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Segunda-feira, 5/3/2007
Mahler titânico pelo maestro Henrique Lian
Jardel Dias Cavalcanti
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"A noite é profunda, e mais profunda do que o dia imaginava".
(Nietzsche em Zaratrustra)

A música de Mahler (1860-1911) situa-se entre a decadência do romantismo e as inovações vanguardistas do início do século XX. Mas, aquém das inovações de Debussy, que desrespeita o sistema tonal porque percebe que sua gramática, sem que ele o queira, o obriga a dizer coisas que não quer dizer, Mahler aponta para a crise que se estabelecerá na música ocidental sem, no entanto, deixar vazar as tensões que a dilacerariam.

Tomadas como um todo, suas sinfonias representam estágios de uma viagem espiritual incompleta, cujo fim não pode ser atingido nesta vida, segundo avaliação de Philip Barford, no seu excelente livro Mahler: sinfonia e canções. Esta avaliação traduz também muito do que foi a arte fin-de-siècle, onde mais do que a realidade espiritual de uma época, todas as formas de cultura estabelecidas estariam sendo testadas até a destruição.

Talvez quem tenha feito a travessia com mais segurança seja Schöenberg, que indicou os novos caminhos da música, passando do expressionismo à abolição do sistema tonal que dominava há centenas de anos a música do Ocidente. A criação do método dodecafônico, que tecnicamente falando consiste em utilizar os doze graus da escala cromática sem qualquer relação hierárquica entre eles, representava a necessidade de organizar a desorientação produzida pela crise da tonalidade. Filosoficamente falando, a ruptura com o sistema tonal representava a recusa de uma estrutura que não dava mais conta da nova maneira de encarar o mundo e de existir num mundo onde o humanismo se espatifava.

A tradução dessas inovações que se seguiriam foram levadas a cabo pelo grupo que ficou conhecido como a Escola de Viena, cujos gênios criadores seriam, além de Schöenberg, os também austríacos Alban Berg (1885-1935) e Antón Webern (1883-1945).

No meio dessa turbulência européia encontrava-se o compositor russo Igor Stravinsky (1882-1971), também inovador, se pensarmos na obra A Sagração da Primavera, e que representava o momento de recuperação dos folclores regionais, adotando a influência do jazz (de raízes africanas), usando instrumentos de percurssão de culturas consideradas exóticas no contexto europeu (asiáticas, africanas ou americanas). Vale lembrar para este caso a música de Villa-Lobos, Béla Bartok e Smetana. Essa opção folclórica, no fim das contas, acabou sendo muito criticada pelos vanguardistas, especialmente por aqueles que identificavam o progresso musical com a técnica própria da sociedade industrial e menosprezavam tudo o que vinha do mundo rural.

Onde se situa a obra de Malher no contexto de uma mudança radical e profunda que se operava no campo da harmonia tonal? Que tipo de música criou o maestro enquanto este edifício velho de mais de trezentos anos desmoronava-se? Suas sinfonias são apenas o resultado de uma adesão a uma espécie de romantismo tardio que o situava entre a arte pós-wagneriana e a nova música que queria desabrochar? Mahler tentou expandir a tonalidade sem, no entanto, se deixar perder o controle?

Entender essa música de fronteira é o que faz o excelente livro Sinfonia titã: semântica e retórica (Perspectiva, 2005, 102 págs.), do Maestro e historiador da arte Henrique Lian, publicado pela editora Perspectiva.

Antes de entrar no mérito específico do livro, vale lembrar que existe uma tradição rara e interessante que é a de músicos, maestros e escritores que se debruçam sobre obras alheias para entendê-las e explicá-las para si mesmos e para o público. Nesse sentido, a mais interessante obra é a do compositor Charles Gounod, que comentou o Don Giovanni, de Mozart, trecho por trecho, nos dando uma aula ímpar sobre a obra que ele tanto conhecia e amava. Também temos Debussy como crítico de música ou Berlioz escrevendo sobre a obra de Beethoven. Na literatura temos Baudelaire escrevendo no calor da hora sobre a ópera Thannhäuser, de Wagner. Como temos Richard Wagner escrevendo filosoficamente de forma grandiosa não só sobre Beethoven, mas também sobre o sentido da música.

