O romance espinhoso de Marco Lacerda | Daniel Lopes | Digestivo Cultural

busca | avançada
122 mil/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Trio Mocotó
>>> O Circo Fubanguinho - Com Trupe da Lona Preta
>>> Anaí Rosa Quinteto
>>> Chocolatte da Vila Maria
>>> Ed Motta
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Olavo de Carvalho: o roqueiro improvável
>>> 7 de Novembro #digestivo10anos
>>> Carandiru, do livro para as telas do cinema
>>> Livros de presente
>>> Guerras sujas: a democracia nos EUA e o terrorismo
>>> A Arte da Entrevista
>>> Daniel Piza by Otavio Mesquita
>>> Prática de conversação on-line
>>> Fatal: o livro e o filme
>>> Que tal fingir-se de céu?
Mais Recentes
>>> A Turma do Perere - 365 dias da Mata do Fundão de Ziraldo pela Globo (2006)
>>> Zerois do Brasil de Ziraldo - Colegio Visconde de Porto Seguro - Caio Machado Pedreira pela E Educacional (2011)
>>> Ziraldo e Os Meus Direitos de Ziraldo - Colegio Estacio - Giovanna Oliani Martinez pela E Educacional (2002)
>>> Vida depos da Vida de Dr. Raymond A. Moody Jr. pela Nordica (1979)
>>> O Maior Milagre do Mundo Parte 2 de Og Mandino pela Record (2009)
>>> Garotas Da Pérsia de Nahid Rachlin pela Rocco (2007)
>>> Garota Replay de Tammy Luciano pela Novo Conceito (2012)
>>> Mulheres Mitos E Deusas - O Feminino Atraves Dos Tempos de Martha Robles pela Goya (2019)
>>> Crônicas (Vol. 5 Obra jornalística) 1961 - 1984 de Gabriel Garcia Marquez pela Record (2006)
>>> Duelo final (capa dura) de Elmore Leonard pela Círculo do Livro
>>> Amar é assim (capa dura) de Carol Hill pela Círculo do Livro
>>> Os mortos-vivos (capa dura) de Peter Straub pela Círculo do Livro
>>> Nem mais Nem menos (capa dura) de Jeffrey Archer pela Círculo do Livro
>>> The Cambridge Illustrated History Of Medicine (cambridge Illustrated Histories) de Roy Porter pela Cambridge University Press (1996)
>>> Breve Romance de Sonho - Col. O globo 26 de Arthur Schnitzler pela O Globo
>>> Memórias de Adriano - Col. O globo 24 de Marguerite Yourcenar pela O Globo
>>> As Cidades Invisíveis - Col. O globo 21 de Italo Calvino pela O Globo
>>> O Senhor das Moscas, - Col. O globo 19 de William Golding pela O Globo
>>> A Consciência de Zeno - Col. O globo 4 de Italo Svevo pela O Globo
>>> O Fio da Navalha - Col. O globo 28 de W. Somerset Maugham pela O Globo
>>> Nosso Homem em Havana - Col. O globo 20 de Graham Greene pela O Globo
>>> O Jovem Törless - Col. O globo 27 de Robert Musil pela O Globo
>>> O Caso Morel - Col. O globo 15 de Rubem Fonseca pela O Globo
>>> As representações dos prof. de educação especial e as necessidades das famílias de Filomena Pereira pela Graforim (1998)
>>> A Distância Entre Nós de Thrity N. Umrigar pela Nova Fronteira (2006)
COLUNAS

Quarta-feira, 11/7/2007
O romance espinhoso de Marco Lacerda
Daniel Lopes
+ de 11800 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Em artigo recente na revista Carta Capital, o crítico José Onofre lamentava o atual estágio da literatura mundial. Segundo ele, hoje o que há, salvo raras exceções, "é uma organização das palavras sem o sentimento verdadeiro que deveria estar por trás. Falta aquela sensação que se tem diante de uma casa escura, uma estrada vazia, um cheiro de fogo".

Bem, entre as exceções a essa fraqueza certamente está Marco Lacerda. Pena que esse experiente jornalista que é também ficcionista, por obrigações do primeiro encargo, tenha tão pouco tempo de sobra para dedicar ao segundo. As flores do jardim da nossa casa (Terceiro Nome, 2007, 224 págs.) é apenas seu terceiro livro, precedido por Clube dos homens bonitos e Favela High-Tech, que é o mote de um filme a ser lançado ainda este ano.

