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Segunda-feira, 10/3/2008
Religião prêt-à-porter
Verônica Mambrini
+ de 7600 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Fui ao guarda-roupa escolher com que religião iria me vestir hoje: zen-budista não... na moda, mas muito exótico. Muçulmana também não, hoje eu acordei libertária, e além do que, tem happy hour e eu não vou deixar de tomar minhas biritas. Mudei de novo, para um look espírita, contemporâneo, urbano, décadence avec élégance, prêt-à-porter para qualquer lugar e ocasião. Mas também não estava rolando.

Um pretinho básico e agnóstico ajuda em qualquer hora (até porque o agnóstico é um candidato em potencial para a conversão), mas confesso que tem dia que eu morro de vontade de sair com uma roupa daquelas que não fica bem em qualquer um. Acho o judaísmo o máximo. Queria poder adotar os costumes sem precisar adotar a religião, mas cairia em um ridículo profundo. Oferecer chocolates e maçãs para desejar um ano doce no Rosh Hashaná, conhecer melhor a sabedoria da Cabala, ter tido um Bat Mitzvah ― como são animadas as festas dos judeus! ― e compartilhar de tantos detalhes, festas e pesares. Mas, a não ser que eu case com um judeu ou tenha uma profunda experiência pessoal que me leve a uma conversão, é um mundo do qual farei parte como espectadora, e olhe lá.

Hoje existe tanta liberdade para se escolher a religião, ou a ciência no lugar dela, que sufoca. Mas a religião é história; ela tem história e muitas vezes, se mistura à origem atávica dos povos. Antes de fundarem a filosofia e o teatro, os gregos inventaram o nascimento dos deuses ― com poesia, é claro. Na Teogonia, poema de Hesíodo, vários deuses, como Cronos, Caos, Eros, Zeus, Urano entram em conflito e geram filhos também divinos, que estabelecem seu reinado sobre o cosmos. Em cada ponto do globo, o surgimento dos povos se explica em uma mitologia própria. Como na glória e ira do deuses dos povos nórdicos, passando por fábulas tribais, até o mito hindu de criação do universo, em que as quatro cabeças de Brahma, os braços de Vishnu, o poder de destruição de Shiva e os muitos elementos simbólicos dizem respeito não apenas à uma idéia de criação, mas a uma cultura, às características naturais de uma região e a como aconteceu ali o processo civilizatório. Há até mil, mil e quinhentos anos, era impensável escolher a própria religião.

A religião tem freqüentemente um papel de demarcador de ritos de passagem e de funções sociais do indivíduo. Em certa medida, facilitava muito as coisas... ter um batizado, primeira comunhão, crisma e casamento deixavam bem claras as fases na vida da pessoa nascida em uma comunidade católica. É uma instituição ajudando você a saber que o tempo está passando e o que as pessoas passam a esperar de você. É um lembrete aos pais, vizinhos e amigos de que você está crescendo e ocupando seu lugar no mundo. Muita gente vive melhor sem essa simbologia, que acaba virando uma amarra e obrigação. Mas nem todo mundo se adapta a tanta liberdade; com a diluição cada vez maior do limite entre a infância, a adolescência, a vida adulta e a maturidade, a falta sinais claros de que a fase de vida está mudando deixa as gerações um pouco desnorteadas. Fases mais longes e menos distintas é uma característica do mundo contemporâneo ocidental, e se a responsabilidade por essa mudança não é da religião, seria ingênuo não reparar que ela teve um papel muito forte na atribuição de sentido às coisas da vida.

Tudo que diz respeito à religiosidade como forma de cultura pode ser apartado da fé. Os princípios de teologia, propriamente ditos, caminham em outra direção, e tendem a ser universais, o que desobriga os adeptos da religião de serem nascidos em determinado grupo histórico ou social. É o que torna conceitualmente possível a conversão. Muitas das religiões protestantes e neo-protestantes são fortemente sustentadas pelo pilar da conversão, o que explica o crescimento vertiginoso delas, seja nos grades centros urbanos ou em rincões do mundo cheios de dor e sofrimento. É de cortar meu coração ver missionários espalhados em lugares remotos (ou nem tão remotos assim) difundindo uma fé construída tão recentemente, com arcabouço bíblico, e passando como um rolo compressor por cima de outras culturas. Toma-se a herança cultural judaica-cristã, dentro de princípios que mal e mal cabem no guarda-chuva conceitual de evangélicos e essa fé engole outras manifestações religiosas (e às vezes costumes incompatíveis com essa forma de cristianismo). Choque de fé contra fé, mas com a nítida desvantagem de que, quem busca converter, irá procurar pessoas e comunidades fragilizadas, e usar a fragilidade como porta de entrada.

