ENSAIOS
Segunda-feira,
29/10/2007
Senhores do tempo
Eugenia Zerbini
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No dia 12 de outubro, anunciou-se a concessão do Nobel da Paz de 2007 ao ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, por sua campanha em defesa do planeta contra o aquecimento do clima. Gore – autor do documentário Uma Verdade Inconveniente, vencedor do Oscar, no ano passado – dividirá o prêmio com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Este foi criado há 19 anos por duas organizações interestatais do sistema das Nações Unidas, a Organização Metereológica Mundial (OMM) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O IPCC popularizou-se por meio dos relatórios que publica, fruto das pesquisas de cerca de 2.500 cientistas de diferentes países, sobre o aquecimento climático e suas catastróficas conseqüências para todas as expressões de vida na Terra.
Não se desmerece o trabalho bem articulado de Al Gore – que, em sua campanha por um breque no aquecimento global, reinventou-se no cenário político dos Estados Unidos e do mundo, longe da figura fora de lugar que lhe coube na corrida para a Casa Branca, em 2000, na qual George Bush foi declarado vitorioso pela Suprema Corte. Contou o fato, porém, que o assunto não saiu um dia sequer dos holofotes da mídia durante todo este ano, devido principalmente ao mais recente relatório do IPCC, cujo sumário passou a ser anunciado a partir de janeiro. Discutir-se o aquecimento do clima virou moda: o popular bola da vez, ou o chique “talk of the town”.
À sombra das ações capitaneadas por Al Gore e pelo IPCC, pipocaram filmes e livros. Entre aqueles primeiros, o mais recente é A última hora (The 11th hour), assinado por ninguém menos que Leonardo de Caprio, uma das chamadas no programa da 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo; entre estes últimos, o mais visível é o de autoria do próprio Gore, cujo título divide com o documentário (Manole, 2006).
Mas há outros. Como Os Senhores do Clima (Record, 2007), assinado por Tim Flannery. Zoólogo e paleontologista, Flannery é professor universitário em Sidney, Austrália. Além de schollar, é um dos mais populares ambientalistas de seu país. Tudo isso, infelizmente, não agrega nem tom de novidade, nem sabor a esse seu livro. Com base em outros dados e lançando mão de outra retórica, o autor trata dos mesmos assuntos já explorados no documentário Uma Verdade Inconveniente. Embora em uma xícara bem trabalhada, Mr. Flannery nos serve um café requentado.
Não se trata de uma leitura prazerosa. O livro, enquadrado naquela chamada de literatura de divulgação científica, poderia favorecer uma leitura menos árida. O autor começa definindo os elementos abrangidos pela discussão. Essa parte é a mais didática e nela são esclarecidos conceitos quase nunca explicados, úteis até em outros contextos: o que vem a ser clima, sua diferença com relação às condições meteorológicas, o que é atmosfera, quais os gases que nela liberados aquecem-na mais efetivamente, e assim por diante.
Passa, então, para um histórico tanto do clima como dos vários estudiosos que se debruçaram sobre o tema. Aí estão concentradas as páginas mais interessantes do livro (ao menos para os aficionados em História).
Em seguida, Flannery dá provas de que o clima está esquentando (por exemplo, o derretimento das geleiras e as alterações nos hábitos de certas espécies) e atribui o fenômeno ao aumento de partículas de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (NO2) na atmosfera. O primeiro desses gases é liberado quando se queima madeira, carvão e material fóssil (petróleo). O segundo – o outrora conhecido como o gás dos pântanos – é criado por micróbios que vivem em ambientes sem oxigênio (água parada e, por exemplo, intestino dos rebanhos de gado). O terceiro, que além de ser apelidado de “gás do riso” (em virtude de sua ação no cérebro que induz a risadas), tem reconhecidas propriedades anestésicas, é produzido no uso de fertilizantes contendo nitrogênio e na queima de combustíveis fósseis e de biomassa.
São assinaladas as conseqüências negativas do aquecimento, tais como a distribuição anômala dos regimes das chuvas e o aumento das áreas desérticas, e descritas algumas das tragédias que poderão implicar: migrações ecológicas, com populações inteiras fugindo de inundações e de secas, bem como conflitos armados relacionados à luta por água potável e terras cultiváveis.
Depois disso, são mencionadas algumas das saídas mirabolantes propostas por alguns cientistas para eliminar o acúmulo de CO2 na atmosfera: liquefazer parcialmente essas emanações e enterrá-las ou então, depois de induzir o aumento do plâncton marinho – através do lançamento de limalha de ferro em certas áreas do mar –, bombear o excesso do CO2 para o oceano.
Criticadas essas hipóteses, os capítulos finais sugerem a adoção em grande escala das energias solar e eólica, criticando o ressurgimento da opção por centrais elétricas movidas a energia nuclear. O fecho da obra é a prescrição de um conjunto de medidas que todo cidadão deve tomar contra o aquecimento: optar por uma energia verde, depender menos do carro, fazer uso racional dos eletrodomésticos, adotar lâmpadas econômicas e escrever a um político sobre a mudança climática.
O maior defeito que pode ser apontado no livro é sua abordagem unidimensional. Em nenhum momento discorre sobre o fato de que a liberação de CO2 resulta da intensificação dos processos industriais iniciados no século XVIII, aprofundados no XIX e difundidos globalmente no XX. Poderia ser uma desculpa o fato de Tim Flannery ser um cientista da área biológica; essa visão mais abrangente, entretanto, seria esperada de alguém que, em 2005 – ano de publicação do livro em seu país de origem –, foi brindado com o prêmio de “O humanista do ano”. A mesma falta de dimensão social é sentida em face da prescrição de ações meramente individuais como saídas para a crise climática, quando parece óbvio que questões envolvendo clima e meio ambiente fazem parte de uma estrutura maior: a da sociedade do hiperconsumo e da hiperoferta em que vivemos.
A receita genérica – propagada notadamente depois da Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992 – de um desenvolvimento sustentável necessita ser reexaminada para que esse termo recupere, inclusive, seu verdadeiro teor. Esse desenvolvimento, que não corresponde a crescimento (só como ilustração, apontam-se as diferenças entre os conceitos de Produto Interno Bruto, PIB, e Índice de Desenvolvimento Humano, IDH), em certos momentos – e, quem sabe, este em que vivemos – pode significar uma desaceleração econômica exigida pela Natureza, exaurida que está em razão dos constantes saques a descoberto que os sistemas de produção têm imposto à conta dos recursos naturais do planeta. Novas racionalidades e eficiências – bem complexas, diga-se de passagem – necessitam ser desenvolvidas. Entre elas, destaca-se o pressuposto de que tudo que é ambiental doravante é também social (e vice-versa). Esse enfoque sócio-ambiental, como detalhado na obra do professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, José Eli da Veiga, passa a ser o mais apropriado dos instrumentos de análise e equacionamento das questões ambientais e climáticas, infinitamente mais eficaz do que qualquer modismo.
Os senhores do clima, em resumo, não acrescenta grande coisa a tudo o que já foi publicado sobre o aquecimento global. Além do mais, a tradução brasileira foi lançada já defasada, uma vez que não incorporou os números do quarto relatório do IPCC (o original do livro, The weather makers: the history and the future impact of climate change, é anterior à veiculação do mesmo). Infelizmente (oh! acelerados tempos globais), tais senhores desembarcaram no Brasil atrasados. Meu conselho: quem ainda não assistiu ao documentário Uma Verdade Inconveniente, assista; e leiam um dos livros mais recentes do Prof. Veiga: A emergência sócio-ambiental (SENAC, 2007) ou Desenvolvimento Sustentável (Garamond, 2005).
Nota do Editor
Eugenia Zerbini, que, além de autora de As netas da Ema (Record, 2005), vencedor do Prêmio SESC Literatura-2004, é advogada, especialista em Direito da Energia, pela Universidade Estadual do Rio e Janeiro (UERJ).
Eugenia Zerbini
São Paulo,
29/10/2007
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