Grande Sertão: Veredas (uma aventura) | Paulo Polzonoff Jr | Digestivo Cultural

busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições | 3ª edição do Festival Vórtice
>>> “Poetas Plurais”, que reúne autores de 5 estados brasileiros, será lançada no Instituto Caleidos
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Conflito do Oriente Médio
>>> García Márquez 1982
>>> Sex and the City, o filme
>>> Evangelización
>>> 2007 enfim começou
>>> Depeche Mode 101 (1988)
>>> Borges: uma vida, por Edwin Williamson
>>> Why are the movies so bad?
>>> Histórias de gatos
>>> Microsoft matando o livro
Mais Recentes
>>> Maria Anjinha Borboleta - Lidando Com as Perdas de Sandra Witkowski pela Tocando A Vida Com Leveza (2022)
>>> Urupês de Monteiro Lobato pela Globo (2007)
>>> Emilia no Pais da Gramatica de Monteiro Lobato pela Brasiliense (1981)
>>> Amoris Laetitia - Sobre O Amor Na Familia - Exortacao Apostolica Pos-sinodal Do Papa Francisco - Colecao Magisterio de Papa Francisco pela Paulus (2016)
>>> Deus - Coleção Deus para Pensar 3 de Adolphe Gesché pela Paulinas (2004)
>>> A Experiência Da Mesa - O Segredo Para Criar Relacionamentos Profundos de Devi Titus pela Mundo Cristao (2023)
>>> Jogos Vorazes de Suzanne Collins pela Rocco (2010)
>>> O Livro das Cartas Encantadas de Índigo pela Brinque Book (2007)
>>> Lovers and Dreamers 3-in-1 - Dream Trilogy de Nora Roberts pela Berkley (2005)
>>> O que é ideologia - Coleção Primeiros Passos de Marilena Chauí pela Brasiliense (1981)
>>> Disciplina Positiva de Jane Nelsen pela Manole (2015)
>>> Mindhunter - O Primeiro Caçador De Serial Killers Americano de Jonh Douglas / Mark Olshaker pela Intrinseca (2017)
>>> Raio X de Gabriela Pugliesi pela Reptil (2014)
>>> Cidadania Cultural o Direito à Cultura de Marilena Chauí pela Fundação perseu abramo (2006)
>>> Subindo para Jerusalém - Subsídios para um Retiro de Manuel Eduardo Iglesias pela Loyola (2001)
>>> Capitaes da Areia de Jorge Amado pela Record (1983)
>>> Alice No País Dos Números de Carlo Frabetti pela Atica (2024)
>>> Vidas Secas - 62 ed de Graciliano Ramos pela Record (1992)
>>> Vidas Secas de Graciliano Ramos pela Record (1994)
>>> Papéis de Shimon al-Masri - em arabe أوراق شمعون المصري de Osama Abdel Raouf ElShazly pela Dar Alruwaq ( (2024)
>>> Damianas Reign -Arabic - em arabe de Osama Abdel Raouf ElShazly pela Dar Alruwaq (2024)
>>> O Visconde Partido Ao Meio de Italo Calvino - Nilson Moulin tradutor pela Companhia das Letras (2006)
>>> Matematica Elementar II- Situações de Matemática do Ensino Médio de Marcelo Gorges - Olimpio Rudinin Vissoto Leite pela Iesde (2009)
>>> Livro Da Psicologia de varios Autores pela Globo (2012)
>>> Dignidade! de Mario Vargas Llosa e outros pela Leya (2012)
COLUNAS >>> Especial Guimarães Rosa

Quinta-feira, 13/4/2006
Grande Sertão: Veredas (uma aventura)
Paulo Polzonoff Jr
+ de 16300 Acessos
+ 5 Comentário(s)

Há muito tempo eu venho querendo escrever sobre a experiência de ter lido Grande Sertão: Veredas. Mas eu nunca tinha um motivo suficientemente bom para isso. Agora li que o romance de Guimarães Rosa completa 50 anos. Não é, ainda, motivo o suficiente, mas mesmo assim me animei. E tome texto!

