A Criação em tempos de Crise | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
>>> Estônia: programa de visto de startup facilita expansão de negócios na Europa
>>> Água de Vintém no Sesc 24 de Maio
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O bom crioulo
>>> Canarinho velho e pessimista
>>> Precisamos falar sobre Kevin
>>> Guia para escrever bem ou Manual de milagres
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> A lei da palmada: entre tapas e beijos
>>> A lei da palmada: entre tapas e beijos
>>> A importância do nome das coisas
>>> Latrina real - Cidade de Deus
>>> Notas de Protesto
Mais Recentes
>>> Felpo Filva de Eva Furnari pela Moderna (2001)
>>> Crepúsculo dos Deuses de Robson Pinheiro pela Casa dos Espíritos (2010)
>>> Diagnostico Bucal de Silvio Boraks pela Artes Medicas (1996)
>>> A Construção Social Da Realidade de Peter L. Berger - Thomas Luckmann pela Vozes (1996)
>>> Playboy Edição Colecionador- 1975 -2003 - A História da Revista Em 337 Capas de Revista Playboy pela Abril (2003)
>>> Revista Sexy - Mari Alexandre - Outubro 1994 de Revista Sexy pela Abril (1994)
>>> Radiologia Odontológica de Aguinaldo de Freitas - José Edu Rosa - Icléo Faria pela Artes Medicas (1994)
>>> Dentística - Procedimentos Preventivos E Restauradores de Baratieri Cols pela Quintessence Books - Santos (1996)
>>> Histologia Básica de Junqueira e Carneiro pela Guanabara Koogan (1995)
>>> O Livro da Psicologia de Clara M. Hermeto e Ana Luisa Martins pela Globo (2012)
>>> Mulheres Públicas de Michelle Perrot pela Unesp (1998)
>>> Alma de Luz - Obras de Arte para a Alma de Joma Sipe pela Pensamento (2014)
>>> Além do Divã - Um Psicanalista Conversa Sobre o Cotidiano de Antonio Luiz Serpa Pessanha pela Casa do Psicólogo (2004)
>>> Brasil: Uma Biografia de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling pela Companhia das Letras (2015)
>>> Lavoura Arcaica de Raduan Nassar pela Companhia das Letras (1997)
>>> O Diário de Anne Frank (Capa Dura) de Anne Frank pela Record (2015)
>>> Mapas Estratégicos de Robert S. Kaplan e David P. Norton pela Campus / Elsevier (2004)
>>> Perdoar Amar Agradecer de Carmen Mendes pela Luz da Serra (2022)
>>> O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues de Ruy Castro pela Companhia das Letras (2013)
>>> Livro Pena de morte - Coleção Lazuli de Maurice Blanchot pela Imago (1991)
>>> Livro A Colônia das Habilidades de Liriane S. A. Camargo pela Rima (2015)
>>> Memórias de Vida, Memórias de Guerra de Fernando Frochtengarten pela Perspectiva (2005)
>>> Os Segredos da Maçonaria de Robert Lomas pela Madras (2015)
>>> Livro Como Elaborar Projetos De Pesquisa de António Carlos Gil pela Atlas (1993)
>>> Incríveis Passatempos Matemáticos de Ian Stewart pela Zahar (2010)
COLUNAS >>> Especial Crise

Quinta-feira, 19/2/2009
A Criação em tempos de Crise
Marcelo Spalding
+ de 4800 Acessos
+ 3 Comentário(s)

Muito já se escreveu e foi dito, se escreverá e se dirá sobre a Crise Econômica Mundial, que parece realmente digna do banalizado termo. Queda nas bolsas, inadimplência, demissões, retração. Obama, de certa forma, já é um produto da crise, tanto sua eleição quanto a enorme expectativa gerada em torno dele. Assim como o desprestígio do antes queridinho Sarkozy na Europa, a confusão das eleições israelenses, a aceleração do nosso PAC. Até a demissão do Felipão pelo Chelsea tem alguma coisa a ver com a crise... Mas permitam-me esquecer, neste fórum de debates culturais, dos números, das bolsas que caem ou sobem, dos empregos perdidos e das empresas que se aproveitam da onda para demitir, enxugar. Quero me concentrar no processo criativo, na criação em tempos de crise.