Agora temos o prazer de poder desfrutar "da mais penetrante análise da sinfonia Titã existente na literatura sobre Mahler", como diz Luiz Marques, prefaciador do livro do maestro Lian. Mais do que apenas analisar internamente a referida obra de Mahler (o que já é sublime), com uma arqueologia da composição Sinfonia Titã, Lian nos apresenta toda a problemática da situação da música do compositor no seu contexto filosófico-cultural. O autor do livro, da sua posição de regente (e Mahler também o era, além de ser compositor), ilumina elemento a elemento a sinfonia Titã desdobrando sua análise para a abrangência que a composição teria nesse contexto desagregador da música fin-de-siècle a que nos referimos acima. Este tipo de abordagem faz cair por terra, evidentemente, várias generalizações críticas das quais Mahler foi sempre vítima. E avançando na leitura de Lian podemos ver provado que onde existia a idéia de fraqueza, passa-se a ver, como dizia Boulez, "uma de suas maiores forças".

O livro Sinfonia Titã pode ser dividido em várias partes: a primeira, discutindo a problemática do significado da música no embate teórico entre os formalistas ("forma é o conteúdo da música") e os conteudistas (comunicação emocional e intelectual da música). Ainda nesta parte discute a sua própria referência analítica, que é a semântica da música de Mahler, dizendo que o compositor seria o músico perfeito para a retomada desta abordagem. A obra do compositor pensada, então, sobre a confluência de vários prismas como o biográfico e o musical ampliando o entendimento extramusical do uso de citações, paródias, efeitos descritivos e metáforas.

A segunda parte do livro discute a obra de Mahler e sua modernidade no contexto da discussão estética da época, já entendendo-a profundamente a partir da chave semântica de leitura. Daí a conclusão de que a obra do compositor não pode ser lida apenas numa clave, já que "homem de ampla cultura humanística, curiosidade natural e agitado mundo interior, o compositor fez de sua obra sinfônica um universo em que abundam referências de variadas esferas da cultura, expressas em códigos musicais e um verdadeiro mosaico de referências e citações, quer consideradas em si próprias ou em relação à história da música".

A parte seguinte do livro estuda a ironia romântica e a ironia mahleriana, apontando Mahler como "um autor que encarna e sintetiza o dilema idealismo/realismo, manifestando uma música que é ao mesmo tempo continuidade e ruptura com a tradição romântica". Em Mahler "a multiplicidade de elementos sonoros favorece o paradoxo (condição mesma do homem fin-de-siècle), a contradição (coragem necessária desse homem) e a surpresa (caráter imponderável da vida)".

Finalmente, a última parte do livro se detém, em vários capítulos, a discutir minuciosamente a Sinfonia Titã para chegar à conclusão de que a obra "surgiu como ponto de interseção (e interrogação) entre o mundo confessional e idealista do romantismo, pleno de referências pragmáticas e extramusicais, e o elemento embrionário da música moderna".

Como reflexo de uma consciência em crise, pois o próprio Mahler dizia que toda a sua vida (sua experiência e sofrimento) está contida nas suas sinfonias, esta primeira sinfonia marca desde já a maturidade do compositor, traduzida numa marca pessoal que lhe custou, mesmo entre a elite intelectual, uma falta de compreensão devida. Mescla de familiaridade e estranheza, esta obra provocou no ouvinte um certo desconforto, diferente da rejeição imediata que a Sagração de Stravinsky produziu. Num primeiro momento reconhecimento da forma musical, depois um estranhamento dadas as referências filosóficas que habitavam a alma de sua música. E, melhor dizendo, nas palavras de Henrique Lian, "em Mahler a obra de arte deixa de ser um suporte para a comunicação de uma idéia para, pioneiramente, transformar-se, ela mesma, na própria idéia". Não estaríamos aqui, então, diante da assertiva de Schiller de que "na verdadeira obra de arte a forma mata o conteúdo"?

Talvez T. W. Adorno, que fez uma tese de mestrado sobre Mahler, seja quem melhor expressou o significado da música de Mahler enquanto crise da consciência de uma época aos pedaços: "Cada sinfonia de Mahler é uma pergunta de como, das ruínas do mundo objetivo, uma totalidade viva pode levantar".

Mas, então a obra de Mahler seria apenas essa grande interrogação? Ora, as grandes obras são um trabalho de exploração, que, como diria Whitehead, levantam principalmente uma porção de lebres para que as pessoas cacem.

Henrique Lian, com seu livro Sinfonia Titã, fez uma excelente caça, nos fazendo retomar a audição de Mahler tão apaixonadamente e sabiamente quanto o fora no momento em que o compositor foi redescoberto por Visconte no filme Morte em Veneza (baseado no romance de Thomas Mann, outra genial obra que traz dentro de si a crise da cultura do fin-de-siècle).

Para ir além






Jardel Dias Cavalcanti
Campinas, 5/3/2007

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