Casa de espelhos | Daniela Sandler | Digestivo Cultural

busca | avançada
61129 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Simões de Assis | Individual de Carlos Cruz-Diez
>>> Jazz Festival: Primeira edição de evento da Bourbon Hospitalidade promete encantar com grandes nomes
>>> Coletivo Mani Carimbó é convidado do projeto Terreiros Nômades em escola da zona sul
>>> CCSP recebe Filó Machado e o concerto de pré-lançamento do álbum A Música Negra
>>> Premiado espetáculo ‘Flores Astrais’ pela primeira vez em Petrópolis no Teatro Imperial para homenag
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
Colunistas
Últimos Posts
>>> A melhor análise da Nucoin (2024)
>>> Dario Amodei da Anthropic no In Good Company
>>> A história do PyTorch
>>> Leif Ove Andsnes na casa de Mozart em Viena
>>> O passado e o futuro da inteligência artificial
>>> Marcio Appel no Stock Pickers (2024)
>>> Jensen Huang aos formandos do Caltech
>>> Jensen Huang, da Nvidia, na Computex
>>> André Barcinski no YouTube
>>> Inteligência Artificial Física
Últimos Posts
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Nosso Lar
>>> Bárbara Heliodora
>>> Uma leitura jornalística
>>> Prática de atelier: cores personalizadas *VÍDEO*
>>> Cheiro de papel podre
>>> O Nome Dele
>>> Um Leitor sobre Daniel Piza
>>> Um Furto
>>> Homenagem a Pilar del Río
>>> O Debate...
Mais Recentes
>>> Mulher Enjaulada de Jussi Adler-olsen pela Record2 (2014)
>>> As Melhores Receitas da Cozinha Portuguesa - Os segredos da cozinha das nossas avós de Vários Autores pela Globo
>>> As Melhores Receitas da Cozinha do Nordeste - Os segredos da cozinha das nossas avós de Vários Autores pela Globo
>>> As Melhores Receitas da Cozinha Baiana - Os segredos da cozinha das nossas avós de Vários Autores pela Globo
>>> Quem vai Salvar a Vida? de Ruth Rocha pela Salamandra (2015)
>>> Livro Cáuculo - volume 2 de Maurice D. Weir pela Pearson (2024)
>>> O Código da Vinci - Roteiro Ilustrado de Akiva Goldsman pela Sextante (2006)
>>> Delícias da Kashi - Gastronomia Vegana Gourmet de Kashi Dhyani pela Mauad X (2016)
>>> Livro Microbiologia Para As Ciências Da Saúde de Paul G. Engelkirk pela Guanabara Koogan (2005)
>>> Livro Comunicação E Comportamento Organizacional PLT 111 de Geraldo R. Caravantes pela Fisicalbook (2014)
>>> Livro Finanças Corporativas: Conceitos E Aplicações de Jose Antonio Stark Ferreira pela Pearson (2005)
>>> Livro Introdução a Genética PLT 248 de Anthony J F Griffiths ; RiCHARD C. Lewontin pela Guanabara (2008)
>>> Teoria Geral Da Administração. Da Revolução Urbana À Revolução Digital de Antonio Cesar Amaru Maximiano pela Atlas Br (2011)
>>> LivroTeoria Geral Da Administração: Da Revolução Urbana À Revolução Digital de Antonio Cesar Amaru Maximiano pela Atlas (2008)
>>> O Porco de William Hope Hodgson pela Diário Macabro (2024)
>>> Arvore Do Beto de Ruth Rocha pela Salamandra (2010)
>>> A Casa No Limiar e Outras Histórias Macabras de William Hope Hodgson pela Diário Macabro (2024)
>>> Ponto De Vista de Sonia Bergams Salerno Forjaz pela Moderna (2014)
>>> A Grande Campea de Maria Cristina Furtado pela Do Brasil (2015)
>>> Amigos De Verdade de Telma Guimarães Castro Andrade pela Brasil Literatura (2010)
>>> Bleach 57 - Out of Bloom de Tite Kubo pela Panini Comics (2014)
>>> O Fantástico Mistério De Feiurinha de Pedro Bandeira pela Moderna (2009)
>>> Cantigas Por Um Passarinho A Toa de Manoel de Barros pela Companhia Das Letrinhas (2018)
>>> Bleach 56 - March of the Stacross de Tite Kubo pela Panini Comics (2013)
>>> A Historia Do Natal. O Livro Animado Que Conta Como O Menino Jesus Nasceu de Justine Swain-smith pela Publifolha (2008)
COLUNAS

