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Quarta-feira, 19/4/2006
Como Guimarães Rosa me arranjou um emprego
Ana Elisa Ribeiro
+ de 6500 Acessos
+ 3 Comentário(s)

Ontem mesmo eu assistia à tevê e Thiago de Mello, o "poeta da liberdade", falava sobre seus encontros com Guimarães Rosa. Dizia o amazonense - também médico, como Rosa - que depois de ter o livro de João todo impresso, queria o mineiro trocar-lhe uma palavra na última página. Em vez de reluz, algo que se referia ao dia, fazia questão de escrever obluz, ou coisa que o valha. Thiago disse: mas isso não existe no dicionário! E Rosa, esperto mais que todos na não-língua portuguesa, disse que o dia, naquele texto, obluzia. E pronto.

Era isso o que Rosa fazia. Não lamentava uma língua pigarreante ou ríspida. Não comparava este dialeto com outro. Não tinha bobagens de um idioma mais fácil, mais isto ou aquilo. Ele atraiçoava as flexões e derivações da língua, de maneira que ela não fosse, mas se parecesse. Pinçava dali uma palavra, uma formação, uma morfologia nas palavras e inseria, como cirurgião da roça, tudo na sintaxe do português canônico. Traçava lá uma meia dúzia de ventos e fazia da língua não um texto coeso e coerente, que isso é coisa de gente normal. Nem um conto ou uma crônica, que isso é coisa que se aprende fácil, com meia dúzia de cursinhos de férias. Mas ele transformava todos aqueles sons e gestos de escrita em uma experiência estética. Diferente de outras e tão mais linda que fazia muito leitor de bula de remédio dizer que aquilo nem era literatura, e nem era mesmo.

Meus encontros com Rosa foram todos virtuais. Quando eu nasci, ele existia na estante da casa da minha avó. A obra nem fora aberta ainda. Fui tocar num exemplar quando já estava no ensino médio. E não foi porque mandaram ou porque ia "cair no vestibular". A escola não tem (ou não tinha) essas potencialidades. Eu quis. Eu quis ler Grande Sertão. E me parecia tão primordial, que nem fiz do obstáculo uma teia.

Lembro que demorei muito a passar das duas primeiras páginas. Difíceis. Um vizinho mais velho veio logo me contar que aquilo também acontecera com ele. Mas eu não sentei, agachei e chorei. Eu entrei pela terceira página e daí me pus a cavalo. Era como se uma nuvem de poeira densa, feita de linguagem, não quisesse mesmo me deixar ver aquele portal, como outros de desenho animado, que me levaria para os interiores do meu estado. Avante. Nem Rocinante nem Aquilante poderiam supor tanta vasteza e tanta aventura. Andei por aquelas trilhas por mais de mês.

Encontrei lá Riobaldo. Diadorim me deixou com intrigas. Seria uma história homossexual? Não, àquela altura. Engraçado era que ninguém entendia por que cargas d'água que queria mesmo ler aquela belezura de livro. Muito grande, muito grosso. Mas era isso. A língua que se falava ali não era de lugar nenhum neste mundo. E era bonita.

Quando acabei de ler, chorei. Mas não chorei porque Diadorim morria. Não chorei porque Riobaldo perdia. Chorei porque o livro se acabava. Chorei porque aquela havia sido uma experiência devastadora. Como encarar outro escritor depois de tudo isto? Como inventar uma linguagem se Rosa já havia inventado tudo? O que era prosa e o que era poesia? O mundo de cabeça para baixo. E era mais bonito.

Depois do Grande Sertão, entrei pela obra de Rosa afora. Mas, para mim, nenhuma delas era daquela toda maestria. Mesmo Manuelzão e Miguilim, que, estes sim, caíram no vestibular, pareciam petisco diante daquela ceia corajosa das veredas.

O mais interessante foi que o livro de Guimarães Rosa rendeu frutos na minha vida. Digo vida prática, no duro. É que logo um ano depois de ler a obra, deu de abrirem, já na universidade, um concurso, disputado, para quem quisesse entrar como bolsista de um grande e lindo projeto de extensão universitária. Eu era do segundo período apenas, e, atrevida, queria competir com mais de uma dezena de veteranos. Mas Diadorim não veria nisso vício. O diabo no meio do redemoinho e pronto.

Fui lá, me inscrevi, pensei em desistir, mas, não. O que diriam de mim meus botões? Uma covarde. Não é? Nem eu. Então fiz a prova. Quando entrei na sala cheia, me entregaram, e aos outros, um papel onde havia um comando, muito simples, e um texto.

