Os Doze Trabalhos de Mónika. 5. Um Certo Batitsky | Heloisa Pait | Digestivo Cultural

busca | avançada
119 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> DR-Discutindo a Relação, fica em cartaz até o dia 28 no Teatro Vanucci, na Gávea
>>> Ginga Tropical ganha sede no Rio de Janeiro
>>> Coordenadoria de Reintegração Social e Cidadania abre processo seletivo
>>> Cultura Circular: fundo do British Council investe em festivais sustentáveis e colaboração cultural
>>> Construtores com Coletivo Vertigem
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Que tal fingir-se de céu?
>>> Publique eletronicamente ou pereça: Ken Auletta na New Yorker
>>> Cabeça de Francis
>>> Jornalistossaurus x Monkey Bloggers
>>> A alma boa de Setsuan e a bondade
>>> A alma boa de Setsuan e a bondade
>>> A alma boa de Setsuan e a bondade
>>> Primavera dos Livros do Rio 2005
>>> Processo de Eliminação
>>> Ensaio de interpretação do Orkut
Mais Recentes
>>> Enquanto O Amor Não Vem - Em Busca de si e do Amor que se deseja de Iyanla Vanzant pela Sextante (1999)
>>> Livro Matemàtica Financeira : Objetiva e Aplicada de Abeleardo de Lima Puccini pela Saraiva (2002)
>>> Livro Tábuas de Casas Para O Hemisfério Sul de Carlos Alberto Boton pela Pensamento (1997)
>>> O Alienista - serie bom livro, texto integral de Machado de Assis (com edição critica do INL) pela Ática (1994)
>>> Agosto - romance de Rubem Fonseca pela Companhia das Letras (1990)
>>> O Epicurismo e Da Natureza de Lucrecio (contem antologia de textos de Epicuro) coleção universidade de Bolso de Lucrecio( prefacio, notas e tradução de Agostinho Silva) pela Ediouro
>>> Os Aventureiros da Terra Encantada de Luis Antonio Aguiar( ilustrações Lielzo Azambuja) pela Terra Encantada
>>> Sidarta - Col. O globo 8 de Hermann Hesse pela O Globo (2003)
>>> Risco Calculado de Robin Cook pela Record (1996)
>>> Marcador de Robin Cook pela Record (2007)
>>> 007 O Foguete da Morte de Ian Fleming pela Civilização Brasileira
>>> Duas Semanas em Roma (capa dura) de Irwin Shaw pela Círculo do Livro
>>> Textbook Of Critical Care de Mitchell P. Fink, Edward Abraham, Jean-louis Vincent, Patrick Kochanek pela Saunders (2005)
>>> A Inquisição na Espanha de Henry Kamen pela Civilização Brasileira
>>> So O Amor E Real de Brian L. Weiss pela Salamandra (1996)
>>> Shike - O Tempo dos Dragões livro 1 de Robert Shea pela Record (1981)
>>> A Revolução Russa ( em quadrinhos) de André Diniz pela Escala (2008)
>>> O Pimpinela Escarlate do Vaticano de J. P. Gallagher pela Record
>>> Dicionário das Famílias Brasileiras - Tomo II (volumes 1 e 2) de Antônio Henrique da Cunha Bueno e Carlos Eduardo pela Do Autor (2001)
>>> Todas as Faces de Laurie de Mary Higgins Clark pela Rocco (1993)
>>> Toxina de Robin Cook pela Record (1999)
>>> O Fortim de F. Paul Wilson pela Record (1981)
>>> A Fogueira das Vaidades (capa dura) de Tom Wolf pela Círculo do Livro
>>> O Canhão de C. S. Forester pela Círculo do Livro
>>> Grandes Anedotas da História (capa dura) de Nair Lacerda pela Círculo do Livro
COLUNAS

Quinta-feira, 21/12/2017
Os Doze Trabalhos de Mónika. 5. Um Certo Batitsky
Heloisa Pait
+ de 4300 Acessos

Leia a primeira aventura de Mónika, À Beira do Abismo.

Mesmo um pouco distante dos grandes centros de pesquisa, era comum que a faculdade hospedasse seminários internacionais de alto nível, com financiamentos das agências e publicações posteriores. Uma vez esteve no campus uma sumidade na luta global contra a circuncisão masculina. O problema era que ninguém falava um bom inglês no campus. Um pouco por ideologia antiamericana, um pouco por não acharem que o idioma era importante para a carreira acadêmica, mas fundamentalmente por não lhes ter passado pela cabeça que o emprego exigia produção intelectual. Então era sempre um auê para conseguirem um tradutor.

