Ninfomaníaca: um ensaio sob forma de cinema | Wellington Machado | Digestivo Cultural

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Quarta-feira, 12/2/2014
Ninfomaníaca: um ensaio sob forma de cinema
Wellington Machado
+ de 5200 Acessos

Qual é a gênese da hipersexualidade? Seria um distúrbio inato ou socialmente influenciável? Teria o amor lugar na compulsão erótica? Quem vê as primeiras imagens de Ninfomaníaca, de Lars von Trier, parece estar diante cenas produzidas por Tarkovski em Stalker: um ambiente lúgubre, inóspito e úmido, com líquidos escorrendo e gotejando por todo lado. A cena parece retratar um vazio existencial, ainda que permeado de excitação constante - a umidade é uma metáfora onipresente. Joe ( Charlotte Gainsbourg) está deitada no chão sujo, gravemente ferida. Não sabemos se foi uma tentativa de suicídio, se foi empurrada ou violentada. Ela é amparada por Seligman ( Stellan Skarsgard), um senhor culto e solitário, que a leva para seu apartamento. Ela se propõe a narrar a ele suas compulsões sexuais desde a infância. Eis a história do filme. Simples, narrada em flashbacks.

"Eu vejo o pôr-do-sol diferente das outras pessoas", pensa Joe ao refletir sobre sua condição. Essa "diferença" é percebida ainda na infância pela personagem. Uma ninfomaníaca tem reações multifacetadas e inesperadas; muitas vezes contraditórias e inconstantes. Lars von Trier é didático. Apesar de a história ser narrada de forma elementar, Ninfomaníaca é quase um tratado sobre luxúria, amor, dominação, delírio, sofrimento e manipulação. O filme é permeado por questionamentos filosóficos, analogias com animais, referências a mapas, desenhos, superstições com números e citações literárias (Edgar Allan Poe). Joe, como "objeto de estudo", é uma metáfora para a reflexão não só sobre suas pulsões sexuais, mas também sobre como "o outro lado" - no caso, os homens - reagem a ela, de forma machista, dissimulada, às vezes hipócrita.

Tamanho número de referências dão ao filme um tom caleidoscópico. A gênese da patologia, por exemplo, é narrada por von Trier fazendo uma referência à fase ninfa dos insetos: uma metamorfose, quando estes ainda "não sabem o que serão", uma fase de descoberta em que os caminhos futuros podem estar relegados ao puro acaso. O despertar de uma hiperatividade sexual, na visão do diretor, pode estar numa brincadeira entre duas garotinhas no chão molhado e escorregadio de um banheiro. Elas se tocam eventualmente e se olham, como se um sentimento obscuro e indecifrável as acometesse. Há um corte brusco na cena para a imagem de um sapo gosmento se lançando ao rio, formando um filete viscoso.

Lars von Trier tenta mostrar como uma ninfomaníaca direciona - consciente ou não - aspectos sociais à sua conveniência. Joe, ainda na infância, tem em seu pai um ídolo insuperável. Ele disserta, de forma constante, sobre a beleza de uma árvore oleácea (viscosa?), o freixo - a perfeição de suas folhas, seu fruto preto, suas mutações durante o crescimento. A árvore representa um objeto fálico para a garota: a beleza do tronco que "se isola" ereto no inverno, com a queda das folhas. "É no inverno que as árvores mostram sua alma", diz o pai. Na adolescência, Joe já é sexualmente compulsiva: além do prazer sexual, ela precisa de quantidade e diversidade de parceiros, como se se estabelecesse uma meta numérica de relações.

A inconsequência e a indiferença parecem ser uma constante no comportamento ninfomaníaco. O sentimento alheio é ignorado de forma descartável e cínica. Tudo é manipulado em prol da própria satisfação sexual. Joe destrói casamentos e brinca com o machismo dos seus parceiros insuflando-lhes o ego. Até o sofrimento alheio é transformado em prazer: ela se excita com o agonia do pai, que está à beira da morte no leito do hospital. A dominação para a ninfomaníaca tem nuances ambíguas: ela gosta de dominar, mas sente prazer também em ser dominada. O filme aborda também a condição do "outro", a diversidade de parceiros com os quais Joe se relaciona. Parece ser um objetivo para ela conhecer as várias formas de personalidades masculinas existentes. Ela se relaciona com homens desde os mais gentis até os mais estúpidos e agressivos. E essa diversidade de parceiros também é física: ela se relaciona com homens másculos, magros, gordos, sujos etc.