Tratava-se de uma narrativa oral, dessas que se ouvem no sertão, contada por um velhinho do Vale do Jequitinhonha, contador de história analfabeto, respeitado em toda a região. O laço do capeta, ou a pedra de ouro. Era esse o nome do conto. Li com atenção, mas Rosa parecia me cutucar os ombros. O comando do teste era: reescrever (e transcriar) aquele conto, mudando a linguagem, a perspectiva, o foco narrativo, o que fosse. Virasse outro. E me pus a contar a história pela voz do velho, pai dos garotos protagonistas. Era uma verdadeira tragédia, com capeta e tudo no meio do rodamoinho. E eu estava Rosa naquele dia, naquela manhã, com toda aquela linguagem ainda ressonante.

Pois que dá. Uma semana depois, tirei primeiro lugar. A caneta e tudo. A pesquisadora logo queria saber quem eu era. De onde tirara aquilo. Se era do interior. E meu texto foi logo publicado no primeiro livro que brotou do projeto. E depois dele, outros. Mas eu tenho certeza de que era o Rosa que estava li, me fertilizando e me deixando contaminada. Senão, não.

Fiquei 4 anos naquele projeto. Conheci e registrei mais de 200 histórias do sertão norte de Minas. O acervo ficou em livros, CDs e nos arquivos do meu computador. Aprendi tanto que nem sei mais. Meu filho, hoje, ouve umas histórias dessa época. E ainda trabalho com ecos desses dias.

Posso um dia pôr aqui uma dessas narrativas. Mas é possível comprar livros e CDs com elas, com música, com recriação. É só entrar em contato com a Faculdade de Letras da UFMG.

Quanto aos livros do Rosa, não são apenas isso. Depois que alguém entra por aquelas trilhas, não anda mais sozinho pela literatura e, o mais grave, ganha um sentido novo no que lê adiante. As literaturas, depois dele, ficam tão pequenas. Livro bom é isto: muda tudo ao redor. E principalmente por dentro.

Notinha da extensão

Em maio, o Programa Pólo de Integração da UFMG no Vale do Jequitinhonha, em que está o projeto de extensão Quem Conta um Conto Aumenta um Ponto, vai pôr no ar um site. É só procurar. Lá os produtos de todos os projetos englobados pelo Pólo estarão disponíveis. E eu trabalhei nesse site também.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 19/4/2006

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
21/4/2006
17h07min
Cara Ana Elisa, como uma coisa tão linda pode ser tão simples e tão difícil? Parabéns, digo, obrigado!
[Leia outros Comentários de Bernardo B Carvalho]
3/5/2006
04h24min
Ai, Ana. Já não bastava mia mana Rose me encafifar com essa história de estar lendo o Grande Sertão, lá vem ocê com estas prosas pra lá de boas e me fazer embrenhar pelas Veredas do Rosa. Lá vai eu destrinchar vales e cafundós atrás do que andam fazendo Diadorim, Riobaldo, Manuelzão, Miguilim etecetera e tar... Bom, que o Bom Deus me guie de volta à civilização... Se é que inda vou querer de saber disso. Inté mais ver...
[Leia outros Comentários de Pepê Mattos]
27/1/2010
16h31min
Depois de ler Guimarães Rosa, todos os outros escritores ficam banais. Desisti de tentar ser escritor. Parece que não há mais nada a ser inventado, Guimarães Rosa já se apoderou da língua do Brasil. Mesmo que eu tivesse toda a inventividade vocabular dele, ainda me faltariam a alma da terra, a intuição e a poesia das plantas, dos bichos, dos ventos, dos cheiros, dos sentimentos todos das gentes, inclusive aqueles bem embutidos que não se explicam com palavras ou expressões normais... e, por fim, me faltaria a sabedoria simples e humilde de quem enxerga tudo, entende tudo, por dentro e por fora. São muitos os leitores instruídos absolutamente incapazes de compreender toda a beleza emanada de "Grande Sertão: Veredas". Mesmo a instrução, mesmo a inteligência comportam limitações. Comparar um carro-esporte com uma suprema obra de arte, e cometer o sacrilégio de preferir o carro-esporte! Guimarães Rosa não é para todos. É complicado, e é simplório demais para as chãs erudições do utilitarismo.
[Leia outros Comentários de Roberto Valderramos]
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