Blog | Digestivo Cultural

busca | avançada
75749 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Terreiros Nômades promove encontro entre Salloma Salomão, escolas municipais e comunidade
>>> Instrumental Sesc Brasil apresenta Filó Machado no Sesc Consolação em show gratuito
>>> Escritor e diplomata Ricardo Bernhard lança obra pela editora Reformatório
>>> Teatro Portátil chega a São Paulo gratuitamente com o espetáculo “Bichos do Brasil”
>>> Platore - Rede social para atores
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
Últimos Posts
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Mano Juan, de Marcos Rey
>>> Propostas discordantes no jornalismo
>>> Escritor: jovem, bonito, simpático...
>>> Dilúvio, de Gerald Thomas
>>> O assassinato e outras histórias, de Anton Tchekhov
>>> Educadores do Futuro
>>> Gerald Thomas: Cidadão do Mundo (parte III)
>>> Mondrian: a aventura espiritual da pintura
>>> A proposta libertária
>>> A recessão está chegando
Mais Recentes
>>> Um Trabalho para Zeca - As Aventuras de Joca e Zeca 2 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> O Limpador de Chaminééééés ! - As Aventuras de Joca e Zeca 1 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Joca Vai oa Médico - As Aventuras de Joca e Zeca 3 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Joca e o Quadro Maravilhoso - As Aventuras de Joca e Zeca 5 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Joca e Zeca Levam Um Susto - As Aventuras de Joca e Zeca 11 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Bing-Bong, O Adivinho - As Aventuras de Joca e Zeca 4 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Joca Quer Ser Poeta - As Aventuras de Joca e Zeca 8 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Joca Vira Herói - As Aventuras de Joca e Zeca 10 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Um Maravilhoso Doutor - As Aventuras de Joca e Zeca 7 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> Zeca Pega Uma Insolação - As Aventuras de Joca e Zeca 9 de Rosa Rodriguez pela Vila Rica
>>> O Mundo De Sofia de Jostein Gaarder pela Companhia das Letras
>>> Na Formação do Arte-Educador - uma visão contemporânea de Helio Rodrigues pela Scortecci (2023)
>>> Vanguardas da Poesia Brasileira no Século XX de Rogério Bessa pela Galo Branco (2006)
>>> Um Leão Chamado Christian de Anthony Bourke - John Rendall pela Nova Fronteira (2009)
>>> Bumtchá - O Menino Prodígio de Thoshio Katsurayama pela Telucazu (2022)
>>> O Ouro dos Dias de Roque Aloisio Weschenfelder pela do Autor (2011)
>>> O Menino que Sobreviveu de Rhiannon Navin pela Leya (2013)
>>> Mulheres do Brasil - a história não contada de Paulo Rezzutti pela Leya (2022)
>>> Garras De Grifo de Leandro Reis pela Idea (2012)
>>> Estigma de Vanessa Maranha pela Telucazu (2021)
>>> Os sentimentos - Amor, alegria, tristeza, medo ... de Malgorzata Strzalkowska pela Salvat (2011)
>>> Um Peixinho Diferente 2ª edição. de Irene de Albuquerque (ilustrações de C Barroso) pela Conquista (1989)
>>> O Peixinho que Morreu Afogado 2ª edição. de Terezinha Dias Cardoso (ilustrações Júlio Cézar P) pela Conquista (1989)
>>> Zoozona - Seguido de Marcas na noite de Mauro Gama pela A Girafa (2008)
>>> Livro Linguagem, Comunicação, ação - introdução à língua portuguesa. de Ronaldo de Oliveira Batista; Alexandre Huady pela Avercamp (2012)
BLOG

Sábado, 17/9/2016
Blog
Redação
 
Yo no quiero más

Escorado na mesa de sinuca, que hoje tenho na varanda de casa, um pensamento me ocorre: sinuca de verdade é aquela de bar, desses que ficam nas esquinas dos bairros.

