Souza Dantas, Almoço e Chocolate | Daniel Bushatsky | Digestivo Cultural

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Segunda-feira, 4/7/2011
Souza Dantas, Almoço e Chocolate
Daniel Bushatsky
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Como toda segunda-feira, o neto chegou um pouco atrasado para o pontual almoço das 12:30hs. O almoço, caprichado, contava com bife, feijão e arroz, salada e, claro, batata frita, a comida favorita do neto, feita com muito carinho por sua segunda mãe, que trabalha com sua avó há mais de 30 anos. Os avós, mesmo proibidos pela dieta rigorosa, comiam a batata frita, com menos sal, se possível - afinal era somente uma vez na semana.

Naquela segunda-feira, o avô se mostrava ansioso. Queria mostrar algo no You Tube. Ligado a novas tecnologias e sempre à frente de seu tempo, aquela súbita vontade de lhe mostrar algo na rede de computadores não surpreendeu o neto.

O que surpreendeu foi que o pontual almoço poderia sofrer pequeno atraso para assistirem ao vídeo. Como era uma filmagem de mais de 15 minutos, demoraria a carregar, o que daria tempo, mais do que suficiente, para almoçarem e depois assistirem.

No almoço, as novidades da semana, mas nenhum comentário sobre a próxima atividade. Uma única vez, a avó quis comentar algo sobre o "computador", mas o avô não permitiu que a novidade fosse contada antes do tempo. Olho no relógio, porque o neto tinha reunião e o primo um prova na faculdade, o almoço transcorreu como deveria: rápido, mas tranquilo, gostoso e divertido.

Antes de terminar, a tradição: café com leite e chocolates, estes guardados a sete chaves, pois a avó tem diabetes, mas como na batata frita, não resistiu e pegou alguns tabletinhos.

Foi então que, sem tempo para comer o final do tablete e engolir o último gole de café com leite, o avô perguntou se o download já teria terminado. O neto respondeu que provavelmente. Levantaram e ambos foram à sala do computador, antiga sala de música e quarto de dormir dos netos, para assistirem, finalmente, o vídeo.

Este já estava carregado. Sentaram-se, um ao lado do outro, com a avó, recém chegada, em pé atrás das cadeiras.

O filme era uma prévia de um documentário que seria feito sobre Luiz Martins de Souza Dantas, embaixador do Brasil na França por mais de 20 anos. Dava especial enfoque na sua atuação durante a segunda guerra mundial, em especial na concessão de vistos irregulares a centenas de judeus, perseguidos pelo regime nazista.

O neto assistiu ao vídeo concentrado e impressionado com o silêncio dos avós, principalmente da avó, que gosta de um comentário, sempre que pode.

É verdade que qualquer assunto relacionado à segunda guerra deixa-os interessados. Eles tiveram que deixar sua família, casa e rotina, pois estavam sendo perseguidos por um louco, avalizado por sua nação.

O neto às vezes apertava a mão do avô. Outras horas, dava-lhe um abraço, mas ele não se movia. A concentração era tamanha que nem o primo saindo no meio do filme os fez parar.

No final, o filme mostra uma lista em ordem alfabética de sobrenomes. O avô paralisa o vídeo em cima de um nome e fala: minha tia. Passados mais alguns nomes, ele paralisa novamente. Neste não era necessária explicação alguma.

Seus olhos estavam embargados. O neto nunca o tinha visto assim. Ele contou que sua tia pediu o visto para o embaixador, narrando-lhe: "eles nos caçam como os cachorros". Souza Dantas, sensibilizado, concedeu o visto para ela, sua família e a família do avô. O detalhe era que o visto para a família desta tia seria concedido pelo Brasil mesmo sem a "irregularidade" de Souza Dantas, pois ela era esposa de um famoso químico e, com voz embargada novamente, conta que a Tia lutou por ele, pois o considerava como um filho.

Passamos à sala, onde ele mostra o livro de Fábio Koifman, intitulado "Quixote nas Trevas - o embaixador Souza Dantas e os refugiados do nazismo", no qual o avô concedeu entrevista.

O livro, baseado na tese de mestrado em história de Koifman, traça o perfil daquele embaixador que, mesmo contra as ordens de Getúlio Vargas, concedeu centenas de vistos irregulares para imigrantes judeus entrarem no Brasil.

Com vasta pesquisa (mais de 7.500 documentos) e inúmeras entrevistas (mais de 30 horas) o historiador demonstra que, não obstante a perseguição cruel na Europa contra judeus, a política imigratória brasileira era anti-semita, inclusive com lei tipificando a necessidade de consulta prévia ao Rio de Janeiro, quando se tratasse de algumas categorias. Uma delas era a de judeus (alínea "f", do parágrafo único do artigo 7º, do Decreto-lei nº 3.175 de 7 de abril de 1941)! Note-se que a concessão de visto não dependia de questões sócio-econômicas, como deveria ser, ou ao perigo iminente de ser judeu e estar na Europa, mas sim se o ser humano era semita ou não. Paradoxalmente, judeus ricos ou famosos poderiam ter visto, sem problemas, como o caso do marido da Tia do avô.

O comentado, ainda na sala e antes da reunião do neto, é o esquecimento do embaixador.

Pelo lado judeu, o Estado Novo, para dizer o mínimo, não era muito simpático a eles: a dificuldade em se falar do assunto somado ao medo da perseguição, podem ter sido o motivo de judeus terem demorado quase 70 anos para homenagear o embaixador, que foi reconhecido como "justo entre as nações" pelo museu do holocausto em Israel ("Yad Vashem").

Pelo lado brasileiro, é o esquecimento deste herói de guerra, pela sua atitude contrária à política externa brasileira (mais uma vez Getúlio Vargas e sua turma), que se alinhava com o racismo até ser subornada pelo EUA e a Companhia Siderúrgica Nacional.

É, aquele almoço foi muito emotivo para o neto, que aprendeu que, infelizmente, dinheiro compra vidas, salvo no caso de "traidores da pátria", que não merecem nem nome de rua.

O avô tem razão: tudo isto é para chorar. Enquanto o Brasil não reconhece um herói de guerra, exemplo de humanidade, como poderemos pregar que as próximas gerações o façam?

A avó, então, levantou-se e perguntou: mais um chocolate?


Daniel Bushatsky
São Paulo, 4/7/2011

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