Quarta-feira, 7/11/2001
Casa de espelhos
Daniela Sandler
+ de 7000 Acessos

Daniela Mountian

Está em cartaz aqui nos Estados Unidos o mais novo exemplar de filmes labirínticos: Mulholland Drive, dirigido pelo não menos tortuoso David Lynch. Mulholland Drive supera o quebra-cabeças de Memento – um tour de force cronológico, sem dúvida, mas perfeitamente lógico em termos narrativos quando as peças são postas em ordem. Mulholland Drive tem muito mais peças, e mais diversas, que Memento; e, quando todas se encaixam, a imagem é múltipla, fragmentada. Isso não quer dizer que o filme não faz sentido. Faz, e muito: mas o significado não é nada do que se espera, e em vez de estabilizar a trama com uma explicação lógica, reverte a sensação de estranheza para o espectador.

Estranheza, aliás, não soa estranha no caso de Lynch. Quem viu Twin Peaks nos anos 80 deve se lembrar do universo paralelo ao prosaico mundo colegial de Laura Palmer: um universo feito de salões misteriosos, cercados por cortinas pesadas como as de um teatro, habitado por um anão sinistro cuja fala saía ao contrário, revertida. O desenrolar de minúcias excêntricas ou disparatadas acabava por jogar uma sombra de dúvida sobre a aparente normalidade da cidadezinha classe-média: sob essa luz, até mesmo a inocente obsessão por donuts do detetive ganhava contornos surreais, na forma das impressionantes mesas em que se empilhavam dezenas de rosquinhas.

Eraserhead, Veludo Azul, Coração Selvagem: uma profusão de gente estranha, situações improváveis, tramas convolutas. The Straight Story, nesse sentido, talvez seja menos o “filme atípico” de Lynch (como querem muitos, em especial os decepcionados), e mais um comentário sobre a própria obra, o filme linear – a história “reta” – no meio do labirinto. Ou seja, mais uma quebrada de caminho...

Mulholland Drive parece descender mais diretamente de A Estrada Perdida, na trama complexa, fragmentada; nas situações claustrofóbicas; nas fusões – de sonho e realidade, de um personagem no outro; na sensação de que o pesadelo, afinal, é real e inescapável. Mulholland Drive começa mesmo com uma estrada, um carro que passa pela via sinuosa à noite: esse carro, essa cena, serão a chave para “entender” o filme, o momento em que as partes desconectadas se encaixam. Desta vez, a estrada tem nome: Mulholland Drive, Los Angeles.

Clássicos de Hollywood

Entre os protagonistas, Adam, diretor de cinema; Betty, aspirante a atriz, recém-chegada do Canadá; e Rita, mulher misteriosa, com amnésia, que adota o nome provisório ao ver um poster de Gilda, o clássico protagonizado por Rita Hayworth. A dupla de mulheres faz referência a estereótipos de Hollywood, perpetuados em fórmulas dramáticas em que se opõem a morena, mulher fatal, sexy, perigosa; e a loura, de beleza angelical, ingênua, heróica. Betty é a loura inocente, radiante, sorridente, que se vê enredada na confusão de Rita, aparentemente em perigo, perdida e sem memória após um acidente de carro.