Eu gostava de jogar, mas gostar não significa saber, é preciso destreza e concentração.

A pouca habilidade, eu tentava compensar me concentrando ao máximo, mas nem sempre dava certo.

Lembro da última vez, do exato instante que passei o giz no taco e me preparei para a primeira tacada, quando ouvi uma voz que saía do outro canto do bar - “Yo no quiero más!” voz tão amargurada que acabou com a minha concentração.

Ergui o corpo e passei mais giz na ponta do taco, dessa vez fazendo um barulho irritante.

Enxuguei da testa o suor nervoso e busquei nova concentração, agachei até que meus olhos ficassem no mesmo nível da mesa de sinuca e mirei a bola sete ao mesmo tempo em que ele falou novamente “Yo no quiero más!”.

Incomodado, joguei de qualquer jeito, ao invés da bola sete, matei a quinze.

Era a vez do adversário jogar e só então resolvi encarar o sujeito extremamente magro, dos cabelos sebosos repartidos ao meio e dono de um fino bigode, que na beira do balcão, bebericava um copo de cachaça.

Era um paraguaio solitário, das mãos calejadas, que deixava escapar aquele lamento profundo.

Olhei mais atentamente enquanto as bolas se chocavam violentamente e corriam nervosas na mesa do bilhar.

Ele parecia vagar por outro mundo, nem se incomodou com meu olhar curioso, “no quiero, no quiero”, mais um gole de cachaça, uma tragada no cigarro e de volta a voz embargada “ya sufrido mucho, no quiero más!”.

Eu já não me importava tanto com o jogo, queria desvendar segredos, contei-lhe a idade, devia ter menos de sessenta anos, embora os olhos caídos e as pontas dos cabelos totalmente brancas sugerissem mais.

Bebi um gole de cerveja e me preparei para matar a bola cinco, oferecida, perto da caçapa, jogada fácil que se tornou complicada quando ouvi novamente ”yo no quiero más!”.

Mas que diabos será que ele não queria mais?

Imaginei hipóteses, a dor de uma doença, saudades, ausências?

Incontinente encostei meu corpo no balcão, bem próximo dele e do seu mundo, novas frases, outras interrogações, “me há gustado”, breve pausa, outro gole na cachaça que escorreu por seus lábios, antes de completar com os olhos mirados no vazio,” pero no quiero más!”.

E no final, quando eu já desistia, ouvi claramente de seus lábios sofridos a frase completa, que me comoveu: “Yo no quiero más saber de mulher bonita”, disse, misturando o castelhano com o português e eu ri um riso profundo: era evidente que no eixo de tantos lamentos, trafegava em rodas tortas, as desilusões do amor.

Ele bebeu o resto da cachaça, testemunha solitária de seus sofrimentos e eu nem me incomodei com a tacada final do colega na outra ponta da mesa, pancada certeira na bola oito, que ricocheteou entre as duas quinas, rodopiou feito um peão e caiu mansamente na caçapa, levando junto todas as desilusões amorosas daquele sofrido senhor.

[Comente este Post]

Postado por Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
17/9/2016 às 19h55

