Os Doze Trabalhos de Mónika. 1. À Beira do Abismo | Heloisa Pait | Digestivo Cultural

busca | avançada
61129 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Simões de Assis | Individual de Carlos Cruz-Diez
>>> Jazz Festival: Primeira edição de evento da Bourbon Hospitalidade promete encantar com grandes nomes
>>> Coletivo Mani Carimbó é convidado do projeto Terreiros Nômades em escola da zona sul
>>> CCSP recebe Filó Machado e o concerto de pré-lançamento do álbum A Música Negra
>>> Premiado espetáculo ‘Flores Astrais’ pela primeira vez em Petrópolis no Teatro Imperial para homenag
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
Colunistas
Últimos Posts
>>> A melhor análise da Nucoin (2024)
>>> Dario Amodei da Anthropic no In Good Company
>>> A história do PyTorch
>>> Leif Ove Andsnes na casa de Mozart em Viena
>>> O passado e o futuro da inteligência artificial
>>> Marcio Appel no Stock Pickers (2024)
>>> Jensen Huang aos formandos do Caltech
>>> Jensen Huang, da Nvidia, na Computex
>>> André Barcinski no YouTube
>>> Inteligência Artificial Física
Últimos Posts
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Nosso Lar
>>> Bárbara Heliodora
>>> Uma leitura jornalística
>>> Prática de atelier: cores personalizadas *VÍDEO*
>>> Cheiro de papel podre
>>> O Nome Dele
>>> Um Leitor sobre Daniel Piza
>>> Um Furto
>>> Homenagem a Pilar del Río
>>> O Debate...
Mais Recentes
>>> Mulher Enjaulada de Jussi Adler-olsen pela Record2 (2014)
>>> As Melhores Receitas da Cozinha Portuguesa - Os segredos da cozinha das nossas avós de Vários Autores pela Globo
>>> As Melhores Receitas da Cozinha do Nordeste - Os segredos da cozinha das nossas avós de Vários Autores pela Globo
>>> As Melhores Receitas da Cozinha Baiana - Os segredos da cozinha das nossas avós de Vários Autores pela Globo
>>> Quem vai Salvar a Vida? de Ruth Rocha pela Salamandra (2015)
>>> Livro Cáuculo - volume 2 de Maurice D. Weir pela Pearson (2024)
>>> O Código da Vinci - Roteiro Ilustrado de Akiva Goldsman pela Sextante (2006)
>>> Delícias da Kashi - Gastronomia Vegana Gourmet de Kashi Dhyani pela Mauad X (2016)
>>> Livro Microbiologia Para As Ciências Da Saúde de Paul G. Engelkirk pela Guanabara Koogan (2005)
>>> Livro Comunicação E Comportamento Organizacional PLT 111 de Geraldo R. Caravantes pela Fisicalbook (2014)
>>> Livro Finanças Corporativas: Conceitos E Aplicações de Jose Antonio Stark Ferreira pela Pearson (2005)
>>> Livro Introdução a Genética PLT 248 de Anthony J F Griffiths ; RiCHARD C. Lewontin pela Guanabara (2008)
>>> Teoria Geral Da Administração. Da Revolução Urbana À Revolução Digital de Antonio Cesar Amaru Maximiano pela Atlas Br (2011)
>>> LivroTeoria Geral Da Administração: Da Revolução Urbana À Revolução Digital de Antonio Cesar Amaru Maximiano pela Atlas (2008)
>>> O Porco de William Hope Hodgson pela Diário Macabro (2024)
>>> Arvore Do Beto de Ruth Rocha pela Salamandra (2010)
>>> A Casa No Limiar e Outras Histórias Macabras de William Hope Hodgson pela Diário Macabro (2024)
>>> Ponto De Vista de Sonia Bergams Salerno Forjaz pela Moderna (2014)
>>> A Grande Campea de Maria Cristina Furtado pela Do Brasil (2015)
>>> Amigos De Verdade de Telma Guimarães Castro Andrade pela Brasil Literatura (2010)
>>> Bleach 57 - Out of Bloom de Tite Kubo pela Panini Comics (2014)
>>> O Fantástico Mistério De Feiurinha de Pedro Bandeira pela Moderna (2009)
>>> Cantigas Por Um Passarinho A Toa de Manoel de Barros pela Companhia Das Letrinhas (2018)
>>> Bleach 56 - March of the Stacross de Tite Kubo pela Panini Comics (2013)
>>> A Historia Do Natal. O Livro Animado Que Conta Como O Menino Jesus Nasceu de Justine Swain-smith pela Publifolha (2008)
COLUNAS

Quinta-feira, 13/4/2017
Os Doze Trabalhos de Mónika. 1. À Beira do Abismo
Heloisa Pait
+ de 5200 Acessos

O campus era lindo. Os pequenos prédios de concreto pintado dispunham-se em ziguezague, ligados por passarelas de terra vermelha que de tempos em tempos alguém resolvia calçar. De inverno a outono, o sol brilhava. O calendário flutuava conforme as greves. Mónika retomava hoje o hábito interrompido de passear à tarde pelo campus, quebrando assim as horas diante do computador. Cruzou o jardim central, onde recentemente tinham erigido um prédio, e circundou o refeitório. Um grupo de jovens cuidava da horta comunitária. Outro sustentava cartazes frente à diretoria. Atrás, uma construção nova, de um piso só, abrigava salas de apoio variadas. Depois o pomar, com as árvores todas da terra. Tinha um loureiro, com suas folhas duras e grossas. E também árvores que davam frutinhas mais azedas que pitanga. Sempre pensava em levar algumas para casa, mas na correria acabava esquecendo!

