Modernidade explicada às crianças | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
46646 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Na Flip, Verônica Yamada apresenta healing fiction sobre corpo, trabalho e ancestralidade
>>> Destaque na Flip, cearense Maurício Mendes lança “O homem não foi feito para ser feliz”
>>> Estreia Teatro - A Visão de Bernadette – 3 de Agosto – Teatro Ruth Escobar -18hs
>>> Com destaque na cena literária , “Cronofagia” de Carla Brasil chega à Flip 2025
>>> Filhos do Mangue, premiado filme de Eliane Caffé, estreia nos cinemas
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Eu me pergunto para onde vai a imprensa...
>>> Farfalla
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Maffesoli, Redes Sociais e o Mundo Reencantado
>>> Desonra, por J.M. Coetzee
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> A Paris de Chico Buarque
>>> Picasso e As Senhoritas de Avignon (Parte I)
>>> Encontro com Kurt Cobain
>>> O Livro dos Insultos, de H.L. Mencken
Mais Recentes
>>> Araribá Plus Geografia - 7º Ano de Cesar Brumini Dellore pela Moderna (2018)
>>> Araribá Plus História - 7º Ano de Ana Claudia Fernandes pela Moderna (2018)
>>> Araribá Plus Português - 9º Ano de Monica Franco Jacintho pela Moderna (2018)
>>> Araribá Plus Português - 7º Ano de Monica Franco Jacintho pela Moderna (2018)
>>> Arariba Plus: Historia - 9o. Ano de Ana Claudia Fernandes pela Moderna (2018)
>>> Oi, Tchurma de Karla Marques Felmanas pela Companhia Editora Nacional (2024)
>>> Território E Sociedade No Mundo Globalizado - Volume Único de Elian Alabi Lucci e Outros pela Saraiva (2014)
>>> O Monstro Monstruoso Da Caverna Cavernosa de Rosana Rios pela Dcl (2004)
>>> João E O Pé De Feijão de Flavio De Souza pela Editora Ftd (2010)
>>> Caminhos E Escolhas de Abilio Diniz pela Campus Elsevier (2004)
>>> Reconvenção E Excepção No Processo Civil de Miguel Mesquita pela Almedina (2009)
>>> Criminologia Criminal E Psicologia Criminal de Alvino Augusto De Sá pela Editora Revista Dos Tribunais (2010)
>>> O Líder Do Futuro de John Naisbitt pela Sextante (2007)
>>> Teses de Defesa no Direito Penal Brasileiro de Leandro Morgado pela Conceito Juridico (2009)
>>> Contraditorio E Revelia: Perspectiva Critica Dos Efeitos Da Revelia Em Face Da Natureza Dialetica Do Processo de Artur César De Souza pela Revista Dos Tribunais (2003)
>>> Comece a Peticionar de Carlos Humberto Reis Neto pela Sugestões Literarias (2001)
>>> Guia De Leitura A Profecia Celestina de James Redfield E Carol Adrienne pela Objetiva (1995)
>>> Correspondência De Cabral Com Bandeira E Drummond de Flora Susskind Org pela Edições Casa De Rui Barbosa (2001)
>>> Vila Ré Gente, Memória e Futuro de Vários Autores pela Idea (2008)
>>> As Duas Fontes da Moral e da Religião de Henri Bergson pela Zahar (1978)
>>> Criando Filhos Vencedores de Henry Cloud e John Townsend pela Vida (2001)
>>> Litigância De Má-fé de Ana Lucia Iucker Meirelles De Oliveira pela Editora Revista Dos Tribunais (2000)
>>> Processo Tributário de Alexandre Barros Castro pela Saraiva (2007)
>>> Todos Os Homens São Mortais (biblioteca Áurea) de Simone De Beauvoir pela Nova Fronteira (2019)
>>> Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada de Maria Helena Diniz pela Saraiva (2007)
COLUNAS

Terça-feira, 19/3/2013
Modernidade explicada às crianças
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 6800 Acessos

A modernidade nasceu colocando o mundo de cabeça para baixo, ou cortando sua cabeça, ou, se preferirmos ser literais, colocando as suas tripas para fora. A Primeira e a Segunda Guerra fizeram a razão prática e o fuzil marcharem juntos pelo Capital - esse vampiro que suga a força vital dos trabalhadores, na denúncia de Marx. Como consequência, o modernismo nas artes liberou forças tão profundas de crítica à cultura (e ao humanismo) que as formas de expressão explodiram em várias direções (a vanguarda dadaísta, surrealista, futurista e cubista o comprovam).