 
Trecho do livro Jakob Von Gunten - Um diário



"Aqui se aprende muito pouco, faltam professores, e nós, rapazes do Instituto Benjamenta, vamos dar em nada, ou seja, seremos, todos, coisa muito pequena e secundária em nossa vida futura. As aulas a que assistimos visam sobretudo a inculcar-nos paciência e obediência, duas qualidades que ensejam pouco ou mesmo nenhum sucesso. Sucessos interiores, sim. Mas o que se ganha com eles? Conquistas interiores porventura nos dão de comer? Eu gostaria muito de ser rico, andar por aí em caleches e gastar um bocado de dinheiro. Conversei sobre isso com Kraus, meu colega de instituto, mas ele só fez encolher os ombros com desdém, não se dignando dirigir-me sequer uma única palavra. Kraus é possuidor de princípios; firme na sela, cavalga a satisfação, montaria inadequada a quem deseja galopar. Tão logo cheguei aqui, ao Instituto Benjamenta, consegui transformar-me num enigma para mim mesmo. Também a mim contagiou certa satisfação, bastante curiosa e, no meu caso, inédita. Obedeço razoavelmente bem, não tão bem quanto Kraus, que é mestre em precipitar-se de cabeça ao encontro de ordens, pronto a servir. Num ponto, nós todos - Kraus, Schacht, Schilinski, Fuchs, o grandão do Peter, e eu etc., alunos do Instituto Benjamenta - nos igualamos, a saber: em nossa total pobreza e dependência. Somos pequenos, pequenos até a insignificância. Quem quer que possua uma nota de um marco é já considerado um príncipe favorecido. Quem fuma cigarros, como eu, desperta preocupação em virtude do dinheiro que esbanja. Vestimos uniformes. Usar uniforme é algo que, a um só tempo, nos humilha e enobrece. Parecemos pessoas privadas de liberdade, o que talvez constitua humilhação, mas ficamos bem de uniforme, e isso nos distancia da vergonha profunda dos que andam por aí em trajes mais que próprios e no entanto sujos e esfarrapados. Para mim, por exemplo, vestir uniforme é muito agradável, porque nunca soube ao certo que roupa usar. Também nisso, porém, sou, por enquanto, um enigma para mim mesmo. Talvez abrigue um ser humano bastante vulgar. Ou talvez corra sangue aristocrático em minhas veias. Não sei. De uma coisa tenho certeza: no futuro, o que vou ser é um zero à esquerda, muito redondo e encantador. Na velhice, terei de servir a jovens grosseirões, arrogantes e mal-educados; do contrário, vou precisar mendigar para não perecer."

[Comente este Post]

Postado por O Equilibrista
17/9/2016 às 08h15

 
ROMANÇA

Ana partiu tão cedo.

Ana tão cedo partiu.

Ela que tanto doou,

outro tanto mais levou.

Saiu sem me dar adeus,

porta afora de repente.

Fiquei sozinho e ausente.

Hoje à procura de mim,

nem sei quem sou ou não sou.

Ana ao partir me levou.

E assim fiquei duplamente

órfão de Ana e de mim,

de um modo súbito, frio.

Sobrevivo no hiato

de um tempo morto, apagado.

Ana me deletou.

Ayrton Pereira da Silva



[Comente este Post]

Postado por Impressões Digitais
12/9/2016 às 18h16

 
Alguns posts no blog antigo

Às vezes escrevo aqui, às vezes quando é sobre a USP ou em língua estrangeira escrevo lá. Há mais gente escrevendo do que lendo, não sei que diferença faz. Seja como for, alguns links para posts desse ano estão abaixo.
Bolsas e bombas
Two half days in Mexico City
Todos à USP!
O pré-mestrado da Poli e o Processo de Bolonha
Proposta de pré mestrado na elétrica
O Tao da Fiesp
Don't Nobody Bring Me No Bad News
The Constitution of the United States of Europe
Post racista da Erundina
Half a dialogue about impeachment
Einstein já dizia: tem muita bobagem na rede
Tudo que você sabia sobre a queda do Shah da Pérsia estava errado
Imprensa aparelhada na Rússia e na China
Fim da liberdade acadêmica na USP?
Voltando ao ensino na Poli
Hashtags orquestrados
Eu acho que o Temer vai fazer um bom governo
O engenheiro constitucionalista ataca novamente
Me pediram um discurso breve
AlphaGo
As 3 diferenças entre Brasil e EUA
Votação para o C Universitário da USP
Ameaças racistas dos colunistas da esquerda
Academic citations
Every house needs a Ridgid Wet/Dry Vac
Taxas de juros desenvolvimentistas do PT


[Comente este Post]

Postado por O Blog do Pait
9/9/2016 às 10h26

 
As Marias

Hoje, num corredor estreito do Mercadão Municipal, passei diante de um rosto antigo, que me remeteu a mais tenra idade.