Andou até o campo de futebol, o sol já estava baixo. Luminoso, mas baixo. Depois passou pelos abacateiros, e aí aquela espécie de cisterna, não sabia bem o que era, talvez tratamento de esgoto, um cogumelo de concreto parecido com o que seus pais descreviam haver na Romênia. Ficou olhando a cisterna ou o que fosse. Por que ninguém ia ali? Será que era perigoso? Nem bitucas de cigarro, nem preservativos, nada. Nenhum encontro clandestino. A cisterna seria, sei lá, contaminada, radioativa? Nem pichações. Um domo de concreto e Mónika olhando. Não era uma mulher corajosa. Só que não temia por antecipação, não pensava: “Não vou lá pois ninguém vai e é perigoso.” Quando temia, já era tarde demais, estava ali e aquela cisterna podia degluti-la que ninguém saberia. Abandono de emprego.

Contemplou a cisterna como se fosse uma pirâmide egípcia, um monumento inca. Aí fugiu, só que avançando na mata. Havia uma trilha, ela caminhou bem cuidadosa. E se tropeçasse? Estava longe de qualquer um, nem grito ouviriam. A trilha descia um pouco, depois terminava numa pirambeira. Mas onde? A mata encobria. Agachou para enxergar entre os troncos, se inclinou para frente, ia cair de boca, jogou o corpo pra trás, caiu de bunda, escorregou mas conseguiu se prender a um tronco grosso, com o braço. Estava pendurada pelo cotovelo e no mais parecia solta. Teve medo do ombro se despregar, teve um pânico infernal. Depois se acalmou, viu que tinha apoio no quadril, e podia buscar um lugar onde apoiar o pé direito. O joelho esquerdo meio encalacrado numa árvore, imprestável. Empurrou-se para cima, conseguiu botar a mão esquerda no tronco, empurrou-se mais um pouco, finalmente sentou na beira da trilha, as mãos todas sujas de barro. Teve ânsia, viu o vômito escorrendo pirambeira abaixo, observou as mãos tremendo, sentiu o coração aos poucos se acalmando pensou: “quase me estrepo toda.” Respirou fundo, enxugou a boca no braço da camisa, levantou-se e voltou ao campus.

Não estava bem. As pernas tremiam, não conseguia passar perto da cisterna, não estava bem mesmo.

– Professora, Professora Mónika, a senhora está bem?

Mónika procurava a voz.

– Professora, aqui, a senhora está bem?

Um senhor acenava para ela mais ao alto. Ela fez que sim. Ele se aproximou.

– Está bem mesmo?

– Que bom o senhor aqui, na verdade queria um copo d’água, sentar um pouco. Que bom o senhor passando.

– Depois que a vi nos abacateiros, resolvi acompanhá-la com os olhos.

É verdade, um funcionário da faculdade havia puxado conversa sobre os abacateiros. Tinha falado de outras árvores também, plantas frutíferas.

Caminhavam juntos.

– O senhor tem um sotaque, de onde é?

– Sou da Galícia.

– Espanhola?

– Por certo, a Galícia espanhola. Conhece galego?

– Alguns autores só. Nunca estive lá. O senhor trabalha aqui?

– Sim, sou o supervisor da manutenção. Já nos vimos algumas vezes.

– Perdão, sou distraída. Perdão.

– Não há razão. Venha, vou lhe oferecer um copo d’água e um banquinho para se sentar.

O homem lhe estendeu o braço e ela, que não sabia muito bem andar apoiada, aceitou. Andaram pela grama alta até um pequeno casebre de madeira, com uma porta precária fechada a cadeado.

– Venha, sente-se cá.

O lugar era escuro. A vista demorou a se adaptar. Mónika ficou em pé, olhando o espaço apertado, iluminado por uma lâmpada pensa ao teto.

– Joaquín – ele disse, adiantando-se na apresentação e oferecendo um copo d’água. Havia no lugar uma pia de mármore, copos de vidro grosso, e o filtro de barro. Não se parecia com os outros lugares do campus, feitos de alumínio e plástico.

– Prazer. Desculpe. – Ao invés de agradecer, ela se desculpava.

Sentou e voltou a desculpar-se.

– Desculpe.

Ele ficou de pé, tirou um pano pendurado na torneira, molhou, torceu e ofereceu para ela. Ela passou no rosto, depois na boca, aos poucos o gosto ruim ia embora. Finalmente agradeceu:

– Obrigada. O que o senhor faz mesmo?