Apreender o mundo moderno com uma arte moderna era, portanto, fazer uma arte da crise: formas fragmentárias, estruturas estranhas e parodísticas, ambiguidades, ironia trágica - uma arte para uma época fragmentada, pluralista, doente e estranha. As civilizações que o artista deveria confrontar eram a antiga, que Ezra Pound chamou de "uma velha cadela desdentada", e a moderna, que T. S. Eliot chamou de "a terra estéril".

O Zaratustra, personagem de Nietzsche, já prenunciava a tarefa que se impunha de criação e destruição: "Todo aquele que quiser ser criativo no bem e no mal deverá antes ser um aniquilador e destruidor de valores". Pound, um pouco depois, exigirá de todo artista a tarefa de "tornar novo", ir à frente de sua época e transformá-la ao mesmo tempo transformando a própria natureza da arte.

A arte moderna partilhará dos elementos de revoltas e dissolução, de violência e fragmentação, de destruição e reconstrução. Elementos que darão à arte a sua ambiguidade intrínseca. Parafraseando aqui o personagem Aschenbach, criado por Thomas Mann em Morte em Veneza, o artista "tem compaixão pelo abismo - ele próprio é o abismo".

Desde os corpos fragmentados por cortes radicais pelo surrealismo, aos bonecos-humanos-manequins manipulados em gestos patéticos e mecânicos no teatro e na dança, ao cinema do grotesco e do inconsciente do expressionismo, da montagem ready-made de uma roda de bicicleta com um banquinho de Duchamp e Kurt Schwitters com suas assemblage (pintura com roda dentada, por exemplo) e a Ursonate- em tudo isso, o fragmento impunha-se como desdém ao todo.

Na base da modernidade, projetos filosóficos e políticos: Nietzsche denunciará o fracasso do projeto racionalista ocidental, fundado numa razão limitada, derivada do idealismo platônico, que teria levado a Europa à degeneração de suas forças vitais, dionisíacas. Criticará o cristianismo como a "moral dos escravos", anunciando a "morte de Deus".

Marx denunciará o sistema capitalista, o mundo burguês, que sobrevive graças à exploração da mão-de-obra do trabalhador, submetido ao regime da mais-valia e do trabalho alienado. A vida será reificada em todos os seus aspectos, dirá depois T. W. Adorno.

Freud vai desenvolver a ideia do inconsciente, criticando a razão que se acreditava dona de si mesma, mostrando que não somos senhores de nós mesmos, pois somos governados por forças inconscientes, derivadas das irracionais pulsões que a civilização tentou de todas as formas controlar para se edificar. O resultado dessa repressão é uma civilização descontente e a paixão que desenvolvemos pela violência, pela destruição, pelo instinto de morte.

T. W. Adorno chegou a vaticinar a impossibilidade da poesia depois do assassinato sistemático de milhares de judeus em campos de concentração. Benjamin diagnosticará o presente como um lugar de ruínas e guerras, onde a melancolia do mundo das coisas não será redimida pelo trabalho (como ideário da ética protestante), ou pelo conhecimento (projeto de dominação da natureza exterior e interior pela ciência), já que precisamente o conhecimento e o trabalho condenaram a natureza inteira à melancolia e à tristeza.

A existência, sendo, por definição, impossível, é, contudo, irrevogável. O artista moderno não sairá em fuga do Aufhebung hegeliano, onde a dialética não é sintetizada, mas antes continuamente elevada a uma nova série de forças e antinomias conflitantes entre si. A arte moderna, por isso, será ambígua, mantendo uma desconfiança em relação ao mundo moderno, mas não deixando de lado seu compromisso com a modernidade. Sua base será construída por fragmentos e sensações do presente.

Desmontar, minar, reconstruir as velhas formas, ou seja, adotar a máxima do menino-poeta-pervertido Rimbaud: "Il faut être absolutement moderne". Se a palavra se desarraigou, se as imagens perderam a coerência, se pensamento e sentimento vivem separados, se o símbolo perdeu a transcendência, a arte também não poderá ter mais um significado claro. A escritura clássica não dava mais conta do presente, e a literatura tornou-se para escritores como Joyce, dentre outros, apenas um problema da linguagem. O poeta Yeats diz: "A literatura há de ter a capacidade de derrotar o real em qualquer nível".

