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Segunda-feira, 1/2/2010
77 anos do Mercado Municipal
Eugenia Zerbini
+ de 4700 Acessos

No mesmo dia em que São Paulo comemorou os 456 anos de sua fundação, no último 25 de janeiro, o mercado central festejava 77 anos de funcionamento. Quem sabe por ter nascido durante as grandes festas do 4º Centenário, mantenho, desde pequena, uma relação de amor com a cidade. Em um desdobramento desse sentimento, quem sabe ― outra vez ―, dei à luz a minha única filha no alvorecer de um 25 de janeiro, anos atrás.

Não é fácil declarar essa paixão neste momento, em que a cidade revela sua face de Medéia líquida, inclemente sob a força das águas, sorvendo muitos de sua extensa cria. Rilke já escreveu que todo anjo é terrível. Anjos e mães, completaria Freud, seu contemporâneo.

O Mercado Municipal, projetado por Ramos de Azevedo (o mesmo projetista do Theatro Municipal de São Paulo), para mim sempre sintetizou os antagonismos, contradições e paradoxos do materno. Por isso, o programa para a celebração de seu 77º aniversário ― incluindo queima de fogos na passagem de 24 para 25 de janeiro ― serviu de impulso a um retorno àquela suntuosa construção que, antes de ser inaugurada em sua função de mercado, em 1933, serviu de depósito de armas, ao tempo da Revolução Constitucionalista, em 1932.

Uma das lembranças mais caras de minha infância é a de uma ida ao Mercado Municipal, acompanhando minha avó, nos preparativos para a ceia de Natal. Entre as várias compras que realizou, ela não apenas separara uma caixa de papelão vermelho onde eu, recém-alfabetizada, podia ler "sultanas", como também pedira ao vendedor um quarto de quilo de figos secos da Turquia. As sultanas do pacote eram uvas passas brancas, mas, ao ouvir esse nome, somado à referência àquele país cuja capital já foi Bizâncio, me vi personagem de um dos contos das Mil e uma noites.

Mais adiante, minha avó encomendou um peru vivo, que ela mesma matou, depois que o vendedor mandou entregá-lo em casa, no dia seguinte. A comodidade das carnes congeladas nem sempre existiu e as boas donas de casa eram obrigadas a cometer certas selvagerias.

As comemorações do aniversário do Mercado começaram no dia 19 de janeiro, com cursos de culinária dedicados ao público feminino e masculino. Seguidos temporais impediram-me de comparecer, como o planejado. Acabei fazendo apenas uma visita, no dia 24.

Apesar da vizinhança cinza, suja e molhada, como sempre me lembro de ter sido o entorno do Mercado Municipal, foram precisos poucos passos em direção a seu interior para que eu recobrasse o encanto que ele em mim há décadas despertara.

Quase tudo é ainda anunciado com um adjetivo: o orégano é chileno; o anis, estrelado; a pimenta é da Jamaica. As azeitonas podem ser portuguesas, espanholas, libanesas, gregas ou sírias, todas coloridas, luzentes e carnudas. A lata de curry indiano deixa explícita que é da marca escolhida pelo governador de Bombaim. Apenas nomes, mas que têm o condão de despertar ― ao menos em mim ― um leque de fantasias.

Não se vendem mais aves e pequenos animais, como coelhos e carneiros, vivos. Os peixes e crustáceos, porém, estavam lá, lindos, sobre leitos de gelo fresco: atum, salmão, carapau, meca, tainha e vermelho, ao lado de lagostas, camarões, lulas, polvos e tamarutacas (sem mencionar nos práticos mexilhões "desconchados"). As ostras pareciam em baixa, poucas e anêmicas. Fraca, também, a variedade de hortaliças (talvez pelo excesso de chuva).

A nota máxima ficou por conta da barraca de frutas exóticas (Empório das frutas, rua K, box 20/22), onde o preço é dado em gramas, ao contrário de todos os outros lugares, em que o cálculo é feito por quilo. Assim, a custo quase de caviar, estavam expostas fruta do dragão (pitaya), rambutan (olho do dragão ou lichia maláia), chirimóia do Chile, atemóia (criação hibrida, cruzamento da fruta-do-conde com esta última), mangostim (anunciada como a rainha das frutas da Malásia) e abiu da Amazônia.

Tentando fugir do lugar-comum, em vez de pastel de bacalhau e de sanduíche de mortadela, duas especialidades do Mercado Municipal, preferi um pote de salada de frutas, para saborear enquanto flanava pelos seus corredores, admirando seus vitrais. Evitei o mezanino, agregado ao prédio em uma das reformas por que passou: esse novo espaço mais parece a praça de alimentação de um dos shoppings da capital. A estrela do lugar são mesmo os boxes numerados, alinhados em corredores denominados por letras, organizados pela natureza dos produtos oferecidos. Esses corredores, ou "ruas", são sinalizados por placas indicativas em cada cruzamento.

Através de um dos largos portões, vi que a chuva recomeçara. Com ela veio ao pensamento uma história antiga, por meio da qual eu aprendi que os seres humanos tinham a opção de dar fim à própria vida. Pouco depois de minha primeira visita ao Mercado, minha mãe me contara que uma das empregadas de minha avó (a quem eu acompanhara) se suicidara, atirando-se às águas do rio Tamanduateí, que hoje corre em galerias sob a Avenida do Estado, vizinha ao Mercado. De certa forma, aquela que me dera a vida, passara-me a consciência de ser possível dar o basta final.

São Paulo, anjos e mães são terríveis e guardam mistérios, de vida e de morte. Para poder encará-los é necessário um recuo, um afastamento. Quando criança, tinha a mania de arregalar os olhos e forçá-los em direção ao nariz. Ficava com um semblante idiota; essa manobra, entretanto, me propiciava imagens distorcidas do mundo, o que me agradava. Um jeito particular de ver as coisas, assim, meio fora de prumo. O artista plástico Gregório Gruber, ao retratar São Paulo, revelou-a atrás de uma névoa onírica, que parece com o resultado que eu obtinha com o estrabismo forçado de minha infância.

O aguaceiro lá fora se adensava. Havia a possibilidade de esperar para ver os preparativos do gigantesco bolo de 300 quilos que seria oferecido no dia seguinte, na festa de aniversário da cidade. Ou de até voltar mais tarde para assistir ao desfile da escola de samba Mocidade Alegre, programado para à noite, antes dos fogos. Porém, ainda que escondido sob o asfalto, corria lá fora o Tamanduateí (o rio que os índios já sabiam ser de muitas voltas), simples amostra da força aquosa que tem abalado a cidade.

Era hora, decidi, de voltar para casa.

Nota do Editor
Eugenia Zerbini venceu o Prêmio SESC Literatura 2004 na categoria romance, com o livro As netas da Ema. Tem contos publicados no jornal Rascunho, revista Cult e no blog do caderno "Prosa e Verso" de O Globo. Leia também o Especial "SP 450".


Eugenia Zerbini
São Paulo, 1/2/2010
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