O escritor e as cenas: mostrar e não dizer | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
34956 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
>>> Feira do Livro: Karina Galindo lança obra focada na temática do autoconhecimento
>>> “Inventário Parcial”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Sugerido para adultos?
>>> A literatura infanto-juvenil que vem de longe
>>> 2021, o ano da inveja
>>> O futuro político do Brasil
>>> David Foster Wallace e Infinite Jest
>>> Arquitetura de informação
>>> L’Empereur
>>> Fake-Fuck-Fotos do Face
>>> A figura do malandro
>>> Passeata Contra o eBook
Mais Recentes
>>> Meu Papai é Grande, é Forte, Mas... de Coralie Saudo e Kris Di Giacomo pela Girassol (2012)
>>> Manual De Radiojornalismo de Herodoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima pela Campus (2003)
>>> Venha Ver O Pôr-do-sol E Outros Contos de Lygia Fagundes Telles pela Editora Ática (2007)
>>> Passageira 45. O Vale Dos Mistérios de Luis Eduardo Matta pela Le (2015)
>>> O Amor Que Acende A Lua de Rubem Alves pela Papirus Editora (2006)
>>> As Roupas Do Rei Seguida De Inventa-desinventa de Claudia Vasconcellos pela Comboio de corda (2007)
>>> Los 3 Escribas de Nilton Pavin e outros pela Vozes do Mundo (2018)
>>> Passageira 45. O Vale Dos Mistérios de Luis Eduardo Matta pela Le (2015)
>>> Wendy Matraca. Quer Um Bicho De Estimação de Wendy Meddour pela Vergara & Riba (2015)
>>> O Reizinho Mandão de Ruth Rocha pela Salamandra (2013)
>>> O Domínio de Steve Alten pela Suma De Letras (2010)
>>> Lua No Cinema E Outros Poemas de Eucanaã Ferraz pela Seguinte (2011)
>>> Contos De Fadas Celtas de Joseph Jacobs pela Principis (2021)
>>> Ei! Tem Alguém Aí? de Jostein Gaarder pela Companhia Das Letrinhas (1997)
>>> Dor. Princípios e Pratica de Onofre Alves Neto pela Artmed (2008)
>>> Kafka E A Boneca Viajante de Jordi Sierra i Fabra pela Martins (2009)
>>> Venha Ver O Pôr-do-sol E Outros Contos de Lygia Fagundes Telles pela Editora Ática (2007)
>>> Kafka E A Boneca Viajante de Jordi Sierra i Fabra pela Martins (2009)
>>> O Meu Pe De Laranja Lima de José Mauro de Vasconcelos pela Melhoramentos (2005)
>>> Metodologia Da Investigacao Cientifica Para Ciencias Sociais Aplicadas de Carlos Renato Theophilo pela Atlas (2009)
>>> A Decadência do Ocidente de Oswald Spengler pela Jorge Zahar (1964)
>>> A Outra Face de Sidney Sheldon pela Círculo do Livro (1989)
>>> Dicionário Técnico De Pina - Inglês/Português - Vol. 1 de Avelino de Pina Araujo pela McGraw Hill (1978)
>>> Senhor Milagre - Vol. 1 de Jack Kirby pela Opera Graphica (2003)
>>> Poderosa de Sergio Klein pela Fundamento (2025)
COLUNAS

Sexta-feira, 12/4/2013
O escritor e as cenas: mostrar e não dizer
Marcelo Spalding
+ de 8400 Acessos

Seguindo a série de publicações exclusivas no Digestivo Cultural com dicas de criação literária da minha Oficina de Criação Literária Online, abordo hoje o grande segredo da criação literária: narrar. O leitor quer ler boas narrativas, boas histórias. Cuide, porém, a diferença entre narrar (to show) e contar (to tell). É a diferença entre a narrativa e o resumo.

Fazer literatura não é amontoar fatos, resumos de acontecimentos. É preciso narrar cada fato, individualizando-os e envolvendo o leitor. É importante, também, que o escritor mostre ao leitor o que está acontecendo em vez de dizer, contar.

