O idiota do rebanho, romance de José Carlos Reis | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

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Terça-feira, 17/8/2021
O idiota do rebanho, romance de José Carlos Reis
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 7700 Acessos



O romance O idiota do rebanho, do filósofo/historiador José Carlos Reis, publicado pela editora Scriptum, é uma espécie de “romansaio”, como o autor o define.

Mescla do relato de uma espécie de decepção em relação à vida profissional como professor universitário e pesquisador, na área de ciências humanas, e ao mesmo tempo uma revisitação à sua vida amorosa. O romance vai além, tratando de questões históricas relativas ao passado brasileiro - o tema da escravidão e colonialismo, por exemplo.

O “romansaio” é dividido em quatro partes, sendo cada parte mais profundamente relacionada a um tema específico, que vai das misérias das relações humanas dentro da academia, ao período de estudo na Europa e duas aventuras amorosas – com direito a casamento, divórcio e peripécias sexuais com a amante e a mãe dela – ambas devidamente comidas em um relato para lá de excitante.

Podemos dizer que O Idiota do Rebanho é politicamente incorreto no tratamento que dá ao mundo da universidade, ao Brasil e ao universo das relações amorosas e humanas em geral. Não poupa os acadêmicos, não poupa as amantes e não poupa a si mesmo em suas observações ora melancólicas, ora ácidas, ora baseadas em uma fundamentação bibliográfica clássica e citações de letras de música popular brasileira.

A primeira parte deveria se chamar “A Comédia Humana da Universidade”, pois trata justamente de uma avaliação crítica e ácida dos comportamentos humanos para lá de neuróticos dos acadêmicos - aliás, seria de bom tamanho se o autor voltasse a escrever um outro romance sobre o “cercado” da universidade, dedicando-se mais profundamente a essa fauna de figuras exóticas, vaidosas e, por vezes, psicóticas, desconhecida do grande público, que habita o campus. (Fica minha dica para que escreva “A Comédia Humana da Universidade”.)

Resumidamente: a primeira parte do romance começa com o relato da aposentadoria do personagem Júlio, professor universitário, quando abandona o campus, local onde trabalhou, conheceu pessoas, mas não deixou amigos, nem amores. Sua aposentadoria é por ele chamada de “alforria”: “o melhor de tudo era que não passaria mais os seus dias lendo, tomando notas, atualizando aulas, dando aulas, preocupado com orientações e bancas de mestrandos, doutorandos, graduandos de iniciação científica, inventando projetos de pesquisa, viajando para palestras, congressos e bancas, escrevendo livros e correndo atrás de editoras, fazendo relatórios de produtividade, enfrentando a burocracia universitária, chefes, coordenadores etc.”

Conclusão, aquilo que era para ser uma atividade feliz se tornou o seu inferno, criado pelo ambiente universitário. Ali ele não se realizou e, como ator, apenas representou o papel de professor - o que é muito comum no ambiente – tornando-se “um polímata abstrato e bovarista em humanidades”.

Mas o melhor da aposentadoria, que começava a gozar, seria o fato de não ter mais que conviver com “os colegas de cela”. Naquele cárcere universitário, onde todos são doutores, reina a vaidade, cada qual se achando melhor do que o outro, em “suas cabeleiras grisalhas, ainda jovens”.

Segundo observação ácida de Júlio, “cada um se via como o primeiro e único, mesmo sem ter publicado nada, ou apenas algo irrelevante, que ninguém leu, pois todos só liam e citavam autores estrangeiros em seus artigos e livros inúteis”. Os intelectuais brasileiros, então - metralhava Júlio - sofriam de “um desequilíbrio colonial/mental lamentável”.

Mas, entre todos, havia um que incomodava Júlio, que era o “Prof. Dr. Joaquim José de Castro Pinto”. Era o típico sujeito – não faltam personagens assim no mundo acadêmico - que encarnava o salvador da universidade, concentrando em si a autoridade e a consciência de sua área de atuação.

O resultado do desafeto era que o pau quebrava nas reuniões e a consequência era que "perseguições eram armadas, exclusões eram orquestradas, as defesas de dissertações, e teses, tornavam-se acertos de contas. Os alunos eram envolvidos nos combates, mostravam-se dispostos a combater até o fim pelo seu mestre manipulador."

"Os grupos de pesquisa, com seus líderes mais egocêntricos, sequiosos por recursos e prestígio, eram pequenas milícias, que se enfrentavam com furor nas batalhas do campo acadêmico". Júlio se fantasiava, como consequência da (sobre)vivência nesse universo, como um daqueles psicopatas americanos que entram no campus atirando. Mas não sendo psicopata, “pois a vida não se resume à universidade”, ele acabava aceitando o fato de que, como dizia Hegel, o ambiente acadêmico é “a selva do espírito”.

Para Júlio, as mulheres dentro da academia eram piores, “semelhantes ao bando de hienas”, “fêmeas alfa”, “verdadeiras múmias de batom, horrendas”, “eram mulheres cruéis, sem buceta”.

Surpreendia o fato das ciências humanas atraírem as “feias” que, “se fossem gostosas um dia, ali, decaíram”. E explicava: “as pobrezinhas foram obrigadas a transferir a sua potência vital ao trabalho, foram destruídas pelo Lattes”.

No fundo dessa avaliação, Júlio se conscientizava de que o problema era dele, que ia se tornando misógino com a idade. E romance adentro, seu segundo tema, que o entristecia, aparecia: as mulheres.

Mostrando seu desapontamento – “se o diabo existe, é mulher” -, rechaça a ideia de que a mulher é um poema e vê a prosa e verso que a cantaram com flores e perfumes como um engano dos poetas.

Daí para frente segue destroçando a visão idealizada das mulheres, sendo “Branca de neve apenas uma bruxa hipermaquiada e idealizada”. Passa em revista algumas canções e romances que a idealizavam e vaticina que o casamento, por isso, é um mal negócio “[pois], aquele que assinou o contrato nupcial só se daria conta quando, ao descobrir a Bruxa escondida atrás do biombo da maquiagem, quisesse desfazer tal contrato, pois perderá patrimônio e salário, continuará pagando pensão por um sexo do qual não usufruía e nem queria mais”.

Antes de entrar nas observações sobre suas relações amorosas, tece ideias sobre o amor a partir das leituras clássicas sobre o tema, como as advindas de O Baquete, de Platão.

O caráter ensaístico sempre retorna ao romance, como quando se vê pensando que, ao se aposentar, conquistou a “alforria”, e da investigação dessa palavra passa a uma discussão sobre a questão da escravidão, a partir das reflexões de um pesquisador como Jacob Gorender, por exemplo.

Relacionada à temática da escravidão, estava a palavra idiotia – por isso o título do romance –, sendo aqui o momento para repensar sua própria formação de submisso: “a educação repressiva, opressiva, que sua mãe dera a ele”.

Com seus canais afetivos bloqueados, sentia-se como uma bomba pronta para explodir, mas os fios estavam cortados. Com a estrutura psíquica destruída pela educação repressiva, lamenta não ter respondido aos ataques que sempre sofreu em várias situações da vida.

Umas setenta páginas após essas discussões sobre a vida, ele entra, finalmente, no capítulo sobre o seu primeiro amor: Marilu.

Aberta a “torneira da memória” após encontrar uma foto de Marilu e sua mãe em Cabo Frio, Júlio retorna toda sua história desde os primeiros encontros sexuais com sua professora e paixão secreta Marilu, o sexo desbravado com a mãe dela, enquanto Marilu se masturbava os observando, até o desfecho da separação de quando de sua vinda de Barbacena para Belo Horizonte, na sua busca por “ganhar a vida”.

O encontro com Marilu é o despertar da sua vida afetivo-sexual - mais sexual, talvez, já que desde conversas sobre Sade, sobre perversões e atos sexuais em encontros secretos pululam pelas páginas desse momento da sua vida.

O relato de cenas sexuais quase pornográficas – pornografia é o sexo do outro, dizia alguém - são excitantes e a parte mais divertida do romance.

Depois, temos o relato da vida de Júlio já professor universitário, fazendo doutorado e pós-doutorado, na Bélgica, já casado com outra pessoa, que aliás vira um decepção, por razões pessoais, e o leva ao divórcio.

O relato segue: a vida dura de um pesquisador, na qual só lhe resta, no exterior, as boas bibliotecas para sua pesquisa, a desconfiança dos europeus, em relação aos latinos, dada sua crença da superioridade deles sobre os “bárbaros”.

O final do romance trata do reencontro com seu antigo amor, Marilu, e a expectativa que esse reencontro provoca em Júlio. Ali se tem a reavaliação do amor, do sentido dado à própria vida, e o desencanto geral de Júlio, que ao mesmo tempo se liberta de uma fixação no passado.

No meio disso tudo, o romance se recheia de reflexões filosóficas que vão se mesclando às experiências que uma vida pode proporcionar. Como se a aposentadoria agora lhe permitisse retornar ao filme de sua vida, com mais tranquilidade e com mais sagacidade.

Usando, por vezes, conceitos da psicanálise, como o de “diferenciação”, criado por Melaine Klein, pesquisava nesse reencontro os elementos da fantasia e da realidade que o distanciamento de uma situação possibilita ao marcar o reencontro com Marilu.

Lidando melhor consigo mesmo, percebe, poderá agora se relacionar melhor com a realidade e as pessoas que o rodeiam no mundo dos afetos. Isso o faz conscientizar-se de que esse reencontro com Marilu é uma fantasia que sem o desejo se torna impossível.

Em seu romance, Jose Carlos Reis consegue a proeza de unir ideias, sentimentos, desejos, fantasias, num repertório narrativo e crítico que não abre mão do prazer - que é o objetivo da literatura: de nos fazer ficar presos aos caminhos e descaminhos de uma vida humana repleta de tensões, ambiguidades, niilismo, esperança, e tudo isso sobre a égide de uma avaliação crítica e politicamente incorreta, o que, por si só, já vale o romance.

Para ir além
O idiota do rabanho, de José Carlos (Scriptum, 2020).


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 17/8/2021

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