Meu contato com Guimarães Rosa nasceu precário, depois conseguiu piorar um pouco mais. Na verdade, é um pequeno milagre que eu tenha lido - e gostado de - Grande Sertão: Veredas. Tudo, absolutamente tudo, conspirava para que eu jamais chegasse a ler o romance que não é só uma obra-prima venerada por acadêmicos; Grande Sertão: Veredas é um destes livros que mudam a vida da gente. Pelo menos a minha ele mudou.

Mas convém descrever os pormenores desta relação conturbada, até para mostrar como o ensino de literatura no país é precário. Eu não estudei em colégio público. Tive, teoricamente, uma educação de elite, com professores teoricamente bem preparados. A teoria, como se sabe, é muito diferente da prática. Prova disso foi uma tola professora de segundo grau que, durante as aulas de literatura, se punha a ler em voz alta trechos de Grande Sertão: Veredas. Para o tédio e sono dos alunos, entre eles, eu.

Talvez eu pinte um quadro infernal, graças à minha imaginação. Fato é que me lembro destas aulas como uma tortura. Eu estudava pela manhã - e as manhãs em Curitiba são frias. Some-se a isso o fato de eu não ser, de modo algum, uma pessoa matutina. Impossível prestar um mínimo de atenção na leitura da professora que, além do mais, não tinha propósito pedagógico algum. Ou ela realmente achava que algum daqueles adolescentes ali se apaixonaria por Guimarães Rosa depois daquele suplício?

Tenho cá para mim que, passados mais de dez anos, fui o único daquela turma a me aventurar pelas páginas de Grande Sertão: Veredas. E isso depois de muito desestímulo, o que mostra que sou persistente ou teimoso - dá no mesmo. Sim, porque logo depois da sonolenta leitura de trechos pela professora mais do que tola, fui obrigado a ler Primeiras Estórias para o vestibular daquele ano.

A linguagem cifrada de Rosa me pareceu intransponível. Os contos não me interessaram. Eu não conseguia perceber beleza alguma naquilo. Para entender tanta repulsa, talvez seja necessário contextualizar: por esta época eu estava interessado nos romances de aventura e nos amores sofridos do romantismo. Não havia espaço para modernismo algum. Muito menos para experiências de linguagem. Li o livro, pois, por obrigação, e, naquele momento, tudo o que apreendi dele foi por meio de um grande resumo feito por um outro professor de literatura.

Neste momento você se pergunta: por que fui ler Guimarães Rosa? A resposta é simples: pretensão. Logo depois de passar no vestibular, entrei no que chamo de "fase pretensiosa". Meu objetivo, nada modesto, era ler as principais obras literárias, não importava quão repugnantes elas parecessem. Foi deste modo que li Camus e muito Sartre, toda a obra de Clarice Lispector, Machado de Assis, evidentemente, Thomas Mann, me aventurei por Joyce (que não consegui atravessar) - e Guimarães Rosa.

Para tanto, me utilizei do depoimento de um professor, aquele mesmo do resumão de Primeiras Estórias. Contou-me o professor que também ele teve dificuldades para ler Grande Sertão: Veredas. E não há como não ter. O romance contém aquela (deliciosa) linguagem cifrada de Rosa, numa história sem pausas. Para alguém como eu, que nasceu na época da total fragmentação narrativa, ler Grande Sertão: Veredas era como construir uma nave interestelar com um chicletes velho e um punhado de clipes. E o pior é que, no meu caso, deu muito certo.

Dizia o professor que também ele teve dificuldades para ler Grande Sertão: Veredas. "As primeiras 50 páginas são praticamente impossíveis, mas depois o romance flui que é uma beleza", disse. Quando peguei o livro na estante, tive isso em mente.

Comecei a ler Grande Sertão: Veredas, na praia, no final do ano de 1999. Aquele Ano Novo era especial, porque cercado de expectativas místicas, e eu queria estar lendo algo especial quando a transição acontecesse. Sei que é uma motivação tola, mas ainda assim é uma motivação. Foi na rede, pois, que li as primeiras 50 páginas do romance. Penei. Demorei uns bons cinco dias para passar por elas. Aos poucos fui me acostumando com o linguajar. As páginas começaram realmente a fluir. E, como num passe de mágica, o romance se abriu para mim.

A imagem é meio tola, bem sei, mas ela é exata. O romance se abriu para mim. De um momento para outro foi como se aquela linguagem impenetrável se revelasse. Há muitas teorias sobre isso. Alguns dizem que Guimarães Rosa trabalha sobre fonemas que, geneticamente, somos capazes de apreender. Outros dizem que inventamos os significados das palavras de acordo com nossa imaginação. Há ainda os que falam de inconsciente coletivo. Não sei se há mesmo uma explicação ou se tudo é bobagem (tendo pela segunda opção), mas o fato é que o livro realmente pareceu muito fácil depois de um tempo.

Fácil, ma non troppo. Porque nem toda a inventividade do mundo é capaz de vencer a vulgaridade. E foi exatamente isso que Grande Sertão: Veredas teve de fazer naquele Ano Novo de 1999-2000. Já contei esta história, mas não custa repetir porque ela é interessante.

Eu lia o livro confortavelmente quando chegaram os bárbaros. Em outras palavras, parentes que vinham passar o Ano Novo em nossa casa de praia. Estava concentrado na rede, quando eles começaram a escutar música sertaneja num volume muito, mas muito alto mesmo. Pedi uma, duas, dez vezes para abaixar o som. Nada. Os jacus não conhecem as leis básicas da civilização. Para resumir o desfecho da tragicomédia: fui até um dos carros, peguei o CD e joguei longe. Mais ou menos às 23 horas do dia 31 de dezembro de 1999, um comboio de imbecis saía de minha casa para passar o réveillon na estrada, de volta para o lugar de onde jamais deveriam ter saído: a capiaulândia.

Dispensável dizer que nunca mais tornaram a falar comigo. Não sinto a menor falta.

Depois deste incidente, continuei a ler o romance por alguns dias. Até que tudo travou novamente. Não por culpa do romance. Aliás, não sei por quê. A história de Grande Sertão: Veredas é bastante veloz. Já disse - e os puristas torcerão o nariz para isso - que o livro é um grande faroeste. Uma aventura divertida e, para usar uma palavra da moda, eletrizante. Mas, em algum momento, acho que perdi a conexão com a língua de Rosa. Encostei o livro e ele ficou parado por três longos meses.

Quando retomei a leitura, fui tomado por um êxtase. Guimarães Rosa é dono de uma prosa não só saborosíssima, como também elevada. Reduzir o livro a uma aventura no sertão é recurso meu para incentivar os incautos, mas a verdade é que o livro é muito mais do que isso. E é tanto que nem sei dizer. Fico aqui procurando um modo de descrever meu arrebatamento, sem sucesso. O livro é simplesmente genial - em que se pese toda a infelicidade do termo.

Claro que não é todo mundo que se sente envolvido pela mágica de Guimarães Rosa. Poucos são aqueles, aliás, que se interessam pela aventura de Riobaldo e Diadorim. Acrescente aí o fato de o livro ser motivo de várias especulações acadêmicas, o que afasta um bocado o leitor interessado. Colocado numa espécie de pedestal, o livro é muito comentado, mas pouco lido. Infelizmente.

Minha impressão quanto à maestria de Grande Sertão: Veredas não se dissolveu nestes anos todos. Pelo contrário, tenho a impressão de que o livro tem ganhado importância com o passar do tempo. As lembranças que tenho dele, as cenas de imensa poesia, a linguagem extremamente divertida, tudo isso resulta numa admiração que, embora tenha nascido da pretensão e de certo pedantismo, nada tem de pretensiosa e pedante. Grande Sertão: Veredas é um romance que se comunica perfeitamente com aqueles que estão dispostos a enfrentá-lo, não como objeto de estudo (longe disso), mas como obra de arte.