Quem coordenava a conferência de agora era o professor Hamilton, o mesmo que havia organizado, uns anos antes, um debate sobre o papel dos policiais espíritas nos anos de chumbo do regime militar, tema bem espinhoso que revelava que o positivismo, o militarismo, e a própria ditadura no Brasil era um enorme balaio de gatos. Pois uma coisa era sair por aí citando Žižek a respeito do fim do significado – o tal pós-modernismo. Outra coisa era admitir que o mundo, ele mesmo, esse aí no qual vivemos, pudesse ser feito de balaios repletos de gatos.

Mas nós, que já conhecemos Mónika o bastante, sabemos que era esse tipo de tema – os balaios de gatos – que a encantavam, e então na época foi à palestra desarmada, para ouvir de que se tratava, quem sabe até aprender. Viu lá os velhinhos espíritas, jovens num tempo distante, trocando reminiscências sobre o golpe, a repressão, como cada um se portou, pois não era fácil ser qualquer coisa naquele tempo, quanto mais sargento espírita.

Ao final do debate, foi almoçar com os palestrantes e com o professor Hamilton, onde continuaram contando casos, Mónika sempre ouvindo atenta, que era seu jeito, mas também doce e feminina, que era seu modo de ser em eventos com velhinhos, quando deixava que eles a abraçassem e a olhassem carinhosos, pois quanto é que não valia uma boa história que na época não era sua, mas agora já era?

E por conta dessa presença interessada e amorosa é que o professor Hamilton lhe tinha gratidão. Quem é que na universidade ia nos eventos organizados pelos outros? Assim, por mera curiosidade?? Era coisa rara. Hamilton tinha suas suspeitas com relação a Mónika, decerto. O professor era aliado do provecto kautskista e da perigosa diretora. Verdade. Ao mesmo tempo, gostava de Mónika, a abraçava nos caminhos do campus, trocava cumprimentos em húngaro, todo animado, pois não é que havia, antes da queda do muro, morado no país natal da colega?

Natural que ele a convidasse para ajudar na tradução da conferência internacional em homenagem a Pavel Batitsky.

Quem faria a palestra de abertura era um diplomata russo, ainda da época da perestroika de Gorbachev. Um sujeito atarracado, peludo, de olhos pretos e próximos que lembrava em tudo um urso. Mónika falava russo muito mal. E o sujeito falava inglês pior ainda. Mas seu húngaro era bem compreensível, por razões nas quais Mónika não quis se aprofundar. Então ele falava em húngaro, e ela traduzia para o português. Mónika não era exatamente competente na tarefa. Às vezes o húngaro do sujeito derrapava, e ela traduzia para um húngaro mais aceitável. Às vezes discordava, e enfiava sua própria interpretação na fala. O humor era o mais constrangedor. Dois alunos mais velhos, ao fundo do auditório, riam quando o russo fazia piada, mas quando ela traduzia ninguém achava graça.

O diplomata russo tinha uma tese. Que o bravo Batitsky, no momento em que metia um tiro nas fuças do temido Beria, o Georgiano, freou a revolução húngara em andamento e deu uma sobrevida ao socialismo europeu por uma geração inteira. Isso, para o russo, era ponto pacífico na historiografia da contra-revolução soviética. Mas ele ia mais longe: Batitsky não era um mero pau-mandado, um soldado obediente, um servidor da nação executando um stalinista em desgraça. Não. Era um homem dono de si, que desceu ao porão onde Beria se encontrava preso e amedrontado, com o objetivo cristalino de mudar o curso da história, transformando um possível pós-stalinismo em um stalinismo vivo e tépido, os anos Kruchev. O convidado celebrava portanto o marechal soviético por seu espírito visionário e sua coragem histórica. Mónika não se conteve.

– Alto lá, – ela disse de modo seco, mais baixo que o normal – então você está celebrando a vitória do poder opressor soviético sobre a Europa Oriental? Eu não posso admitir isso!

– Por que não? – o espião perguntou.

– Beria era uma ameaça tenebrosa aos democratas de todo o Leste, russos ou europeus. Um facínora. A morte de Beria... Beria... – Mónika percebeu com um certo atraso o tom de ameaça da pergunta do russo. – Então Beria... Beria...

Mónika não conseguia terminar a frase. Ficou olhando o urso com seu olhar parado e imaginava tudo ao contrário, a bala saindo da cabeça de Beria e indo parar no pulso do militar soviético, herói de guerra.

– Você defende a queda do império soviético? – o russo insistiu, sem curiosidade.

– Se eu defendo a queda do império soviético? – Mónika quis confirmar a pergunta, para ganhar tempo. O império soviético havia caído, não fazia sentido defender ou atacar. Que pergunta era aquela?