Lynch, porém, distorce a fórmula: não se trata simplesmente de conflito/competição feminina. Em primeiro lugar, Betty alia-se a Rita, por quem se deixa fascinar e com quem se envolve – amorosamente, inclusive. Em segundo lugar, o personagem masculino, que em geral teria precedência na história, liderando a ação e decidindo o final, neste filme funciona como suporte, provendo os motivos para as ações das personagens e movendo-se passivamente entre decisões alheias que lhe são impostas (por exemplo, sobre a atriz principal de seu filme).

A heroína e a vilã fundem-se na aliança de Betty e Rita. Como centro dramático do filme, funcionam não como personagens/identidades distintas, mas como identidade cindida, duas metades. A cisão é multiplicada como numa casa de espelhos, quando no desenrolar do filme Lynch recorre às fusões de personagens, um se transformando no outro, nomes trocados, identidades projetadas, máscaras. Tudo isso se sucede numa trama que parece cada vez mais absurda: personagens inesperados surgem de repente, cenas sem pé nem cabeça, passagens oníricas.

A atmosfera é criada em cenários que representam com fidelidade espantosa os arquétipos ambientais de Los Angeles: escritórios poeirentos no centro da cidade, como aqueles dos detetives de filme noir; teatros decadentes sob neon piscante; mansões antigas com pátios internos invadidos por plantas, subdivididas em apartamentos de aluguel; sets de filmagem; e a moderna casa de vidro e concreto do diretor, completa com piscina e vista panorâmica da cidade. Claro, as tomadas obrigatórias: a cidade vista de cima, à noite, com a trama quadriculada das luzes se estendendo sem fim; e o morro verde que ostenta, em letras brancas, o nome de Hollywood. Personagens completam o clima: atrizes, agentes, diretores; produtores misteriosos, com um quê de máfia; o submundo de drogados, detetives e assassinos de aluguel.

Surpresa?

Quando a trama parece ter perdido toda a possibilidade de fazer sentido, o toque de mágica: um momento crucial em que as fusões e inversões convergem, iluminando todo o filme, dando sentido ao que se viu até então e provendo o encadeamento para o resto das cenas, o lastro necessário ao entendimento da “história”. Sei que minha linguagem, aqui, está tão nebulosa quanto seu objeto; no entanto, se eu contar mais, estragarei a surpresa do filme, e, mais que a surpresa, a maravilha que é esse momento de “revelação”. O leitor (ou leitora) terá de se contentar com essa descrição, e voltar talvez a esta coluna quando o filme chegar ao Brasil.

É suficiente dizer aqui que Lynch fez um filme muito humano e verdadeiro, apesar de todas as esquisitices. Mulholland Drive é um filme sobre o cinema – mais um!; sobre Los Angeles – mais um! –, e, talvez por isso mesmo, sobre nós também. Nós, espectadores. As leituras possíveis são muitas: o filme encarna a cidade, fragmentado, violento, poliglota. O filme espelha o cinema: a alternância de personagens, figurino e cenários imprime holografias sobre o ator, tela longínqua, perdida. Por contigüidade, todos os demais, agentes, diretores, membros da equipe, acabam arrastados nessa sucessão de fantasmas, identidades desencarnadas, representações: falas decoradas, personagens criados, artifício.

Surpreendo-me quando as pessoas se surpreendem que, nos filmes de Lynch, os personagens “se transformam em outros”. Não é surpresa. O cinema, com a superposição de personagens, gente, histórias, torna tudo intercambiável, e obviamente até mesmo a pessoa física dos atores, em suas personas públicas (o termo não existe à toa), é parte do câmbio. Uma multidão de quimeras, não menos falsas ou doloridas por esse motivo: como em filmes, e como nos sonhos; como na realidade onírica de Mulholland Drive. Mas o cinema não é apenas o “mundo artístico”, atores, produtores, etc. É também e talvez principalmente o lado de cá, espectadores, nós que consumimos a fantasia com avidez – desde a fruição do filme, nossa imersão no mundo fantástico, até os desdobramentos comerciais, fã-clubes, revistas de fofocas, propagandas. Somos cúmplices (uso a palavra consciente de suas implicações criminais), enredados inevitavelmente, igualmente perdidos no labirinto.