Ler As flores... prova-se um interessante exercício. De início, seu subtítulo é "Autobiografia não autorizada". Assim que me chegou um exemplar do romance, porque é assim que a editora o cataloga, tomei a decisão de não ir atrás de saber da vida do autor, para poder separar direitinho o que é e o que não é ficção no livro. Há fatos relatados que, conhecendo detalhes básicos da biografia do Marco, sabemos ser autobiográficos, outros que podem ser autobiográficos, alguns que obviamente são ficção, e outros que provavelmente o são. O melhor remédio para esse jogo, tanto para o leitor como para o resenhista, é tratar o personagem principal do livro como simplesmente "o narrador".

Pois bem. Nas primeiras páginas, o narrador está em seu apartamento em São Paulo, no dia do seu quadragésimo aniversário. Esperava subir alguém chamado Caio, e de repente, da portaria, lhe avisam que um Caio pede autorização para subir. Ele concede, mas o Caio que sobe não é Caio nenhum, e sim um assaltante junto com um comparsa. Ele é feito refém, amarrado à cama. Depois de algum tempo, reconhece um dos bandidos. Trata-se de Benício, de quem anos atrás fora grande amigo, quando ainda moravam em Belo Horizonte.

Então começa o flashback. Enquanto é mantido sob ameaça de morte, nosso narrador vai lembrar de sua infância, juventude e início da vida adulta, que se desenrolam em um Brasil conturbado, aquele dos anos 60, 70 e 80, sem se furtar a generosas descrições do milieu político-cultural em que está inserido. O, vamos lá, Lacerda-narrador, descreve passagens da história brasileira com a qualidade do bom repórter que é.

Seus primeiros anos, passados em Belo Horizonte, foram marcados pela relação complicada com os pais - o pai, um alcoólatra amargurado que espancava a esposa, mas que no começo mostrou-se amistoso com o filho; a mãe, um ser passivo, que acreditava estar nada mais que cumprindo o papel que lhe cabia em uma sociedade que definia o lugar e o enredo a ser seguido por uma mulher, de subjugação, de resignação, de renúncia a qualquer prazer.

Ainda na infância, o narrador tem sua primeira experiência homossexual, sendo estuprado por um garoto poucos anos mais velho. O pai toma conhecimento do ocorrido, leva o filho a apenas uma visita ao psicólogo, e tudo parece ficar entendido entre eles - que aquilo não se repita. Dias após, quando o menino vinha da casa de um amigo e encontra o pai na rua, voltando para casa, bêbado, este lhe alerta: "Só se comete o mesmo erro uma vez na vida". Aquele drama da infância iria tornar-se um elemento a mais no longo e surdo conflito entre pai e filho.

Anos depois, nosso protagonista, já um jovem, inicia sua carreira jornalística meio sem querer, via Estado de Minas. Na Belo Horizonte da época da Ditadura, o mergulho nas drogas e em mais experiências homossexuais, num submundo de hippies e loucos. Foi quando conheceu Benício, que trabalhava como frentista num posto de gasolina apenas para dar satisfação à mãe, e cuja renda vinha mesmo era dos programas que fazia pela noite, com homens endinheirados e de todas as idades.

Como esse vigoroso jovem Benício foi parar, anos depois, como casual assaltante de um ex-amigo? Como e por que ele "não sairá com vida" dessa estória? Sim, porque ele não sairá com vida, somos avisados logo na página 33. Quem ler As flores..., encontrará as respostas.

Quando o jovem jornalista recebe um convite para trabalhar no Jornal da Tarde, de São Paulo, não perde a oportunidade de se mudar para aquela metrópole em constante ebulição. Também lá, presencia repressão, experimenta drogas e mais "sexo proibido", vê a Jovem Guarda que embala jovens e adultos, entrevista Caetano Veloso, vê um show de Ney Matogrosso: "No palco, Ney era uma figura estranha, meio homem, meio mulher, rosto coberto por uma maquiagem que tornava impossível reconhecê-lo de cara limpa. Cantando, mostrava os dentes afiados de fera criada com carne crua. Dançando, era uma mistura de Nijinski e Rodolfo Valentino."