A crise da certeza, a desagregação da palavra e da imagem, parece também dizer: não podemos mais contar com o "Homem" (conceito perigosamente desconstruído por Foucault). Resta-nos a arte para dizer isso. Gregor Samsa acorda metamorfoseado em asqueroso inseto na obra de Kafka (se "o artista é a antena da raça", os inseticidas nazistas já se prenunciavam ali em Kafka). Também o início da "morte do sujeito", como na peça de Arthur Miller, Morte do caixeiro viajante, onde o personagem principal passa a vida acreditando na virtude do trabalho, acreditando que vivendo honestamente seria rico e feliz, até que é despedido e perde o senso da realidade, mergulhando numa crise profunda e desesperadora. A revelação de que o trabalhador não passa de um objeto descartável dentro do sistema capitalista.

Mallarmé ressoará em Beckett na medida em que os seus textos procurarão superar a própria linguagem, tecendo constantes comentários à ironia que é utilizar a linguagem para dizer a sua inescapável insuficiência.

Ortega y Gasset, num famoso ensaio sobre Goethe, disse: "Viver é precisamente a necessidade inexorável de tomar determinações, ingressar num destino exclusivo, aceitá-lo - isto é, resolver ser esse destino. Temos, quer isso nos agrade ou não, de realizar nossa vocação, nosso programa vital, nosso eu autêntico". Ou não seremos nada. Todo artista tem aqui a sua fé. Mesmo que essa fé seja a dura certeza, como diz Raskólnikov em Crime e Castigo, "de que devemos assumir o sofrimento nós mesmos".

Assumir o sofrimento, mas não de graça: o artista deixa de ser um moralista burguês, mas um criador independente, enxovalhador e perturbador da ordem do mundo. Explodir a discursividade, implodir a cultura digestiva e comercial onde "tudo existe e nada tem valor", criticar acirradamente o imenso panorama da futilidade, é não se dobrar à ordem do mundo.

O capitalismo contemporâneo não deixará de desejar contaminar tudo, mesmo a arte, essa eterna manifestação da subversão de todos os valores: qualquer espécie de conduta humana se tornará permissível no instante em que se mostre economicamente viável, tornando-se "valiosa"; tudo o que pagar bem terá livre curso. Eis ai a essência do niilismo moderno.

Por isso, é preciso continuar a lutar. É preciso continuar a continuar...

Mas hoje, para continuar, é preciso antes dar um passo atrás para poder dar dois outros à frente, e isso significa saber o que representou a arte e o pensamento de Pound, Tchécov, Thomas Mann, Dostoiévski, Eliot, Joyce, Stravinski, Whitman, Ibsen, Schoenberg, Marx, Nietzsche, Freud, Einstein, Proust, William James, Valéry, Picasso, Rilke, Kafka, Brecht, Duchamp, Woolf, etc.


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 19/3/2013

Quem leu este, também leu esse(s):
01. O idiota do rebanho, romance de José Carlos Reis de Jardel Dias Cavalcanti
02. Entrevista com o tradutor Oleg Andréev Almeida de Jardel Dias Cavalcanti
03. 10 coisas que a Mamãe me ensinou de Julio Daio Borges
04. Entrevista com Dante Ramon Ledesma de Celso A. Uequed Pitol
05. O rock não acabou de Rafael Rodrigues


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti em 2013
01. Mondrian: a aventura espiritual da pintura - 22/1/2013
02. A Última Ceia de Leonardo da Vinci - 12/2/2013
03. Cinquenta tons de cinza no mundo real - 3/9/2013
04. Gerald Thomas: arranhando a superfície do fundo - 26/2/2013
05. O corpo-reconstrução de Fernanda Magalhães - 18/6/2013


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Nascer e Renascer
Francisco Cândido Xavier
Geem
(1999)



Ação Civil Pública E Relações De Trabalho
Fabiano Holz Beserra
Método



Coração e alma
Maeve Binchy
Bertrand Brasil
(2012)



Electric Systems, Dynamics, and Stability With Artificial Intelligence
James Momoh, Mohamed El-hawary
Marcel Dekker
(1999)



Venice - Faber Modern Classics
Jan Morris
Faber & Faber
(1998)



O Menino do Pijama Listrado
John Boyne; Augusto Pacheco Calil
Cia das Letras
(2007)



Maggot Moon
Sally Gardner
Hot Key Books
(2012)



Pulga Atrás da Orelha
Ana Elisa Ribeiro
Gulliver
(2017)



Labirinto 507
Kate Mosse
Suma de Letras
(2006)



Os Dois Terríveis Ainda Piores 2
Jory John e Mac Barnett
Intrínseca
(2016)





busca | avançada
46646 visitas/dia
1,7 milhão/mês