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Segunda-feira, 27/8/2001
O senhor das gotas
Arcano9
+ de 3600 Acessos

Anne Marie,

Há muito tempo preciso te escrever. Há tanto entre nós que ficou em aberto. Quando saí do Brasil, para trabalhar aqui em Londres, nós nos amávamos tanto.


A gota fria marca o setembro que vem, assustador, lúgubre, consumindo a esfera urbana, seus parques molhados pelos mililitros, milhões de mililitros, precipitando-se na tarde nebulosa. A gota cristalina precipita-se, perceptível apenas como membro de uma coletividade, dessa garoa indecisa. São quatro da tarde. Paris. No Jardin du Luxembourg, caminhando para as bandas da Cité. Não se ouve música. A tagarelice não chega aos ouvidos. Tudo que existe é um momento parado no tempo. Quando ela olha para você. A gota cristalina paralisa-se. Os si'l vous plaits paralisam-se. Num breve momento de eternidade, as gotas de tinta ganham cor e apaixonam-se, beijam-se, mesclam-se.

Eu te amava tanto. Mas a distância... a distância torna tudo mais difícil. Decidimos acabar tudo, porque não poderíamos nos ver.

De volta à National Gallery. A tagarelice é a mesma. A turba infernal dos japoneses, espanhóis, indonésios, brasileiros. A gota cristalina forma-se na minha testa. Há muito tempo não venho à National Gallery. Nunca vim à National Gallery numa tarde tão quente. No salão tumultuado, logo à entrada, convidam-me escadas. Galgo a da direita, as salas estão lotadas. Porque Londres é um dos centros da cultura e da arte no planeta. Porque este museu tem entrada gratuita. Porque há visitantes que observam cuidadosamente todas as pinturas, esculturas e instalações da Tate Britain, da Tate Modern, da National Gallery, da Guildhall Art Gallery. Passam horas olhando para as obras. E quando deixam Londres, que pena sinto deles, não viram nenhuma pintura, escultura ou instalação. Na sala em que estou agora, Van Gogh. Todos querem ver Van Gogh - o sujeito que cortou a orelha, puxa, ele era realmente maluco, mas um excelente pintor. E Os Guarda-chuvas estão também aqui. Não atraem tanto público. No quadro, ela.

Eu te disse, você me disse, era melhor esquecer. Porque, se está escrito que um dia vamos ficar juntos, ficaremos, não importa se estamos separados ou não, um dia vamos nos ver de novo e tudo vai voltar a ser o que era.

Pierre-Auguste Renoir nasceu na França em 1841 e morreu em 1919. É um dos nomes mais importantes do impressionismo. O que é impressionismo? Basicamente, o traço importa menos que a cor. A fronteira entre o que é a figura central do quadro e seu background se dilui. Onde começa a chuva? Onde termina o guarda-chuva? Onde começa a menina? Onde termina a adolescente? Onde começa a tarde cinzenta? Onde termina seu sorriso? Onde começa o azul? Onde termina a cesta vazia? Tudo muito nebuloso. Tudo muito misturado. Confuso. Renoir gostava de pintar a burguesia, seus picnics, suas festas, e por isso muitos o consideram um alienado. Em 1881, quando um negociador de arte começou a comprar regularmente os trabalhos de Renoir, o pintor já estava refletindo sobre formas de revitalizar seu estilo difuso. Visitou a Itália entre 1881 e 1882, e a viagem despertou nele uma vontade de pintar cenas mais atemporais, em vez de retratar momentos do cotidiano da sua época. Passaria a pintar mulheres nuas e temas relacionados à mitologia. Seu traço também seria mais definido. A transição entre esses dois momentos de Renoir poderia ser simbolizado por Os Guarda-Chuvas. As duas meninas na parte esquerda do quadro, incluindo a que está de costas e a pequenininha com um aro nas mãos, foram criadas com o estilo típico impressionista de Renoir, borrado, diluído, brumoso. As figuras do lado direito (incluindo a moça em primeiro plano) estão mais definidas. A moça carrega sua cesta vazia. Quem era ela? Uma vendedora de frutas ou flores que havia terminado seu trabalho e já caminhava para casa? Uma jovem burguesa que retornava de um picnic? Ela está sorrindo? Seu sorriso ou não-sorriso são um dos mais ignorados enigmas da arte em todos os tempos. Já foram produzidos compêndios sobre a natureza incerta da expressão facial da Mona Lisa, ou sobre as infinitas interpretações de As Meninas de Velazques. Mas olhe atentamente este quadro. Olhe atentamente e me diga o que ela está pensando.

Eu já estou há tanto tempo por aqui. E não consigo te esquecer.

As gotas coloridas, as cores brumosas, as cores duras, as cores entediadas. As cores de um breve momento. Tão triste não tê-la comigo, tão triste que não és minha linda esposa. Quem será o afortunado que estará te abraçando de noite, nas ruelas estreitas, no quarto pequeno e escuro? Quem irá arrancar-te com volúpia o espartilho, quem irá consumir as gotas de saliva de seus lábios, beber de teu néctar adocicado, esbaldar-se em teu carinho? Vou te pintar. Vou me apossar de ti, minha ninfa, nem que não queiras. Afasta-te desse maldito barbado que insiste em proteger-te das gotas. Eu sou o senhor das gotas. Meu pincel irá criar todos os guarda-chuvas que quiseres. Todos os guarda-chuvas de Paris.

E então, desprevenida, surpresa, olhas em minha direção. Tudo que existe é um momento parado no tempo. Quando olhas. A gota cristalina paralisa-se. Os si'l vous plaits paralisam-se. Este é o momento.

Ontem mesmo, foi muito triste. Estava num museu. Vi este quadro. Não sabia que sua bisavó tinha sido amiga de Renoir.

As interpretações são variadas. Podemos estar diante das várias idades da mulher. Consideremos a parte esquerda do quadro o passado, e a direita, o futuro. A menininha na parte esquerda olha para o pintor. A garota da direita, supostamente adolescente, também olha para o pintor. A menina pequena parece curiosa, apenas curiosa. A jovem parece surpreendida mas lisonjeada. A relação das mulheres com os homens não é um pouco assim? Quando percebem que podem atrair os homens com seus atributos físicos, na puberdade, ficam curiosas, e brincam com seus novos poderes, seduzem e destroem corações. Depois de ferir, são feridas, e os ferimentos de vários relacionamentos vão cortando suas asas. E vem a idade de ficar mais quieta, mais comedida, e apreciar os poetas e pintores. Menos curiosa, mas madura, encantadora. Para outros intérpretes, as meninas chamam a atenção, mas o principal elemento do quadro é a chuva, e os inevitáveis guarda-chuvas que dão nome à obra. Está chovendo ou parou de chover? Uma senhora no meio do quadro olha para cima: ela não sabe ao certo e precisa conferir. Muitas pessoas usam guarda-chuvas. Mas justamente os dois personagens em primeiro plano, a menina com o aro e a jovem sedutora, não estão se protegendo. Um senhor barbado até parece estar tentando oferecer proteção para a jovem com seu guarda-chuva, mas ela parece não ligar para ele. Ela e a menina só se importam para uma coisa - o que está acontecendo exatamente onde o pintor está. Seriam elas sobrinhas de Renoir? A menina pequena, será que é filha dele? E a jovem, é sua namorada? Tudo é indefinido. Olhe bem e diga. O que você acha?

Veja bem, a jovem na direita. Não é sua cara? Ela está querendo dizer alguma coisa. Acho que eu sei o que é. Olhe bem e diga se é verdade.

Para ir além

National Gallery, Londres


Arcano9
Londres, 27/8/2001

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