Nos tempos que agora conto, o nome Maria era muito comum.

Enquanto o vulto foi desaparecendo entre as bancas de verduras, fiquei meditando: É uma das Marias de antigamente, mas não sabia exatamente qual.

Naqueles tempos, diferente dos dias atuais, que impera o politicamente correto, os apelidos proliferavam, sem qualquer tipo de preconceito ou coisa que o valha, era um costume.

E como as Marias eram tantas, sempre se dava um jeito de encaixar algum caso ao nome.

Maria Cabelinho, por exemplo, tinha esse apelido devido a uma mecha de cabelos, que ela mantinha jogada para o lado da testa, esticada até não dar mais, curtida em quina petróleo, que era o alisante da moda naquele começo de anos setenta.

Meu tio Lourival tinha uma vitrola portátil, que levava para os bailinhos nas casas vizinhas.

Num desses bailes, certa vez aconteceu confusão, alguém sacou de uma arma e deu um tiro, que pegou de raspão na perna de uma Maria.

Foi só um susto, que resultou na Maria Baleada, moça bonita da perna riscada a bala.

Certa vez, num outro baile, tio Zequinha fez um elogio qualquer a uma Maria e, desde então, ela deu de aparecer constantemente na nossa casa.

Na época, as rádios tocavam com freqüência uma canção, cujo refrão dizia “shalala”, que a tal Maria trazia grudada na boca, nem se dava ao trabalho de cumprimentos, já chegava cantarolando a música, acompanhada de um som esquisito de falha nos dentes, stic, stic, enquanto com os olhos rasos d’água procurava pelos cantos da casa o meu tio.

Minha mãe imita a Maria Shalala com perfeição até hoje, com direito ao tic lingüístico no final, só para nos arrancar risadas, “shalala, stic, stic”, ela diz.

De todas as Marias, a que mais me intrigava era a Maria Canelinha, porque não sabia ao certo o motivo daquele apelido.

Recentemente, minha mãe esclareceu, naquele brilho nos olhos que só dona Dalva tem quando conta travessuras: “É porque ela usava uns vestidos curtos e vinha nos visitar com o sol batendo nas canelas finas, que brilhavam de longe”.

Muitas daquelas Marias não precisaram de apelidos, eram santas Fátima, Das Dores, Das Graças, De Lourdes, Aparecida.

E não poderia escrever de tantas Marias sem revelar que tenho duas tias, que são gêmeas, Maria Marta e Marta Maria, que nós as chamamos de Marta e Martinha, e disso elas nunca reclamaram, até porque as outras irmãs se chamam Vidalvina e Eurinda Alvina.

E são tantas as Marias que viviam naquela época e que agora povoam o meu pensar, que exclamo em voz alta, assustando um transeunte: Ave, Maria!

O rosto que passou por mim aos poucos foi se apagando.

Maria Cabelinho, Maria Baleada, Maria Shalala, Maria Canelinha, tenho certeza que era uma delas.

Detesto quando não consigo desvendar minhas dúvidas.

Voltei para casa ruminando ao invés de falar, as mãos pensas, o pensamento na estrada do tempo, trazendo novamente aquela canção aos ouvidos, shalala stic, stic.

[Comente este Post]

Postado por Blog de ANDRÉ LUIZ ALVEZ
3/9/2016 às 22h44

 
O mapa da África

Eles estão vestidos da mesma forma, mas, todos sabem, a juventude é hábil em burlar padrões. O garoto usa uma touca certamente inapropriada para o calor do meio-dia, uma das garotas tem a lateral da cabeça raspada, a outra garota combina o vermelho do aparelho com o vermelho da armação dos óculos. Os três carregam mochilas muito gordas, não há precisão se aquilo é só material escolar ou se ali dentro também estão guardados os sonhos de cada um deles. É coisa fácil de comprovar por aí: nas sextas-feiras os colegiais falam mais alto, os sorrisos saem soltos, às cambalhotas. O garoto de touca e a garota da cabeça raspada fazem um resumo descontraído da semana, debocham, riem, relembram peraltices, voltam a rir. Enquanto isso, a garota dos óculos de aro vermelho está em silêncio, mantém a concentração, examina o pilar que sustenta o telhado do ponto de ônibus. Ela é paciente, espera os outros dois se aquietarem para anunciar uma descoberta:

– Olha só, o mapa da África.

