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COLUNAS
Terça-feira,
22/10/2024
Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Jardel Dias Cavalcanti
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Pedro Castilho, o autor de Left Lovers, livro que comentaremos aqui, é poeta, psicanalista, professor universitário e artista plástico. Este é seu segundo livro de poesia. Publicado em inglês, sem tradução no Brasil, Left Lovers foi escrito durante o inverno, no Brooklyn, Nova York.
O livro é composto de 39 poemas, divididos em três partes (I, II, III). Apresenta um posfácio de Gerald Thomas na última capa. Não é clara a razão dos grupos de poemas estarem divididos em partes, já que o diálogo entre eles parece claro, não havendo uma diferenciação notável de um grupo para o outro.
A angústia parece predominar na maioria dos poemas. Talvez um desacerto com o presente que leva o poeta a pensar o futuro como incerto. Podemos partir do poema “Brooklyn Bridges” e dele ampliar para todo o livro alguns elementos dessa angústia. A contraposição entre o futuro que “é negro” e “Manhattan” (o presente?) que é branca, cria entre um e outro o abismo, coberto de raiva e medo, com uma “hidrovia sem saída que traz uma angústia cinza”.
BROOKLYN BRIDGES
Brooklyn bridges
The future
The future is black
Manhattan is white
Between black and White
There is a gap
That can be dressed
With anger and fear
A waterway that
Gives no way out
But brings desstre of gray
Vale notar que as cores também têm, aqui e em outros poemas, uma relevância ao apresentar estados emocionais alterados, como se pode ver no poema “Affectios of colors”, onde o amargo, o irritado, o melancólico, a inveja, a palidez e a sensibilidade são definidas pelas cores.
AFFECTIONS OF COLORS
Gray pallor
Beige sensibility
Angry green
Cold White
Bitter red
Melancholy blue
White envy
Marcante também é o poema “Sounds of Covid”, quando aquilo que era apenas um vírus vai se transformando em um estado emocional para lá de melancólico, “dizendo que a vida prefere morrer”, elevando o pensamento para uma reflexão negativa ao tomar o corpo contaminado. Essa angústia presente vem do fato de se saber que onde havia vida agora se porta espectralmente a morte.
Mesmo aquilo que poderia ser um bem, como o amor, não produz outra coisa que o desalento. Como nos poemas “With his heart” e “Transplanted heart”, no primeiro caso, aquela que tirou seu coração, sem se importar, o deixa como um “morto-vivo”, um “zumbi” que perdeu a vida em nome do amor; no segundo caso “dois amores, duas afeições” que não convergem, indo um para cada lado do corpo, “ventrículo esquerdo e direito”. O tema volta a retomar no poema “I’m blind”.
Uma espécie de corda bamba, diante de um abismo sempre perto do poeta, é o que parece sugerir boa parte dos poemas de Pedro Castilho. Uma prosa da cidade e o desalento por ela criada, a relação do poeta com o ambiente aparentemente desfavorável e criador de solidão, um corpo que não responde plenamente aos sentimentos (mãos e braços largos não sendo suficientes para abraçar o vazio da existência).
Mesmo chegando ao abismo, o fim ainda não chegou, como diz no poema “After the abyss”. Amplia-se a cada poema a sensação de uma incompletude dada pela existência, ou por situações da prosa do cotidiano, sendo cada poema uma espécie de diagnóstico do desacordo entre desejo e vida, que deixa o poeta “imerso na entropia de um ciclone sem começo nem fim.” (“I’m immersed in the entropy/ Of a cyclone/ Without begginning or end”).
Uma pena não haver a publicação da tradução do livro para nossa língua, quando se ampliaria seus leitores, aqueles mesmos que beberam da literatura que problematiza a relação do homem com a cidade moderna e a própria modernidade, desde Baudelaire, passando por Kafka e Beckett, por exemplo.
Jardel Dias Cavalcanti
Londrina,
22/10/2024
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