O narrador fará suas primeiras viagens internacionais, primeiro para Cuba, como correspondente de uma revista brasileira de moda, e depois para São Francisco, Califórnia, como aventureiro. Lá, foi testemunha da violência da AIDS, uma praga que diariamente arruinava punhados de vida, e participou de atividades comunitárias e espirituais levadas a cabo por integrantes do movimento zen, o que mudaria sua vida para sempre.

Algo que pode desapontar alguns leitores: umas boas dezenas de páginas lá pelo meio do livro são pura reportagem, com a descrição do Brasil dos anos de chumbo. Isso pode não agradar os mais puristas, que não gostam de blocos de ficção e de não-ficção unidos numa mesma obra. Mas a verdade é que com alguma sensibilidade se compreenderá que tais páginas não quebram, e sim adicionam ao ritmo que Marco Lacerda busca dar à narrativa, que prende a atenção, diverte e emociona muito. E quantos romances com tais características você leu nos últimos tempos?

* * *

Trecho do livro
"Me envolvi com Benício a ponto de me sentir extraviado num destino alheio. Confiava em sua figura maciça, na cara onde sobressaíam um olhar intenso, curioso, e uma barba indomável: mal ele acabava de raspar, tinha-se a impressão de ver uma nova camada de pêlos sombreando-lhe o rosto. Respeitava a autoridade de sua voz em noitadas em botequins de subúrbio, entre ladrões, traficantes, gigolôs, todos garotos como ele, que varavam a madrugada falando aos gritos e ao mesmo tempo, e amanheciam em volta das mesas, cegos pela bebedeira, dormindo com as cabeças penduradas para trás, entre copos pela metade e restos de comida. Sentia-me em casa ao redor desses garotos solitários e brutos, unidos entre si por um elo inconfessável de ternura, a quem as canções sertanejas umedeciam os olhos e davam uma saudade remota do único ser humano capaz de lhes inspirar algum respeito, a mãe. Aos primeiros raios de sol penduravam as mochilas nas costas e se despediam com gestos e frases próprios do grupo, hasta la vista, mano, e desapareciam nos becos fétidos daqueles bairros esquecidos, levando com eles a contradição de sua miséria bem vestida, e só voltavam a se encontrar nas páginas dos jornais, no noticiário policial, onde o cadáver de um deles, mais dia menos dia, aparecia perfurado de balas."

Para ir além






Daniel Lopes
Teresina, 11/7/2007

Mais Daniel Lopes
Mais Acessadas de Daniel Lopes em 2007
01. O romance espinhoso de Marco Lacerda - 11/7/2007
02. Umas e outras sobre Franz Kafka - 27/8/2007
03. Bataille, o escritor do exagero - 23/10/2007
04. Dando a Hawthorne seu real valor - 2/10/2007
05. A dimensão da morte - 2/8/2007


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
11/7/2007
11h06min
Gostei muito de sua resenha acerca do livro. Parece que o negócio é bom! Deu vontade de ler. Parabéns. Abraço. Adriana
[Leia outros Comentários de Adriana]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Defensores da Ditadura Militar Estão na Contramão da História
Jasson de Oliveira Andrade
Papyrus
(2016)



Ajuda-te pela Auto-Hipnose
Frank S. Caprio
Papelivros



Livro Auto Ajuda Não Me Iluda! Até onde são reais as promessas da autoajuda e da vida perfeitamente idealizada?
Gabriel Carneiro Costa
Integrare
(2017)



Talk About Good
Le Livre de La Cuisine de Lafayette
Steck-warlick
(1969)



Camões e os Lusíadas - Manuais de Estudo
Paulo Bacellar Monteiro / Beatriz Berrini
Pioneira
(1980)



O Assassino Do Zodíaco 584
Sam Wilson
Jangada
(2018)



Cura pelas mãos - Os amplificadores portáteis de energia
Jack F. Chandu
Hemus
(1983)



The Chronicles Of Narnia Volume Único
C. S. Lewis
Harper Collins
(2011)



Marketing Pessoal 100 Dicas para Valorizar a Sua Imagem
Sady Bordin Filho
Record
(2002)



Sexo, Afeto e era Tecnológica: um Estudo de Chats na Internet
Sérgio Dayrell Porto - Org.
Unb
(1999)





busca | avançada
122 mil/dia
2,0 milhões/mês