O garoto de touca e a garota da cabeça raspada não dão tanta bola, voltam ao assunto de antes e agora estão ainda mais efusivos. O ônibus vem chegando, a garota do óculos de aro vermelho faz sinal, se despede. Quando então restam só os dois, o garoto de touca e a garota da cabeça raspada vão depressa até o pilar de ferro, conferem com apuro o formato de uma mancha de ferrugem, um deles lança uma interrogação:

– Como é que ela nota essas coisas?



Texto originalmente publicado no site flaviosanso.com
[email protected]

[Comente este Post]

Postado por Flávio Sanso
3/9/2016 às 09h28

 
Fora de Forma




Na solidão, o solitário devora a si mesmo; Na multidão, devoram-no inúmeros. Então escolhe. Friederich Nietzsche

Amanhecia quando os últimos precipitaram-se pela escada. Seria natural supor que logo depois fizesse o mesmo. Ao longo de todos aqueles anos poucas vezes se ausentou, e sempre que isso ocorreu tinha uma boa justificativa. Nunca havia sido punido. Demorou-se ali porque sentiu vontade de ficar só antes de vestir a farda e entregar-se àqueles oito lances de escada que unem o alojamento e o pátio interno do quartel, onde se perfilaria ao lado dos demais cadetes para formatura matinal. Restavam pouco menos de cinco minutos, e não demonstrava inquietar-se com as consequências de um iminente atraso. O toque do corneteiro advertia; no entanto, portava-se como se não lhe dissesse respeito, permanecendo ensimesmado diante da janela do banheiro a observar o mar. “É tão vasto que parece revelar algo maior que ele próprio”, murmurou, não sem alguma excitação, ao notar em suas águas o reflexo do sol que se erguia no horizonte. Chegava-lhe ainda, embora cada vez mais distante, o ruído surdo e cadenciado da batida dos coturnos de seus colegas no chão duro do pátio interno. “Estão entrando em forma. O chefe de turma terminou a contagem e deve estar comunicando minha falta ao tenente”. Sabia que caso se ausentasse, sem apresentar uma justificativa convincente, seria severamente punido. Ainda assim, não a tinha. Só a apresentará anos mais tarde. Até lá, seu comportamento será visto como uma estúpida afronta, como se motivado por uma rebeldia efêmera e infantil. Não era o que se passava. Era algo mais profundo e, por isso mesmo, difícil de alcançar e debelar. Tudo lhe sobrevinha com a intransigência própria do irremediável. Sua existência deixava de seguir como um toco em enchente para fixar-se num ponto distinto e imprevisto, à margem de tudo o que até então havia reconhecido como vida. A correnteza seguia, mas não ele. De onde se isolou, não sem um misto de melancolia e orgulho, contemplava a corrente pela qual seus colegas se deixavam levar. Houve quem, ao passar por ele, censurasse-lhe, amigavelmente, a demora, prevenindo-o de que seria punido e que o mais sensato seria entrar em forma imediatamente. Não lhes deu atenção. Não poderia. Não com aquele horizonte emergindo diante de si, sobre si, em si. Sentia-se envolvido, dominado por algo maior que ele próprio. Em sua solidão pressentia uma transformação indefinivelmente intensa a desvelar-se em seu destino. Aconteceu-lhe, ao contemplar o mar, o que anos depois nomearia “sentir-se ser”, uma irresistível e perturbadora maneira de ver a si mesmo tomando parte no mundo e, ao mesmo tempo, ausente dele; a sensação de estar a se desviar e a se perder para vivenciar as angústias e alegrias inerentes a um tortuoso processo de redescobrir-se. Tudo ressurgia sob uma perspectiva nova. Minutos antes, parecia-lhe evidente pensar que, naquele instante, era ele, e não seus colegas, quem estava a fazer nada, apático. Ao acontecer-lhe de “sentir-se ser”, principiou a lançar um olhar singular sobre os acontecimentos, não raro interpretando-os como que pelo avesso: “são eles, e não eu, que permanecem passivos”. Não fazer nada passou a significar, dali em diante, uniformizar-se, deixando-se levar pelo mesmo impulso que arrasta todos à sua volta.