Quantos contos não nasceram de uma perda?
Quantas músicas não surgiram de uma traição?
Quantos tratados não foram escritos por raiva, vingança?

Henry David Thoreau, o fundador do anarquismo, teria escrito A desobediência civil depois de ser preso por sonegação de impostos. Machado de Assis, o gênio brasileiro, escreveu seu melhor conto, O Alienista, e seu melhor romance, Memórias Póstumas de Brás Cubas, num período de grave debilidade física. Vinicius de Moraes, o poeta do "eterno enquanto dure", casou e descasou diversas vezes para viver (ou para compor?) algumas das mais belas canções da nossa música. E se assim o é com os gênios, que dirá conosco, os mortais.

Caio Fernando Abreu já dizia que escrever é vomitar, vomitar aquilo que há de mais oculto em nosso interior, vomitar fantasmas, medos, iras. Clarice Lispector, em sua derradeira e emocionante entrevista, conta que quando não está escrevendo, está morta, vazia. Porque o ato da criação é, em geral, muito particular, muito inspiração, sentimento, ainda que cada vez mais se exija técnica mesmo dos não-gênios, como nós. Um bom texto, uma boa música, não é apenas uma construção tecnicamente perfeita, é também aquela pitada da nossa existência que compartilhamos, que deixamos naquela história, naquele poema, naquela canção. É a dor que o poeta sente, ou não sente, como diria Pessoa, que dá alma à criação, que a diferencia de uma tese de doutorado, de um processo criminal, de uma notícia de jornal. Criar é se expor, é transbordar-se, e nada melhor que um momento de crise para criar.

Porque a crise, para os jornais, é a bolsa que cai, a economia que enfraquece, o preço do filé que diminui pela menor procura, o preço do petróleo que cai porque menos gente poderá comprar carro, os milhares de empregos perdidos e a frase mal dita pelo presidente. Mas no dia a dia a crise é uma criança começando o ano letivo em escola pública porque faltou dinheiro para a particular, a esposa em vias de pedir o divórcio para o marido que agora passa as tardes em casa, a vovó que fez um empréstimo consignado para ajudar o filho na prestação do carro e agora não sabe como pagar o remédio que subiu de novo. Crise gera dor. E inegavelmente a dor é uma das mais frutíferas musas inspiradoras.

Evidentemente não se está aqui propondo que uma pessoa com dificuldades econômicas, porque a crise tão anunciada é eminentemente econômica, torne-se menos feliz. Nada disso. As realidades individuais são múltiplas e cada qual terá uma reação às dificuldades, muitos inclusive encontrando oportunidades em meio a crise que os deixarão ricos (e à mercê da próxima crise), outros cientes de que crise é momento de aprendizado. Mas não podemos negar que o planeta como um todo, se fosse o planeta um ser, estaria agora mais triste, abatido, cansado, deprimido. Assim como a criança, a esposa ou a senhora questionam dificuldades que veem diante de si, nosso planeta agora questiona suas escolhas, seus líderes, seus valores.

Se serve de consolo, assim como é no momento de crise que o artista faz sua melhor obra, é em períodos de crise que a sociedade produz suas melhores narrativas. Os doutos tentam provar isso nos fazendo lembrar que o melhor romance do século XIX é o francês (país que enfrentara constantes revoluções), ou o russo (país com graves dificuldades econômicas e sociais), e do século XX, o latino-americano (continente em busca de identidade e alguma autonomia). Sem essa pretensão universalista, vou buscar meus exemplos aqui na estante, e três belos romances caem nas minhas mãos como testemunhos de momentos de crise, crise social canalizada pelas mãos do artista.

O Vermelho e o Negro, de Stendhal, escrito em 1830, representa na ambição e nos amores de Julien Sorel toda a tensão de uma sociedade dividida, desigual e tensa, que custara tantas coroas e cabeças, mandatos e vidas no coração da Europa. Sob este pano de fundo político-social, entretanto, Stendhal constrói uma das narrativas mais interessantes do romance realista, abrindo caminho, de certa forma, para o grande Baudellaire (inevitável lembrar, aqui, do poema em prosa "Os olhos dos pobres") e para a obra-prima que Flaubert lançaria dezoito anos mais tarde, Madame Bovary.

Saga, de Erico Verissimo, é um romance publicado em 1940, abertamente marcado pela Guerra Civil Espanhola e que de certa forma antecipa a tragédia que seria a Segunda Grande Guerra. Mesclando cenas de guerra com cenas do cotidiano porto-alegrense, Erico abre caminho para o que seria o mais antológico romance do Rio Grande do Sul, O Tempo e o Vento, uma reconstituição histórica que também serve de reflexão sobre os acontecimentos políticos e sociais do século XX.

Mais recente e de uma sensibilidade única, Extremamente alto & Incrivelmente perto, do nova-iorquino Jonathan Safran Foer, é outro romance que de uma tragédia social, de uma verdadeira crise sem precedentes, tira uma história particular e universal. No livro, o menino Oskar perde o pai tragicamente, no atentatado de 11 de Setembro, e acha no bolso de um casaco do pai uma chave, iniciando uma busca monumental pela fechadura que aquela chave abriria. Mais do que a busca pela fechadura, aos poucos percebemos que a busca de Oskar é por novo sentido na vida, num tempo de perdas e violências. Não apenas para Oskar.

Por estas e por outras é que eu talvez prefira ler sobre a crise na literatura, no cinema, na música, e não necessariamente nos jornais. O mundo não vai acabar, as bolsas, as cidades e os países não vão quebrar, as empresas talvez fechem, mas outras vão abrir e a roda vai continuar girando. Mas com a dor, ah, com a dor não se conseguirá mesmo acabar. Haja a riqueza que houver. E é para amenizar a dor, seja ela fruto de uma crise mundial ou particular, que a arte continuará existindo.


Marcelo Spalding
Porto Alegre, 19/2/2009

Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2009
01. Quanto custa rechear seu Currículo Lattes - 5/3/2009
02. O melhor da década na literatura brasileira: prosa - 31/12/2009
03. Literatura para quê? - 17/12/2009
04. Literatura e interatividade: os ciberpoemas - 10/9/2009
05. Era uma vez o conto de fadas - 2/4/2009


Mais Especial Crise
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
19/2/2009
23h39min
Como notavelmente já afirmara Walter Benjamin (em 1933!), a humanidade, de uma forma bárbara, abandonou as peças do patrimônio cultural pela moeda míúda do "atual". Quiçá, Marcelo, diante da crise econômica, a humanidade se prepara para sobreviver à cultura. Abraços do Sílvio. Campinas, é verão de 2009.
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
20/2/2009
08h27min
É preciso esquecer a crise e criar, sem tempo pra interomper o processo de criação.
[Leia outros Comentários de manoel messias perei]
5/3/2009
20h50min
Acho que é por aí, sim, que muita coisa legal acontece... sou um pouco mais velha do que você, convivi - sendo mais jovem e menos engajada - com as energias de criação de incríveis artistas nos longos anos de ditadura no Brasil e aprendi muito. "Pasquim", Henfil, Millôr, letras e melodias, textos e espetáculos teatrais, Ferreira Gullar, uma overdose: contribuição inestimável, amigo ;-)
[Leia outros Comentários de Gisele Lemper]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Era do X-man 1 - Maravilhosos X-men
Thompson; Nadler
Panini Comics
(2020)



Roteiro de estudos das obras de André Luiz
Eurípedes Kuhl
Boa Nova



Mortes Prematuras e a Vida das Crianças no Mundo Espiritual
Renato Maluf
Dpl
(2001)



Anais - Vol. 25
Da Editora
W. M. Jackson



Construindo o Desenvolvimento Local Sustentável
Sergio C. Buarque
Garamond
(2002)



Registro Desire uma Decada 2002-2012 de Emprego Clinico dos Stents
J Eduardo M R Souza
Atheneu
(2012)



Gestão do Conhecimento na Era Quântica
Luciano Frontino de Medeiros
Visual Books
(2010)



Livro Literatura Brasileira Os Componentes da Banda
Adelia Prado
Rocco
(1988)



Fim de Festa
Renata Wolff
Terceiro Selo
(2015)



Só se conhece a paz quando se conhece a Deus 319
Alexandre Silveira
Palavra & Prece
(2010)





busca | avançada
63387 visitas/dia
2,0 milhão/mês