Muita gente não concorda. Não entro neste tipo de celeuma. Há quem ache que Rosa floreia demais uma narrativa que poderia ser direta e nem por isso perderia em beleza. Há quem coloque o livro no "balaio de gato" do romance regionalista e, assim, o reduza a uma história de cangaço. Há ainda quem tenta criar uma rivalidade entre Machado de Assis e Guimarães Rosa, ambos se digladiando pelo posto de "melhor escritor brasileiro de todos os tempos".

A quem interessar possa, eu acho isso tudo uma grande bobagem, mas, se me perguntarem numa mesa de bar, não hesito em dizer que Grande Sertão: Veredas, o maior romance brasileiro, não é regionalista (passa longe) e que, se não fosse escrito do modo como foi, certamente não perderia em força, mas perderia, sim, em beleza e inventividade.

Mas aqui já me alongo para muito além de minhas intenções. Queria apenas dar o testemunho de uma leitura que, apesar das dificuldades, recomendo com entusiasmo. Grande Sertão: Veredas é uma daquelas obras reveladoras. Simples assim.

Nota do Editor
Leia também "Riobaldo".


Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 13/4/2006

Mais Paulo Polzonoff Jr
Mais Acessadas de Paulo Polzonoff Jr em 2006
01. Grande Sertão: Veredas (uma aventura) - 13/4/2006
02. As sementes de Flowerville, de Sérgio Rodrigues - 14/12/2006
03. Não existem autores novos - 8/5/2006
04. Orkut: terra de ninguém - 9/2/2006
05. Relativismos literários - 9/6/2006


Mais Especial Guimarães Rosa
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
31/3/2006
15h24min
Paulo, muito curiosa sua experiência, diria que passei por um processo semelhante (motivação pedante+estratégia "paginal") para ler o Grande Sertão. Mas li e farei também um texto para o Digestivo que, saiba de antemão, citará o seu :-) Abraço, Marcelo.
[Leia outros Comentários de Marcelo Spalding]
13/4/2006
23h46min
Paulo: Muito interessante seu relato. Sua professora deve ter sido odiosa, prá ler Rosa para adolescentes. Eu tive mais sorte. Fui ler na Faculdade de Letras, não para analisar, mas para saborear. Porque Guimarães Rosa é assim. Não para ser lido, mas sentido. Parabéns pelo texto-depoimento. Vou linkar seu texto para que outros professores não cometam mais sacrilégios...
[Leia outros Comentários de Fátima Franco]
17/4/2006
08h06min
Humildemente declaro que foi o melhor livro que eu li, junto com "A morte de Virgílio" do Broch.
[Leia outros Comentários de Paulo Souza]
6/6/2007
12h10min
Parabéns pela sua reportagem, você disse tudo sobre Rosa, ele simplesmente fez arte com a linguagem do sertão.
[Leia outros Comentários de Michelle]
28/8/2007
20h08min
Que máximo! Ainda bem que você resolveu comentar sua experiência com a leitura de Guimarães Rosa. Você conseguiu expressar o sentimento que estou vivendo. Muito Legal! Espetáculo!
[Leia outros Comentários de Fabiana]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Stanislávski e o Teatro de Arte de Moscou
J. Guinsburg
Perspectiva
(2001)



Furacão Anita Biografia não Autorizada 458
Leo Dias
Agir
(2019)



História e Mito Mitologia 2
Eudoro de Sousa
UnB
(1988)



Eric Clapton - A Autobiografia
Eric Clapton
Planeta
(2007)



Sertão Nômade
Kboco, Maria Hirszman
Ufg
(2013)



Memórias Sentimentais de João Miramar
Oswaldo de Andrade
Globo
(1990)



Moderna Enciclopédia do Sexo
Edward Tully Knox
Fase



Livro Literatura Brasileira Bar da Ilusão
Alberto Renart
Edison Braga
(1985)



Livro Infanto Juvenis Na Mesma Sintonia Coleção Jabuti
Diana Noronha; Cesar Landucci; Paula Delecave
Saraiva
(2003)



[email protected]
Telma Guimarães Castro Andrade
Saraiva
(2019)





busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês