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês