Felicidade | Daniel Bushatsky | Digestivo Cultural

busca | avançada
76843 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Teatro do Incêndio mergulha no mito para ritualizar a dor em nova montagem
>>> SESI São José dos Campos apresenta exposição de Dani Sandrini com temática indígena
>>> Livro 'Autismo: Novo Guia' promete transformar a visão sobre o TEA
>>> Dose Dupla: Malize e Dora Sanches nos 90 anos do Teatro Rival Petrobras nesta quinta (3/10)
>>> Com disco de poesia, Mel Duarte realiza espetáculo na Vila Itororó neste sábado
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
Colunistas
Últimos Posts
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
>>> Waack sobre a cadeirada
>>> Sultans of Swing por Luiz Caldas
>>> Musk, Moraes e Marçal
>>> Bernstein tocando (e regendo) o 17º de Mozart
>>> Andrej Karpathy no No Priors
>>> Economia da Atenção por João Cezar de Castro Rocha
Últimos Posts
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Pierre Seghers: uma exposição
>>> O Cabotino reloaded
>>> Papel, tinta, bluetooth e wireless
>>> Monticelli e a pintura Provençal no Oitocentos
>>> Nelson ao vivo, como num palco
>>> O novo frisson da Copa
>>> Vale ouvir
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Editor, corrija por favor!
>>> O grande livro do jornalismo
Mais Recentes
>>> Martini Seco - Rosa dos Ventos de Fernando Sabino pela Ática (1996)
>>> A Nova Califórnia e Outros Contos de Lima Barreto pela Unesp (2012)
>>> Textos e Redaçãocom Word 2007 de Diversos pela S/a (2008)
>>> E o Dente Ainda Doía de Ana Terra pela Dcl (2012)
>>> Os Guerreiros do Tempo de Giselda Laporta Nicolelis pela Moderna (1994)
>>> Robin Hood - Coleção Elefante de Howard Pyle pela De Ouro
>>> A Páscoa e Seus Símbolos de Neri Pereira da Silva pela Paulinas (1982)
>>> Extraterrestres Eles Estão Aqui de Luiz Galdino pela Ftd (1997)
>>> Seeds Of Love de Eduardo Amos pela Richmond Publishing (2004)
>>> Clique e Descomplique - Excel 2 / 2007 de N/d pela Gold (2009)
>>> Na Curva das Emoções de Jorge Miguel Marinho pela Biruta (2005)
>>> Finais Mundi de Laura Gallego García pela Sm (2004)
>>> Economia de Empresas Aplicações Estrategia e Táticas de James Mcguigan ;charles Moyer pela Thomson (2007)
>>> Andreia: Flor que Desabrochou no Lodo de Hugo Penteado Teixeira pela Do Autor (1972)
>>> Cromoterapia-dicas e Orient de Como as Cores Podem Mudar Sua Vida de Elaine Marini pela Nova Era (2002)
>>> O Destino de Perseu - Aventuras Mitológicas de Luiz Galdino pela Ftd (1990)
>>> Tiradentes e a Inconfidência Mineira de Carlos Guilherme Mota pela Ática (2005)
>>> O Jovem Lê e Faz Teatro de Gabriela Rabelo pela Mercuryo Jovem (2007)
>>> Clique & Descomplique - Diversão e Entretenimento de Vários Autores pela Gold (2008)
>>> O Analista de Bagé de Luis Fernando Verissimo pela Circulo do Livro
>>> Divórcio Nao e o Fim do Mundo de Evan Stern; Zoe Stern pela Melhoramentos (1997)
>>> How i Met Myself - Level 3 de David a Hill pela Cambridge University Press (2001)
>>> Fundamentals Of Financial Accounting de Flenn A. Welsch And Robert N. Anthony pela Richard Irwin. Illinois (1981)
>>> O Menino e a Caboré de Francisco Mibielli pela Sophos (2005)
>>> Brincando com os Números de Massin e Outros pela Cia das Letrinhas (1995)
COLUNAS

Segunda-feira, 14/2/2011
Felicidade
Daniel Bushatsky
+ de 5000 Acessos
+ 1 Comentário(s)


LIANA TIMM© (http://timm.art.br/)

Era um belo dia. De cinema. Pessoas na rua. Ônibus no horário. Bondes idem. Asfalto perfeito. Compras em dia. Crianças na escola. Marido no trabalho. Era um belo dia.

Mas algo a incomodava. Faltava um dia para a viagem do marido. Já havia repassado a lista de compras, limpado a casa, dado comida ao cachorro e ido à academia. Ocorreu-lhe quanto tempo passava na ginástica todos os dias, as conversas fúteis com as amigas atletas e a pressão social pela magreza. Quarenta anos nesta rotina, com felicidades e tristezas esperadas para uma senhora bem casada, sem grandes ambições, com filhos crescidos e bem-sucedidos e netos de comercial de televisão.

Seu principal passa tempo era a farmácia. Há lugar melhor para saber da evolução da indústria e da felicidade e tristeza das pessoas. Um lugar completo para matar a angústia e tranquilizar a mente.

Enfim, uma vida sem grandes percalços, naquele país neutro, chamado Suíça.

Seu marido, gerente geral de uma empresa distribuidora de chocolate, viajava uma vez por mês para a matriz, a 1 hora de trem de Zurique, sempre na primeira terça-feira do mês. Era amigo e afetuoso, mas já não praticavam outro exercício que não a comida farta e vinho francês há tempos.

Carinhoso, ele sempre elogiava sua forma física, seu desprendimento de roupas e jóias caras e sua especial atenção aos filhos e netos.

Mal poderia ele imaginar o segredo de toda primeira terça do mês.

Nestes dias ela se arruma por inteiro. Coloca um longo vestido preto, um casaco de pele, se muito frio, seu melhor colar, relógio e pega do armário sua única bolsa de marca. Ficava pronta exatamente às 10h30, mesmo horário que o marido ligava avisando que a viagem de trem não atrasara, tinha sido tranquila e que ele chegava, provavelmente, às 18h30 para jantar. Era sempre nesta ordem, sempre estas frases e sempre este horário.

Saía de casa, pegava o bonde para o centro e passeava pela rua principal. Olhava as novidades e consumia as vitrines. Pensava se o marido ficaria muito triste com o que ela fazia naquelas terças: sonhar com um mundo que não tinha. Ou se ficaria triste se ela entrasse em uma daquelas luxuosas lojas e se desse um presente. Não qualquer presente, mas o presente, algo que ele, comedido com dinheiro, para dizer o mínimo, nunca lhe dera.

Ela apostava que as pessoas reparavam sua elegância ultrapassada e pensavam que aquele colar deveria ser bonito em alguma época.

Mas ela não podia atrasar. Sempre que se via distraída, apressava o passo, colocava a mão na bolsa para conferir as moedas e chegava ao lugar combinado, uma loja de doces chamada Sprüngli. Ela tinha dois andares. No primeiro, vários chocolates a preços estrondosos e outras guloseimas que fariam qualquer terráqueo ficar de joelhos.

No segundo andar, um salão de madeira nobre, mesas pequenas e garçonetes simpáticas e orgulhosas de trabalharem na melhor doceria suíça, várias vezes campeã de concursos internacionais, cujo objetivo era atestar que o melhor chocolate suíço era realmente suíço.

Pedia uma mesa para dois e cumprimentava as garçonetes, que a conheciam e no íntimo a invejavam. Uma mulher daquela idade, fazer o que ela fazia, não era fácil, pensavam, sem certeza e sem convicções.

Para ela era um sonho estar lá. Quando pequena, os pais controlavam o chocolate e outras coisas mais, e, quando grande, as amigas controlavam o chocolate e outras coisas mais.

Sentava, olhava para o lado, colocava a bolsa na sua frente e pedia o cardápio. Já sabia o que queria, mas não custava ver se havia alguma novidade no cardápio que não mudava há mais de 30 anos.

Escolheu um sanduíche de frango, com molho tartar e batata rosti. Para beber, uma Coca-Cola Light, para não abusar.

Nunca conseguia comer sem achar que a estavam observando. Nunca achava que deveria estar fazendo aquilo. E se o marido chegasse antes? E se ela não conseguisse disfarçar o prazer daquele dia sem responsabilidade, sem ninguém dizendo o que ela deveria fazer ou as amigas atletas contando calorias, naqueles almoços chatos de toda quinta-feira?

Pior: e se ela encontrasse com o médico dela (e do marido)? Que bronca. Que vergonha. Que decepção. Como ela poderia estar comendo tudo aquilo?

Mas, de repente, ele chegava. Devagar, sendo invejado por todos, mas principalmente pelas mulheres de 30 anos, que o olhavam cobiçando, ciumentas daquela dádiva inalcançável e proibida. Como ela ousava?

Na mesa, só dava ele. Grande e bem decorado, não lhe faltava atributos para dar felicidade a quem quer que seja. Era o momento de decidir trair ou não. De se dar felicidade ou não.

E ela, mesmo sabendo da contravenção, não resistia... pegava uma pequena colher, abria um sorriso encabulado, não fitava ninguém para ninguém lhe descobrir, e inseria, com cuidado, a colher naquele mousse, e deliciava-se com a qualidade do chocolate por um bom tempo.

Recuperada, sorria com ar alegre de criança aprontando e decidia-se novamente a fazer aquela arte.

Era provar ao mundo que eles estavam errados e que ter um segredo não só não faz mal a ninguém, como é o que a deixava viva!

Pegava as moedas, sem contar, e pagava a conta. Levantava e às 18h30 estava pronta para dar o jantar ao marido e a sonhar com sua próxima viagem.


Daniel Bushatsky
São Paulo, 14/2/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Um gadget de veludo de Vicente Escudero
02. Abbas Kiarostami: o cineasta do nada e do tudo de Marcelo Miranda


Mais Daniel Bushatsky
Mais Acessadas de Daniel Bushatsky em 2011
01. Plágio - 4/4/2011
02. Felicidade - 14/2/2011
03. Souza Dantas, Almoço e Chocolate - 4/7/2011
04. O que queremos do Natal? - 21/11/2011
05. Preconceitos - 14/3/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
21/2/2011
10h24min
Aqui no Brasil também já está difícil comer sem culpa um belo mousse de chocolate (ontem mesmo, dividi com mais duas pessoas para ser aceitável). Ou beber alguma coisa fora de casa e dirigir. Sem falar em fumar. Presentear-se ainda é tolerável. Até quando?
[Leia outros Comentários de José Frid]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Não Verás País Nenhum - Edição Comemorativa 25 Anos
Ignácio de Loyola Brandão
Global
(2007)



Manual de Direito Empresarial
Gladston Mamede
Atlas
(2010)



Os Vingadores: Mundo de Vingadores
Jonathan Hickman
Panini
(2005)



O Cérebro Emocional
Gilberto Ururahy; Éric Albert
Rocco
(2005)



Letters of Note
Shaun Usher
Chronicle Books
(2020)



A Lei e a Ordem
Ralf Dahrendorf
Instituto Liberal
(1997)



Treatise on Response & Retribution
Lao-tze ; Paul Carus ; Daisetz Teitaro Suzuki
The Open Court
(1973)



Vidas amargas (A leste do Éden) - Mestres da literatura contemporânea 66
John Steinbeck
Record/ Altaya
(1996)



Livro Literatura Brasileira Sexo Na Cabeça
Luis Fernando Veríssimo
L&pm Editores
(2002)



Livro A Voz Silenciosa
White Eagle
Pensamento
(1981)





busca | avançada
76843 visitas/dia
1,7 milhão/mês