David Lodge, em A arte da ficção, tem uma distinção primorosa entre cena e sumário:

"O Discurso ficcional alterna o tempo inteiro entre mostrar dizer o que aconteceu. A forma mais pura de semostrar são as falas dos personagens, em que a linguagem espelha com precisão o acontecimento (uma vez que o acontecimento é linguístico)." Isso seria a cena.

"A forma mais pura de se dizer é o resumo autoral [chamado aqui de sumário], em que a concisão e a abstração da linguagem do narrador apagam o caráter particular e individual dos personagens e suas ações.Um romance escrito do início ao fim na forma de sumário seria, portanto, quase ilegível.Mas o recurso tem seus usos: é capaz, por exemplo, de acelerar o ritmo de uma narrativa, fazendo-nos passar mais depressa por acontecimentos desinteressantes."

Imagina que você queira contar a história de um homem extremamente metódico que, por isso, perdeu sua mulher e seu filho. Você primeiro cria toda a história na sua cabeça ou num papel de rascunho, anota episódios e elementos de sua personalidade, de sua infância, faz uma lista das personagens com quem ele convive ou conviveu, pensa em seus atributos físicos, suas manias, etc. Você sem dúvidas tem elementos para um romance, mas irá escrever um conto de no máximo cinco páginas.

A solução de um escritor iniciante seria simplesmente ir listando os fatos principais, um em cada parágrafo, e rapidamente pulando no tempo e nos informando que ele teve uma infância difícil, pois perdera a mãe muito cedo e foi criado em escola de padres, depois custou a casar, em dúvida entre o casamento ou a vida religiosa, adiante teve uma filha, embora quisesse muito ter tido um filho, depois a filha acabou morrendo, o que o causou muito sofrimento, mas logo a mulher engravidou de um menino que, apesar de ser muito diferente dele, cativou-o desde o primeiro choro. Bem, por aí vai. A essa sucessão de acontecimentos chamamos de sumários.

Um escritor mais experiente, que sabe da importância de conquistar o leitor através de cenas, escolherá dois ou três episódios da vida desse homem para descrever com mais detalhes estes episódios, individualizando-os.

Por exemplo, o escritor pode escolher o dia em que o menino chega na escola de padres e retira uma foto da falecida mãe; o dia do nascimento da filha e de como ele olha para o crucifixo na parede, lembrando do quão difícil foi escolher entre isso ou a vida religiosa e de quantas dúvidas tem se fez ou não a escolha certa; um diálogo entre o homem e um conhecido numa pracinha em que os filhos de ambos brincam, diálogo em que o outro brinca com o fato de o menino ser tão diferente do homem, trazendo à tona todas as dúvidas de nosso protagonista e todo o medo que ele tem de perder a criança, a quem tem tanto amor.

Como criar cenas

Você pode pensar em cada cena como no cinema ou no teatro, já que o próprio conceito de cena vem do teatro. Enquanto a câmera está no mesmo ambiente, com os mesmos personagens e seguindo um tempo linear, temos uma cena.

Quando ela virou a página dois, foi Rudy quem notou. Atentou diretamente para o que Liesel estava lendo e deu um tapinha no irmão e nas irmãs, dizendo-lhe para fazerem o mesmo. Hans Hubermann aproximou-se e convocou a todos e, em pouco tempo, uma quietude começou a escoar pelo porão apinhado. Na página três, todos estavam calados, menos Liesel.

A menina não se atreveu a levantar os olhos, mas sentiu os olhares assustados prenderem-se a ela, enquanto ia puxando as palavras e exalando-as. Uma voz tocava as notas dentro dela. Este é o seu acordeão, dizia.

O som da página virada cortou-os ao meio.

Liesel continuou a ler. (...)

Todos esperavam o chão estremecer.

Essa ainda era uma realidade imutável, mas agora, ao menos, eles estavam distraídos com a menino e o livro. Um dos garotos menores pensou em chorar de novo, mas, nesse momento, Liesel parou e imitou seu papai, ou até Rudy, aliás. Deu-lhe uma piscadela e recomeçou.

Só quando as sirenes tornaram a se inflitrar no porão foi que alguém a interrompeu.

- Estamos salvos - disse o Sr. Jenson.

- Psiu! - fez Frau Holtzapfel.

Liesel ergueu os olhos.

- Só faltam dois parágrafos para o fim do capítulo - disse, e continuou a ler, sem fanfarra nem aumento da velocidade. Apenas as palavras. 

(trecho de A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak)

O diálogo, claro, é um aliado importante para manter a cena, mas evite abusar do diálogo, o bom escritor saberá dosar narrativa com diálogo, lançando mão das falas apenas quando for essencial.

Os padres engasgavam-se de riso. Já duas canecas de vinho estavam vazias: e o padre Brito desabotoara a batina, deixando ver a sua grossa camisola de lã de Covilhã, onde a marca da fábrica, feita de linha azul, era uma cruz sobre o coração.

Um pobre então viera à porta rosnar lamentosamente Padre-Nossos; e enquanto Gertrudes lhe metia no alforje metade duma broa, os padres falaram dos bandos de mendigos que agora percorriam as freguesias.

- Muita pobreza por aqui, muita pobreza! dizia o bom abade. Ó Dias, mais este bocadinho da asa!

- Muita pobreza, mas muita preguiça, considerou duramente o padre Natário. - Em muitas fazendas sabia ele que havia falta de jornaleiros, e viam-se marmanjos, rijos como pinheiros, a choramingar Padre-Nossos pelas portas. - Súcia de mariolas, resumiu. 

(trecho de O Crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós)

Vale lembrar que na literatura, diferentemente do vídeo, o escritor pode mesclar a narrativa com reflexões do personagens, descrições do cenário, comentários próprios. Até os pensamentos de um cão, como no genial Machado de Assis, podem ajudar na composição da cena:

Machucado, separado do amigo, Quincas Borba vai então deitar-se a um canto, e fica ali muito tempo, calado; agita-se um pouco, até que acha posição definitiva, e cerra os olhos. Não dorme, recolhe as idéias, combina, relembra; a figura vaga do finado amigo passa-lhe acaso ao longe, muito ao longe, aos pedaços, depois mistura-se à do amigo atual, e parecem ambas uma só pessoa, depois outras idéias. 

(trecho de Quincas Borba, de Machado de Assis)

É possível que cada cena ocupe um parágrafo próprio (ou vários, dependendo de sua extensão e importância na trama). Evite várias cenas no mesmo parágrafo. Evite, também, mudar de ponto de vista narrativo em meio a uma cena. Se o fizer, deixe isso claro para o leitor, talvez trocando o parágrafo.


Marcelo Spalding
Porto Alegre, 12/4/2013

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Clube de Leitura Cult de Eugenia Zerbini
02. Adolescente lê, sim, senhor! de Ana Elisa Ribeiro
03. Legião o quê? de Lucas Rodrigues Pires
04. Pelas curvas brasileiras de Tais Laporta
05. We the Media, de Dan Gillmor de Julio Daio Borges


Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2013
01. A literatura infanto-juvenil que vem de longe - 1/2/2013
02. Por uma lógica no estudo da ortografia - 12/7/2013
03. A poesia concreto-multimídia de Paulo Aquarone - 14/6/2013
04. Dicas para a criação de personagens na ficção - 1/3/2013
05. O escritor e as cenas: mostrar e não dizer - 12/4/2013


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Alma de Nietzsche
Maudemarie Clark
Cultrix
(2016)



30 Dias Em Sydney
Peter Carey
Companhia das Letras
(2001)



Chique É Ser Saudável- o Prazer de uma Alimentação Sem...
Heloisa Bern
Sedna
(2006)



Robinson Crusoe Trad: Flávio P. de F
Daniel Defoe
Martin Claret
(2009)



O Amante
Marguerite Duras
Rio Gráfica
(1986)



Cavaleiros do Zodíaco - Episódio G - Vol. 6
Masami Kurumada / Megumu Okada
Conrad
(2005)



O Óbvio Ululante
Nelson Rodrigues
Eldorado
(1968)



A Mulher Com Olhos De Fogo - O Despertar Feminista - Literatura
Nawal El Saadawi
Faro
(2019)



A Dinâmica Da Ação Educativa
Pierre Vayer e Jean Destrooper
Piaget
(1976)



Las Viejas Putas
Copi
Anagrama
(1982)





busca | avançada
34956 visitas/dia
2,0 milhões/mês