Que não se pense, no entanto, que sugiro aqui uma conspiração, ou uma escravização em massa do público preso à “indústria do cinema”. Seria simplista entender o processo como unilateral, ou como o caso pensado, premeditado, de um bando de manipuladores lá em cima. O cinema, assim como outras manifestações artísticas e/ou culturais, é produto histórico, engendrado coletivamente ao longo do tempo, enraizado em práticas concretas e em anseios psíquicos, sociais, afetivos. O cinema também diz algo sobre nós – historicamente, socialmente, psiquicamente.

Por certo, há muito de Lynch na mente de seus protagonistas. Elementos de outros filmes reaparecem: o anão de Twin Peaks, devidamente instalado no salão misterioso de cortinas vermelhas. Algumas das passagens mais esquisitas de Eraserhead (um dos filmes mais esquisitos que já vi) também voltam, refinadas, menos estranhas: o teatro em que cantoras se apresentam com exagerada dramaticidade; os números intencionalmente artificiais de canções dos anos 50, com perucas e roupas exageradas; até mesmo as mini-pessoinhas. Para quem acha Lynch labiríntico demais hoje em dia, é bom dizer que ele já foi muito mais. Todos esses elementos (teatro, números musicais e mini-pessoinhas), espalhados ao longo de Mulholland Drive, estavam concentrados em Eraserhead, como um mini-mundo que existia dentro de um aquecedor de ambiente no quarto do protagonista – isso mesmo, dentro do aquecedor.

Em relação a Eraserhead e a outros filmes crípticos de Lynch, Mulholland Drive é de uma claridade brilhante na maneira como representa os estados afetivos e os processos mentais dos protagonistas. Ansiedades, medo, identificação projetiva, negação da própria culpa, arrependimento, ódio, amor: tudo isso é traduzido esteticamente (em cenas, imagens e diálogos) de forma sensível, complexa e impressionante – nada dos estereótipos superficiais e forçados com que autores menos sutis costumam indicar “sonhos”. É como se Lynch tivesse entrado, com sua câmera, na cabeça dos personagens (ou na sua própria?); um raio X do inconsciente. Ou, melhor dizendo, um travelling... e eu recomendo a viagem.



Daniela Sandler
Rochester, 7/11/2001

Mais Daniela Sandler
Mais Acessadas de Daniela Sandler em 2001
01. O primeiro Show do Milhão a gente nunca esquece - 8/8/2001
02. Quiche e Thanksgiving - 21/11/2001
03. A língua da comida - 29/5/2001
04. Notícias do fim-do-mundo - 24/10/2001
05. Mas isso é arte??? - 29/8/2001


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Infanto Juvenis Urso Alfredo e o Mistério na Neve
Pedro Menezes, Lucio Goldfarb
Polen Editorial
(2017)



Oferenda
Divaldo Franco
Leal
(2000)



O Trabalho no Supermercado - Setores, Funções e Carreira Profissional
Luiz Ratto, Ana Claudia Landi
Senac Nacional
(2012)



Literatura Comentada - Murilo Rubião
Jorge Schwartz
Abril
(1982)



O Poder do Silêncio + Um Novo Mundo - O Despertar De Uma Nova Consciência
Eckhart Toolle
Sextante
(2007)



The Curse of the Mummy One Dominoes
Joyce Hannan
Oxford University Press
(2020)



Sequências e Séries
Luís Lopes
Edc
(1992)



Chamas Na Escuridão
Sadie Matthews
Companhia Editorial Nacional
(2013)



Diários da Presidência Vol. 2- 1997-1998
Fernando Henrique Cardoso
Companhia das Letras
(2016)



Livro Infanto Juvenis Terremota Coleção Fora de Cena
Marcelo Romagnoli
Companhia das Letrinhas
(2016)





busca | avançada
61129 visitas/dia
2,1 milhões/mês