Religião é pura linguagem. Existe a experiência mística, que é intransferível. Se uma pessoa experimenta a transcendência (a iluminação, a comunhão com Deus, o amor etc.), ela pode contar aos outros, mas nada substitui a experiência individual. Mas a tentativa de comunicar, seja por apelos racionais, emocionais, filosóficos ou teológicos, é quase sempre um jogo de sedução. Religiões exploram campos lexicais; é quase impossível pensar no Deus monoteísta acima das cabeças cristãs, judias e muçulmanas sem pensar num Pai e Senhor; nem em seus fiéis como filhos, cordeiros, servos. Mas a relação de paternidade e servidão pouco serve às religiões orientais, como o Budismo e Taoísmo. Justamente nas filosofias orientais, a linguagem é mais poética, menos coercitiva, mais reflexiva.

O racionalismo e cientificismo da cultura ocidental hoje tomaram um espaço que as religiões nunca mais terão. O acesso à informação põe em xeque muitas concepções baseadas num conhecimento mais restrito do mundo; possivelmente o mundo para o qual as religiões foram construídas não exista mais, e o homem que era seu motor de propulsão também não. As religiões crescem em terrenos onde existe demanda emocional; onde existe uma necessidade, por exemplo, de um pai e senhor, onisciente e protetor. Claro que existem lugares em que a opção religiosa não é exatamente uma opção; nascer muçulmano no Oriente Médio não deve deixar muita alternativa à maioria das pessoas nascidas nesse contexto. Mas ainda assim, é uma questão muito mais social e histórica do que de fé. Num mundo em que a religião está tão ligada a história, à economia, e aos valores sociais, ainda há muito espaço para Deus. Já num mundo dessacralizado, Deus precisa se virar para ser entendido.

Sou de classe média, minha família não tem religião definida, moro em São Paulo e tenho uma certa cultura cosmopolita, muito mais voltada para o mundo do que para minhas raízes. Em outras palavras, nada em meu cotidiano está vinculado com a religião: nem meus horários, nem minhas refeições, nem meus modos, muito menos minhas roupas são definidos por alguma igreja ou denominação religiosa. Tampouco meus valores, que prefiro condicionar à ética a que à moral. Ainda assim, persistem duas coisas: a regra de ouro e a idéia de Deus, difícil de definir e dar forma. Ao falar de Deus, não consigo defini-lo, tanto quanto minha capacidade de expressão me define.

Mas a regra de ouro das religiões é simples e pacificadora, fundamentada na tolerância. No cristianismo, surge de forma afirmativa: "Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles" (Mateus, 7:14). Confúcio diz a mesma coisa, ao afirmar que "O que vós não quereis que vos façam, não o façais aos outros" (Anacletos, 15:23), assim como o a recomendação pode ser encontrada em O Buda, nas palavras de Maomé, no Mahabharata hindu. Se seguido acima de qualquer interesse, esse princípio é capaz de pôr fim às sanções às mulheres, garantir a liberdade de culto à cada seita, limitar o estrago causado pelo abuso de poder de muitos religiosos. Com ou sem Deus na perspectiva, a regra de ouro é compreensível e praticável.


Verônica Mambrini
São Paulo, 10/3/2008

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
11/3/2008
09h45min
Verônica, um dos melhores textos da série. Didático, pontual, leve e vazio de conflitos. Um convite a reflexão com o vigor das constatações. Particularmente, apreciei o uso das referencias históricas e culturais como contraponto. Um texto leve e com um final confessional/quase laico. Adorei.
[Leia outros Comentários de Carlos E. F. Oliveir]
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