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COLUNAS

Segunda-feira, 5/5/2008
Quando o cotidiano vira espetáculo
Pilar Fazito
+ de 4600 Acessos

ou "da novela e do circo de horrores"

Nem da Globo, nem da Record. A novela que tem atingido os mais altos pontos no Ibope, desde o início do mês passado, é da vida real: o caso Isabella. À moda dos anos 80, em que todos faziam apostas tentando desvendar "Quem matou Odete Roitman?", assistimos agora ao repeteco "Quem matou Isabella Nardoni (e como)?".

Isabella virou novela. Mais do que uma rima, isso é uma triste constatação. Em termos narrativos, o enredo da morte da menina é mais bem construído do que qualquer novela, folhetim, filme policial ou reality show que conste na programação dos canais de TV. Se não bastasse todo o suspense, o caso ainda conta com publicidade gratuita dos telejornais e uma providencial e impensada estratégia de marketing: poucos dias depois de Isabella morrer, sua mãe fez aniversário. Em seguida, seria o aniversário da própria vítima. E agora, o dia das mães! Um bombardeamento ininterrupto de datas que nos impede de esquecer a dor da mãe, a crueldade dos fatos e a alegria de uma criança que sequer conhecemos.

Não há como fugir disso. O assunto corre feito faísca em pavio de pólvora e já saiu da mídia e da internet para as rodas de bar. Todos comentam o caso, desde o promotor da vara da infância e juventude até o pipoqueiro da esquina. A gente senta para almoçar e o restaurante todo faz silêncio para ouvir uma hora de telejornal dedicado à menina que foi defenestrada em São Paulo. Uma morbidez sem igual? Nem tanto.

Pouco antes de Isabella virar manchete, a sociedade ficou escandalizada com a empresária que mantinha uma adolescente de 12 anos em cárcere privado com a conivência de toda a família. Mas o assunto esfriou assim que surgiu o caso Isabella.

Tempos depois, a notícia do austríaco que manteve a filha em cativeiro por 24 anos e teve seis filhos com ela, sob os olhos da esposa, surgiu como a mais nova notícia bizarra, atraindo o enxame de curiosos, justiceiros e revoltados solidários. Mas como o cenário dessa história não foi o Brasil, Isabella ainda terá que esperar o próximo espetáculo mórbido nacional para poder descansar em paz.

O circo da miséria humana funciona do mesmo modo como os términos de relacionamento: é preciso engatar um novo caso para se esquecer, de uma vez por todas, do anterior.

O caso de Isabella é triste. Assim como o de milhares de crianças que morrem diariamente seja por violência, fome ou negligência daqueles que deveriam zelar por elas. Mais triste ainda é ver o circo de horrores montado em torno disso tudo, transformando uma morte trágica num carnaval de luzes e cores.

Pessoas acampadas em frente à casa dos pais dos acusados ou diante da delegacia, com pedras nas mãos, cartazes, gritos e vaias; comerciantes que se aproveitam desse conglomerado medonho de linchadores de plantão e anunciam picolés, salgadinhos e churrasquinho de gato... Da Idade Média ― ou melhor, da idade da pedra ― aos dias de hoje, não mudamos nada. Há sempre os desocupados que se dedicam a cuidar da vida dos outros, como escape dos próprios problemas. O mundo pode dar quantas voltas quiser, a natureza humana é imutável.

Questionar o papel da mídia nessas horas me dá uma "preguiça monstra". Talvez por parecer óbvio demais que o Quarto Poder camufla o poder que tem de formar e, sobretudo, propagar opiniões. Do mesmo modo, não tenho boa vontade em ler textos ou dar corda às discussões sobre a perfídia dos meios de comunicação. É um qüiproquó todo em cima da culpa da mídia, como se o público não tivesse vontade própria e fosse incapaz de se levantar da poltrona e mudar de canal. Mídia má e público autômato, geralmente é assim que essas questões complexas são resumidas.

Seja a mídia ou o cidadão comum que se compadece da dor da mãe de Isabella, parece que é preciso um baque cada vez maior, mais ensurdecedor, uma situação bizarra ao extremo para chamar a atenção das pessoas e fazê-las se colocar no lugar dos outros. A sutileza tem perdido espaço em meio a tanto barulho. É drama demais. Tudo muito exagerado, contribuindo para a espetacularização de fatos banais e banalização de fatos relevantes.

O diretor Jean-Pierre Jeunet ainda recebe cartas e e-mails de pessoas do mundo todo que lhe agradecem pela filmagem d'O fabuloso destino de Amélie Poulain. Um filme que não tinha grandes pretensões e acabou sendo um sucesso de público, atraindo mais de 17 milhões de espectadores no globo. O que Amélie não tem a ver com Isabella?

A despeito da sutileza da personagem de Audrey Tautou, que faz com que as pessoas parem um instante e percebam a beleza das pequenas coisas do dia-a-dia, o filme de Jean-Pierre Jeunet é uma mensagem que desperta o otimismo. A gente sai do cinema mais leve, achando que o ser-humano pode ser bom.

O caso Isabella, o sensacionalismo que sobrevoa os cadernos policiais da imprensa do país e o circo armado por desocupados linchadores vorazes faz o contrário. A gente desliga o telejornal com aquele gosto amargo na boca de que "a humanidade é o câncer do planeta", como já disse o grande cartunista argentino Quino. O jornal impresso estraga o domingo e as conversas nos bares fazem a gente ter receio até dos amigos. Ninguém põe a mão no fogo pelo outro e é melhor puxar o tapete alheio antes que puxem o nosso.

Um pessimista poderia dizer que Amélie é ficção e, portanto, a bondade humana também o seria. Sou obrigada a discordar. A ficção se utiliza do material presente na realidade. Bondade e maldade fazem parte da natureza humana e estão presentes ao mesmo tempo em todas as pessoas. E ainda que Amélie seja ficção, foi capaz de despertar sentimentos bem reais em seu público.

Os programas de TV sempre omitem a duplicidade dos sentimentos individuais ― mesmo que tragam o contrário no título, como é o caso da novela Duas Caras. Na TV, o vilão é sempre vilão, o ladrão é sempre ladrão, a mocinha é sempre mocinha e por aí vai, seja nas novelas ou nos telejornais.

No cinema, é diferente. Quem escreve para cinema sabe que é preciso construir uma curva dramática para cada personagem. Se o personagem termina a história do mesmo modo como a começou, não há razão para ele existir e muito menos para se gastar milhões com um filme. No cinema, há espaço para que um mocinho se transforme em um vilão capaz de comover a platéia com suas fraquezas. É isso o que o torna humano. O cinema é uma fábrica de sonhos que se aproxima mais da realidade do que o simulacro platônico televisivo, em que personalidades são manipuladas como títeres numa caixa fechada, perfeita e ilusória, exemplo máximo da atualidade do mito da caverna.

O cinema ensina que é necessário haver conflitos internos para que os personagens se tornem humanos. Uma verdade que parece óbvia, mas da qual nos esquecemos toda vez que nos antecipamos em julgar aqueles que aparecem na TV.

Quanto aos acusados da novela Isabella, culpados ou não, cabe à Justiça se encarregar de seu futuro. E cabe à população retomar seus afazeres, cuidar da própria vida e tentar propagar ações realmente altruístas. Talvez assim consigamos reverter essa onda de sentimentos nefastos em contagiante otimismo e esperança, à moda dos reais sentimentos despertos pela ficção de Amélie Poulain.


Pilar Fazito
Belo Horizonte, 5/5/2008

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