Contato: [email protected]

[Comente este Post]

Postado por O Equilibrista
1/9/2016 às 14h58

 
Ainda tenho dúvidas

Não teria sido melhor deixar o impeachment para depois das eleições municipais?

Metade dos petistas debandaram. O partido só apresentou metade dos candidatos a vereador e prefeito. A proporção será semelhante entre os eleitores. Mas a outra metade ficou. Talvez mais 6 meses de desgoverno tivessem sua utilidade pedagógica. O impeachment criou um tema para distrair e ofuscar o assunto principal, o desastre que foi a administração federal do PT. O risco é PT voltar em 2018. Os outros candidatos são fracos e tendem a deglutir-se uns aos outros. Melhor seria nos concentrarmos nos méritos e defeitos do governo PT.

Havia o risco econômico: o custo de mais 6 meses de desgoverno. E a possibilidade de uma tentativa de autogolpe, inspirada nos exemplos dos amigos e ídolos estrangeiros do petismo: Chávez, Ortega, Mugabe, Erdogan, Assad, Fidel... Improvável, o Brasil é outro país, mas um risco excessivo.

Seja como for, acho que chegou a hora de parar de falar sobre a Dilma.

[Comente este Post]

Postado por O Blog do Pait
30/8/2016 às 06h15

 
Bel Pesce, empreendedorismo e crowdfunding

Não vou falar da Bel Pesce especificamente, porque não a conheço (embora tenha amigos que a conheçam)

Nem vou falar do conteúdo que ela produz, porque nunca me embrenhei a fundo nele (não teria como avaliar)

Mas vou usar o exemplo da Bel Pesce para falar de "empreendedorismo" (essa "moda" de falar de empreendedorismo, na verdade); e de "crowdfunding" (ou, em português, financiamento coletivo)

O empreendedorismo virou um assunto de uns tempos pra cá, e, como todo modismo, cansou

Dizer que todo mundo pode ser empreendedor, é como dizer que todo mundo pode ser artista, coisa com a qual eu nunca concordei

Em ambos os casos, existe o fator talento, e ele não pode ser ensinado. Ou a pessoa tem, ou não tem

Depois, existe o fator sorte (sim, eu acredito em sorte). Concordo com Maquiavel que metade é "virtù" (talento) e outra metade é "fortuna" (sorte)

Sorte, em empreendedorismo, você pode traduzir por oportunidade

Oportunidade não dá em árvore. Ela surge ou não. Não pode ser "gerada"

A oportunidade pode ser percebida, sim. Mas, mesmo percebê-la, é um dom. E eu não acho que esse "dom" - ou senso de oportunidade - pode ser ensinado

Por último, existe a execução. Você pode ter o talento, a ideia (oportunidade) pode ser ótima, mas se a sua execução for ruim, não adianta nada

"Sua ideia é melhor que a minha. Minha execução é melhor que a sua. Eu ganho", tuitou, outro dia, o Tom Peters

E esse modismo de "financiamento coletivo" é bem isso. Muito barulho durante a captação. Uma vez captado o dinheiro, como fica a execução?

E mesmo depois de executado o projeto, quem avalia? Cumpriu com as expectativas dos financiadores?