– Sou o supervisor de manutenção.

– Mas que é isso?

– Se uma porta se quebra, é meu setor que conserta.

– E o vespeiro?

Havia um vespeiro no meio do prédio de aulas. Mónika entrava na sala e se perguntava o que aconteceria se alguém incomodasse as vespas, se elas iriam para cima dos alunos dela. E se alguém tivesse alergia, como seria?

Joaquín riu.

– Agora entendo por que uma mulher tão bonita quanto a senhora tem tantos adversários. – Jogou a cabeça para trás e riu novamente. – Praticamente a salvo do abismo e a senhora vem me cobrar a respeito do ninho de insetos. É mesmo uma pândega.

Mónika riu também. Gostava que rissem dela. Virou a cabeça para baixo e para o lado, sorriu.

– Mas o vespeiro é um perigo, não?

– Sim, mas é responsabilidade da vigilância sanitária, não da universidade. Não se pode perturbar assim a natureza ao bel-prazer. Se a vigilância atestar que há um risco, aí podemos contratar um serviço de remoção.

– Entendo. – Mónika já não pensava nas vespas. Voltava a atenção ao quartinho, com a copa à direita, ferramentas penduradas na parede atrás de si, e uma enorme estante na outra, no lado oeste. – Vejo que tem muitos livros aqui. Da biblioteca?

A estante, observando bem, estava a um palmo da parede. Joaquín cuidava bem dos livros, e não queria umidade. A prateleira superior, além disso, tinha uma espécie de cobertura por cima, como um chapéu, um teto.

– Alguns são, sim, emprestados. A maioria comprei, alguns são doações de professores. Tenho fama de ler, então mos dão.

– E você... esse lugar... você sempre vem aqui?

– É um canto que construí para mim, não é parte do campus. Quer dizer, está no campus, mas não oficialmente, entende? Então venho aqui ler uns livros e passar o tempo. Apetece-lhe o lugar, pois não?

– Sim. Acho que sim.

– Venha quando quiser, professora.

Entre o banquinho e a estante, cortando o puxado todo, havia uma rede de dormir. Atrás dela, uma luminária nova em folha, cromada, potente. Era ali que Joaquín lia, com certeza. Olhou para ele e sorriu, sem jeito. Estava toda ela sem jeito ali naquele barraco.

– Acho que estou cansada, o... o incidente, o susto, cansei mesmo.

– Fique à vontade, professora. Querendo deitar-se na rede, ela está aí para isso mesmo, para que nos recuperemos.

Ela pulou para a rede, ele ocupou o banquinho.

– Queria apenas, se não fosse importuná-la, tocar-lhe os belos seios, mas isso apenas se não houver qualquer objeção de sua parte.

– Nenhuma – ela disse.

Está no ar a segunda aventura de Mónika, O Catolotolo.

Esta é uma obra de ficção; qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência.


Heloisa Pait
São Paulo, 13/4/2017

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Carol Sanches, poesia na ratoeira do mundo de Jardel Dias Cavalcanti
02. Era uma casa nada engraçada de Cassionei Niches Petry
03. Como se me fumasse: Mirisola e a literatura do mal de Jardel Dias Cavalcanti
04. Existe na cidade alguém, assim como você... de Elisa Andrade Buzzo
05. Notas confessionais de um angustiado (I) de Cassionei Niches Petry


Mais Heloisa Pait
Mais Acessadas de Heloisa Pait em 2017
01. Os Doze Trabalhos de Mónika. 1. À Beira do Abismo - 13/4/2017
02. Os Doze Trabalhos de Mónika. 5. Um Certo Batitsky - 21/12/2017
03. Os Doze Trabalhos de Mónika. 4. Museu Paleológico - 13/7/2017
04. Os Doze Trabalhos de Mónika. 6. Nas Asas da Panair - 28/12/2017
05. Os Doze Trabalhos de Mónika. 3. Um Jogo de Poker - 29/6/2017


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




La Practica Docente y Sus Fundamentos Psicodidacticos
J Ricardo Nervi
Kapelusz
(1969)



Contabilidade Pública
Alexandre Costa Quintana e Outros
Atlas
(2011)



Mar Profundo
Romesh Gunesekera
L&pm
(2006)



Introdução a Ciência do Direito
André Franco Montoro
Revista dos Tribunais
(1997)



Livro Infanto Juvenis O Menino de Palmares Coleção Jovens do Mundo Todo
Isa Silveira Leal
Brasiliense
(1981)



Reflexões Sobre a Arte
Alfredo Bosi
Atica
(1991)



O Dia do Chacal
Frederick Forsyth
Record
(1971)



Desenho de Perspectiva
Robert W. Gill
Desenho de Perspectiva
(1980)



Livro Literatura Estrangeira O Advogado
John Grisham
Rocco
(1998)



Livro Infantil Mitos e Lendas do Folclore Do Brasil
Mario Bag
Paulinas
(2013)





busca | avançada
61129 visitas/dia
2,1 milhões/mês