A "investigação" de Lars von Trier tenta decifrar a visão da ninfomaníaca sobre o amor. Para ela, há um sentimento de revolta contra os padrões tradicionalmente estabelecidos: "combater a sociedade obcecada pelo amor", diz a protagonista, como se empunhasse uma bandeira. Na relação entre erotismo e amor, ela afirma que o erótico é mais sincero (por ser carnal, identificável, decifrável); já no amor, as pessoas dizem sim quando querem dizer não, num simulacro mútuo insincero, cujo único objetivo é a preservação da relação - ainda que a duras penas. Mas há uma contradição na personalidade ninfomaníaca. Ao mesmo tempo em que ela se relaciona com inúmeros parceiros, ela é acometida por uma melancolia profunda, um sentimento de solidão incurável.

Diante de tantos parceiros, a ninfomaníaca não teria predileção por algum? Sim, ela elege "o parceiro", a pessoa que lhe dá um prazer superior ao dos outros. Um parceiro que lhe umedece de forma diferente, que a beija com um movimento de língua peculiar, que a toca nos lugares exatos. Esta é uma relação que parece transcender o êxtase. O "eleito" é insuperável em excitação. Mas tudo é possível para uma ninfomaníaca. Inclusive, no auge da excitação, à beira do orgasmo, ser acometida por uma ruptura total. Aí tudo para, o mundo para, o som para num enorme hiato. Uma ruptura brusca: "Eu não sinto nada", diz.

Lars von Trier filma Ninfomaníaca como se fizesse uma colagem. Os animais são uma analogia constante: o jaguar com uma presa na boca representa uma personalidade dominadora; uma leoa presa numa jaula é uma metáfora para a solidão de Joe. A música polifônica de Bach é um modelo para a diversidade de relacionamentos vividos pela protagonista. Uma sequência de imagens em preto-e-branco representa o sofrimento do pai numa ambientação que remete à "Queda da casa de Usher", de Edgar Allan Poe. Cortes abruptos, troca de tonalidades nas cenas, momentos de secura, movimentos de câmera que simulam o olho humano são características que remetem ao Dogma 95, movimento criado pelo diretor, juntamente com outros cineastas. A trilha sonora pesada da banda alemã Rammstein dão um tom de contemporaneidade ao filme. Tão importante quanto a escolha da trilha é ter a noção exata do melhor momento para executar cortes bruscos na mesma, num contraste seco com silêncios absolutos, promovendo guinadas na narrativa.

Ninfomaníaca só vem a comprovar a versatilidade e a evolução do Lars von Trier, após trilhar pelo debochado Os idiotas, um musical melancólico (Dançando no escuro); filmes claustrofóbicos e impiedosos com o ser humano (Dogville e Manderlay); a simbologia em Anticristo e a explosão de imagens oníricas em Melancolia. Alguns afoitos classificaram o Ninfomaníaca como um filme pornô. Uma atrocidade. As cenas de nudez e sexo explícito, motivo pelo qual os eufóricos correram para os cinemas, não passam de meros adereços ilustrativos.

Segundo Montaigne, escrever ensaios é refletir de forma autônoma sobre um assunto complexo, geralmente alheio à especialidade do autor, atribuindo ao tema uma forma coerente e apresentando-o de maneira organizada (no caso de Ninfomaníaca, em capítulos temáticos). Enfim, apresentar uma reflexão original sobre qualquer assunto, recheando-o de exemplos práticos que elucidem tal ideia, ainda que feita por um não especialista. Essa visão parece bem perto do que Lars von Trier fez no filme, sem ser psicólogo ou psiquiatra (o que não quer dizer que ele não os tenha lido; provavelmente o fez). Apesar de uma vida intensa, Joe está apenas na adolescência nessa primeira parte do filme. Que venha o NINF()MANÍACA - Volume 2.


Wellington Machado
Belo Horizonte, 12/2/2014

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