– Sim, você defende a queda do império soviético?

Mónika pensava na avó, sempre tão elegante, mas cheia de conselhos práticos. Aprenda inglês como se fosse construir uma ponte, alemão como se fosse misturar reagentes, francês como se fosse ter com o rei. “E russo, vó?” Russo, como se tivesse que sobreviver no inverno. Mónika estava em pleno inverno, congelada num gulag, e seu russo não era lá dos melhores.

– Sim, eu defendo a queda do império soviético! – ela afirmou, tomando coragem. – Defendo a queda de todos os impérios opressivos, que se valem de corrupção e violência para impôr seus objetivos. Defendo a queda também, já que estamos no embalo, das burocracias inescrupulosas que minam a capacidade criadora dos homens e mulheres, queda esta, entenda-se, a vir das luzes de Diderot e D’Alembert, sem um tiro, uma prisão, queda pela razão e pelo diálogo.

Mónika não parava:

– Defendo iluminar esta instituição em particular, seus feudos acadêmicos cercados por fossos impenetráveis que geram tanta frustração em alunos e professores. Defendo – Mónika se dirigia à platéia com entusiasmo – rever nossas relações baseadas na obediência intelectual e na intimidação ideológica, práticas inadmissíveis numa sociedade moderna e democrática. Defendo... – Mónika perdia fôlego à medida que notava a face impassível da platéia diante de suas graves denúncias.

– Defende falar em húngaro para o público aqui presente, Professora Doutora Mónika? – perguntou o convidado, sarcástico e paternalista.

Mónika parou envergonhada a sua pregação. Voltou a Beria e ao militar que o abateu, meio século atrás. Desculpou-se pela tradução ausente, e explicou o debate o melhor que pode. Falou das negociações de Beria para liberalizar a economia húngara depois da morte de Stalin, e do freio a essas reformas com o fuzilamento de Beria. Explicando em português, aceitava a tese do russo. Era incrível, fazia sentido. Aquele desgraçado do Beria poderia mesmo ter encurtado a tragédia européia em 3 décadas. Fazia sentido. Kruchev havia denunciado Stalin e mantido o stalinismo. Mónika virou para o lado, sorriu para o assassino que dava a palestra. Ele parecia satisfeito, como se tivesse acabado de terminar uma tortura muito produtiva.

O primeiro dia do seminário estava acabando. Havia mais dois dias e, se tudo corresse bem, nenhum trabalho adicional para Mónika. Os alunos levariam os convidados estrangeiros para o hotel conveniado. Era um alívio que dominassem várias línguas, até mesmo o inglês. Mónika voltava insone para seu hotel; um quarto a esperava. Temia o espião russo e seus dois parceiros na platéia. Temia a diretora, assim como o vice-diretor, falecido no último ano, cujo endereço eletrônico continuava recebendo mensagens.

O pior seria se fosse descoberta.

Está no ar a sexta aventura de Mónika, Nas asas da Panair.

Esta é uma obra de ficção; qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência


Heloisa Pait
São Paulo, 21/12/2017

Mais Heloisa Pait
Mais Acessadas de Heloisa Pait em 2017
01. Os Doze Trabalhos de Mónika. 1. À Beira do Abismo - 13/4/2017
02. Os Doze Trabalhos de Mónika. 5. Um Certo Batitsky - 21/12/2017
03. Os Doze Trabalhos de Mónika. 4. Museu Paleológico - 13/7/2017
04. Os Doze Trabalhos de Mónika. 6. Nas Asas da Panair - 28/12/2017
05. Os Doze Trabalhos de Mónika. 3. Um Jogo de Poker - 29/6/2017


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Documento R
Irving Wallace
Record
(1976)



O Poder da Kabbalah
Yehuda Berg
Kabbalah Publishing
(2011)



Rabi Moshé Ben Nachman Ramban
Yaacov Dovid Shulman
Maayanot
(2014)



Eu Alberto Cacciola Confesso; o Escandalo do Banco Marka
Alberto Cacciola
Record
(2001)



Manual de Redação Profissional
José Maria da Costa
Millennium
(2002)



O Silêncio dos Amantes
Lya Luft
Record
(2008)



Livro Capa Dura Infanto Juvenis O Monstro do Bosque Coleção as Aventuras da Fada Graça
Vários Autores
Impala
(2007)



O Despertar da águia
Leonardo Boff
Vozes
(2017)



O Xango de Baker Street
Jô Soares
Cia das Letras
(1996)



Poesia de Florbela Espanca - Volume 1
Florbela Espanca
L&pm Pocket
(2002)





busca | avançada
119 mil/dia
2,0 milhão/mês