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Terça-feira, 3/9/2013
Cinquenta tons de cinza no mundo real
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 13600 Acessos

"O que a ética e a moral condenam, arte pode transformar em prazer."

Os efeitos da leitura do livro Cinquenta tons de cinza, de E L James, começam a aparecer na prática sexual das leitoras. As mulheres com quem me encontrei ultimamente exigem "apanhar", "serem punidas". As frases que ouço são mais ou menos as mesmas: "Quero sair com a bunda ardendo", "quero ser estapeada", "quero levar muita chinelada", "quero minha vagina ardendo de tanto apanhar", "quero ser amarrada e apanhar", "quero ser punida por ser uma menina má" etc.

São frases que também se pode encontrar pelas páginas de Cinquenta tons de cinza e que agora ganham as ruas. Começa-se a se construir um teatro de experiências nas relações sexuais no qual a dor, a punição, a violência sobre o corpo feminino se transformam num fetiche das próprias mulheres.

E os homens, reeducados na lei Maria da Penha para tratarem com delicadeza as mulheres, se veem na obrigação de liberarem seus instintos agressivos sobre as mesmas. E algeme-se as mulheres para lhe dar palmadas na bunda, no rosto, na vagina e onde mais for exigido pelo sexo feminino.

É claro que, como entre os personagens masculino e feminino do livro, nestas relações reais também se estabelece um "contrato" em que os limites são dados pelos participantes. As práticas expandem a experiência para algo diferente, ousado, mas sem levar o casal para experiências extremas.

Claro que se você for delicado demais, as mulheres vão chiar dizendo: "mais força, quero sair com a bunda ardendo". Você terá que calcular o grau de suportabilidade da dor da parceira, manejando com eficiência o chinelo ou a palma da mão. Ela vai gritar, mas você vai ter que adivinhar se é um grito de dor/prazer com o que ela, apesar de sofrer, estará dentro dos limites do que quer sofrer de dor/prazer. Não há uma medição clara para o que é suportável, porque por vezes é o insuportável que gerará o prazer.

Nesse tipo de relação você também deve estar atento aos limites da violência para que não haja comprometimento real da vida da pessoa. Portanto, há um grau de repressão dos instintos (violentos) em jogo também.

A fantasia liberada pelo livro é real. Como no romance Werther, de Goethe, que gerou uma onda de suicídios, o romance Cinquenta tons de cinza está gerando uma onda de meninas/mulheres dispostas a experimentar os prazeres da dor, da submissão. Imagine-se a quantidade de jovens leitoras que esse livro teve. Imagine-se os pensamentos que passaram pela cabeça e pelos corpos dessas leitoras de três volumaços cheios da boa e velha sacanagem. Querendo ou não, a literatura forma as almas e os corpos. Ela é perigosa por isso. Como ela pode ser libertadora, também, por isso.

Leitoras do livro são também as mulheres maduras. Aquelas que descobrem de repente que a relação com seus parceiros tem sido apenas burocrática, sem graça, e que relação sexual mesmo, aventureira, quente, radiante, é aquela apresentada pelos personagens Grey e Steele. Começa-se a exigir do parceiro uma mão mais forte, mais agressiva, acompanhada de aparelhos ("brinquedos") que lhes darão um pedaço do paraíso. Ou procura-se novos parceiros, dispostos a colocar a mulher no papel da personagem do livro.

Aquilo que antes era apenas um instrumento para apimentar a relação, um tapinha aqui e outro acolá, se torna agora o centro da relação. Busca-se o prazer na dor, mulheres querendo ser levadas ao orgasmo através de pequenas torturas, produzidas por tapas ou através do uso de determinados aparatos eróticos (algemas, chicotes, etc).

O livro Cinquenta tons de cinza é uma espécie de conto de fada erótico. A história é mais ou menos assim: menininha de classe inferior (estudante), desprotegida, virgem, que encontra seu príncipe encantado, necessariamente rico, forte e bonito, que lhe dá presentes (carros e celulares caríssimos) e em troca exige submissão sexual. Mas, também lhe proporciona uma educação para o prazer, que lhe garante uma onda de orgasmos inacreditáveis. Na primeira relação, por exemplo, na qual perdeu a virgindade, Steele já teve três orgasmos. E pensar que existem muitas mulheres que passam a vida toda sem nem saber o que é isso!

Para os homens, as pistas são claras. Se ganhar um chinelo de presente da parceira, sabe que deverá usá-lo nas nádegas da mesma. Se ganhar uma caixa com algemas, chicote, cordas, sabe que a relação vai ser de dominador e dominada.

Como no ideal do Marques de Sade, começa-se a construir uma relação cartesiana das práticas que geram prazer. Há um método a priori que agora governa o interesse dos encontros sexuais. Sabe-se que o mínimo que se pode fazer é bater, punir, gerar dor. É o código do prazer ensinado em Cinquenta tons de cinza e agora aprendido pelas leitoras do livro que mergulharão na dor e no prazer por ela gerado.

Considerado literatura pornográfica para donas de casa insatisfeitas sexualmente, o livro ensina às mulheres acomodadas novas formas de organizar seu prazer. Ou ao menos as leva a experimentar novas formas de luxúria, fazendo uso da dor e da submissão. Aquilo que era patrimônio de pessoas desviantes, loucas, pervertidas, se democratiza e vira método de prazer popularmente praticado por milhares de leitoras ansiosas por um paraíso semelhante ao encontrado pela senhorita Steele.

Se você ouvir no apartamento ao lado gritos de dor, sons de palmadas ou chicotadas, não se apavore e nem corra para chamar a polícia. Espere alguns minutos, pois o som do alívio pode aparecer em minutos, numa deliciosa exclamação: "Ahhhhh! Gozei!" Como a personagem Steele, sua vizinha vai "cair entorpecida, entre a realidade e a fantasia, num lugar onde não há limites rígidos nem brandos".

Não podemos deixar de dizer que apesar da aparente liberalidade dos atos sexuais descritos no livro, Cinquenta tons de cinza é uma obra de caráter conservador. Aposta na redenção final do personagem, enfim curado pela menininha, que por sua vez encontra para si seu príncipe encantado, refazendo as histórias que infantilizam o desejo feminino. A nova ordem que se configura é apenas uma paródia do desejo livre. Ela continua mulher de um homem só (segundo Simone de Beauvoir, a mulher que conheceu apenas um homem continua virgem, mesmo tendo feito sexo), treinada pelo homem experiente, que teve sua vida sexual rica antes de conhecê-la.

A causa originária da repressão feminina é a negação masculina do direito da mulher à existência individual. A autora compactua com esse machismo ao negar à mulher a honra de individualizá-la.

Para ir além:



Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 3/9/2013

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