Pergunta final para a Bel Pesce (e outros que rezam pela cartilha do "empreendedorismo serial"):

Se o projeto era tão bom assim, por que temos de financiar outro? E mais outro? E, ainda, outro?

É mais ou menos como pedir às pessoas que venham à sua festa de casamento - só que você se casa todo ano, com uma nova pessoa

Fora que vale aquela história da Lei Rouanet: vamos financiar quem precisa. Quem não precisa, não deveria pedir financiamento - não é mesmo?

Eu sei que no Brasil é tudo ao contrário e que os que mais se beneficiavam dos financiamentos do BNDES - o maior financiador do País -, eram os que menos precisavam...

Mas não deixa de ser um escândalo

E não deveríamos banalizar o uso do financiamento coletivo, que é uma boa ideia na origem

E nem o uso da palavra empreendedorismo, porque precisamos de empreendedores, no Brasil, sim

O que eu faria se fosse a Bel Pesce?

Não sei, ela se meteu numa errascada. Acabou virando bode expiatório - para essas práticas que eu listei acima, e que acabaram viciadas

Que o erro da Bel Pesce sirva, então, para refletirmos sobre uso que se faz do "financiamento coletivo" na internet - e do empreendedorismo em forma de autoajuda...

Eu sabia que essa bolha iria estourar, um dia. Vamos aproveitar para fazer uma correção de rota

Para ir além
Compartilhar

[Comente este Post]

Postado por Julio Daio Bløg
29/8/2016 às 09h49

 
Todos à USP!

Quanto custaria mandar metade dos jovens brasileiros estudarem numa universidade padrão USP?

O Brasil tinha aproximadamente 17 milhões de jovens em idade universitária, entre 20 e 24 anos, segundo o censo de 2010. Nos países com sistemas de ensino superior mais bem sucedidos, metade da população recebe diploma universitário. Levando em consideração que a faculdade no Brasil em geral demora entre 4 e 5 anos, seria desejável que aproximadamente 2 milhões de estudantes universitários recebessem diploma de graduação anualmente.

Quanto isso custaria se adotássemos o padrão USP, que combina ensino, pesquisa, extensão, e pós-graduação? A USP tem 60 mil alunos de graduação, dos quais 7 mil são diplomados anualmente. Para chegar à metade dos brasileiros, precisaríamos de 300 instituições como a USP. O orçamento da USP é um pouco mais do que R$5 bilhões; portanto o total necessário para educar metade dos nossos jovens seguindo o padrão USP seria de R$1½ trilhões. Quase 25% da renda nacional total, estimada para $6 trilhões em 2016.

Não vai acontecer.

[Comente este Post]

Postado por O Blog do Pait
28/8/2016 às 20h19

Mais Posts >>>

Julio Daio Borges
Editor

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Coragem De Confiar: O Medo É O Seu Pior Inimigo
Roberto Shinyashiki
Gente
(2009)



Educação e Vida: Abordagem Pluralista Sobre um Desafio no Tempo
Prof. Luiz Antonio Lecena de Oliva
Leopoldianum
(1999)



Nuevos Prolegómenos a La Metafísica
Angel Vassallo
Losada
(1938)



Blooms of Darkness: a Novel
Aharon Appelfeld
Schocken
(2010)



Santos Advogados & Advogados Santos
Arthur de Castro Borges
Ltr
(1996)



Um Negócio Mortal
Lenny Bartulin
Casa da Palavra
(2012)



Jackie Editora
Greg Lawrence
Record
(2014)



Planeta - 7 - Março
Louis Pauwels
Tres
(1973)



O Prazer de Ler os Clássicos
Michael Dirda
Martins Fontes
(2010)



Livro Infanto Juvenis Você É o Que Você Come? Um Guia Sobre Tudo o Que Está no Seu Prato!
Dorling Kindersley
Moderna
(2016)





busca | avançada
75749 visitas/dia
2,4 milhões/mês