Julio Daio Bløg

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Segunda-feira, 27/4/2020
Julio Daio Bløg
Julio Daio Borges
 
Declínio‬ e Queda de Moro no Ministério da Justiça

Sempre me pareceu um erro o Sergio Moro ter aceitado o cargo de ministro da Justiça.

A meu ver, seria um erro em qualquer governo. Um juiz, na minha concepção, deveria ser neutro e não participar de nenhum governo ou partido.

Desde o começo estava claro que Jair Bolsonaro pretendia usar Sergio Moro para conferir reputação ilibada ao seu governo.

Mas aí, como em muitas situações, vale a frase de Margareth Thatcher: “Se você precisa dizer que é uma lady... é porque você *não é* uma lady.”

O que sempre me impressionou é que Sergio Moro concordou em ser usado por Bolsonaro e teve de se calar - ou de se abster de comentar - em situações grotescas, como, por exemplo, essas da pandemia, em que o presidente insistiu na “gripezinha”, desafiando o vírus, o bom senso, a lógica - e colocando em risco, como se diz, a saúde de milhões de brasileiros.

Quantas vezes nos perguntamos: “Onde está Moro? Por onde anda? Será que ele concorda?”.

Pelas declarações de Bolsonaro depois do rompimento, ficou claro que Moro nunca se sentiu à vontade na posição, nunca foi próximo do presidente e, em seu próprio depoimento, quase lamentou ter abandonado a magistratura.

Não tenho pena dele. Pelo menos utilizou o cargo para, num último ato, desmascarar o presidente, e sua falsa postura anticorrupção, revelando um desconhecedor completo do funcionamento de um órgão como a Polícia Federal, ou fazendo-se de desentendido para prevaricar mesmo.

Bolsonaro se elegeu não porque fosse bom. Na verdade, foi eleito, justamente, porque não se queria eleger “o outro”, ou “o partido do outro”.

O voto útil está longe de conferir unanimidade a alguém, só que Bolsonaro acreditou que ele era “o cara”. Não era nada. E deve voltar para o nada de onde veio.

O episódio Moro demonstra que não adianta querer transformar o que é ruim em bom, ou o que é um quebra-galho num governo de salvação nacional. Bolsonaro era um deputado folclórico do baixo clero, não tinha como virar do avesso.

E se eu fosse o Paulo Guedes, iria embora logo, enquanto é tempo. “Ah, mas o governo vai afundar sem ele”. Já afundou. “Ah, mas a economia vai afundar sem ele”. Já afundou também. “Ah, mas o dólar vai explodir sem ele”. Já explodiu. E vai continuar explodindo, com ele ou sem ele.

Imaginem de quantas “lives” o Paulo Guedes vai ter de participar, e de quantos bilhões (ou trilhões) ele vai precisar, para tentar contornar, minimamente, a saída de Sergio Moro (a última reserva moral do governo)?

Haja gogó, Paulo Guedes, e haja promessa de dinheiro sem lastro. O ministro bem que tentou. Só que a “janela de oportunidade” para o nosso liberalismo se encerrou. Mudamos de “slide”, PG. O estado mínimo - aquele que iria nos salvar - agora está nos matando...

Mas estou tergiversando. Eu queria falar da minha decepção com o Moro e da sua tentativa de redenção. Se tiver ferido o governo Bolsonaro de morte, acredito que terá cumprido a sua função.

Agora, se esse governo continuar se degenerando, e *nos* degenerando como nação, vou lembrar que o Sergio Moro participou dele, e que o Paulo Guedes continuou participando (mesmo depois)...

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Postado por Julio Daio Borges
27/4/2020 às 11h45

 
Modesto Carone (1937-2019)

Hoje eu não poderia deixar de prestar meu tributo ao homem, através do qual, eu li Kafka.

Foi em 2001-2002, por influência de um Colunista do Digestivo, que tinha Kafka e James Joyce como seus autores de cabeceira.

E, obviamente, por influência do maravilhoso projeto gráfico de Hélio de Almeida, a partir de desenhos de Amilcar de Castro.

De Junho de 2001 a Junho de 2002, eu praticamente li todos os nove volumes de Kafka, pela Companhia das Letras, traduzidos por Modesto Carone.

Nunca vou esquecer das impressões que me causaram Carta ao Pai, Um Artista da Fome, Na Colônia Penal e, naturalmente, A Metamorfose.

O Processo achei mais famoso do que bom e O Castelo achei maçante. Ainda li América ou O Desaparecido, que Modesto Carone não traduziu. E, em inglês, comprei os Diários, as Cartas, o “Franz Kafka” de Max Brod e até um “Conversations with Kafka”, de Gustav Janouch.

Graças ao professor Carone, Kafka se tornou, para sempre, um dos meus heróis literários.

Cada volume que eu terminava, com um pequeno ensaio do tradutor, era uma revelação. E eu me recordo de ir comprando exemplar a exemplar, na Martins Fontes da rua Dr. Vila Nova.

Na época, eu fazia um curso de Dreamweaver no Senac, logo em frente. E me lembro de ler O Médico Rural, nas escadarias e nos bancos da escola.

O Dreamweaver eu utilizei para tornar o Digestivo um site dinâmico - criei o nosso próprio CMS, ou Content Management System (inconscientemente, porque eu nem sabia que o termo existia).

Foi a base para os próprios Colunistas publicarem seus textos, antes dos blogs (antes do Facebook). E, a partir do Dreamweaver, eu aprendi o ASP, ou Active Server Pages - que utilizamos até hoje, no Portal dos Livreiros e, inclusive, no Integrador do Portal.

Todo esse intervalo tecnológico para reafirmar que, enquanto eu sonhava com as páginas dinâmicas do Digestivo, eu lia Kafka, e minha visão de mundo se transformava.

Em 2002, ainda, visitei uma exposição da Praga de Kafka, em Nova York - e tenho o catálogo dela até hoje. Lembro que me impressionaram a caligrafia e os desenhos de Kafka (sim, ele desenhava).

Mais do que um dos maiores autores do século XX - junto com James Joyce e Marcel Proust -, considero Kafka um profeta do nosso tempo.

Se não fossem pelas traduçōes de Modesto Carone, eu jamais teria chegado a estas conclusões.

Até estudei Alemão, mas nunca me arrisquei a ler Kafka no original...

É uma pena que o professor Carone tenha nos deixado só alguns poucos aforismos, no volume dedicado a Kafka, pela Penguin Companhia.

Eu nutria esperanças de que ele nos traduzisse as cartas e os diários...

Se você ainda não leu, por favor leia Kafka. Nas traduções de Modesto Carone, é claro.

E vai entender o que um tradutor pode fazer por um autor. E por um leitor ;-)

Para ir além
"Kafka e as narrativas", The City of K. e "Jamais se ouve uma palavra gentil, só e sempre censuras".

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Postado por Julio Daio Borges
18/12/2019 às 11h28

 
João Gilberto

Se existe uma música popular brasileira - e, no mundo inteiro, ela pode ser reconhecida como tal - devemos isso à bossa-nova, portanto, devemos isso a João Gilberto.

Ele não gostava do termo - e preferia falar em samba - mas é inegável que, como intérprete, João Gilberto foi um divisor de águas na música brasileira.

Para quem duvida, basta ouvir os registros das canções de Tom Jobim no tempo do samba-canção. João Gilberto precisava de um compositor, é fato, mas Tom Jobim também precisava de um intérprete - e sem esse encontro, e sem as letras de Vinicius de Moraes, estaríamos ainda presos aos “boleros” e não haveria o que chamamos de “MPB”.

São conhecidos os relatos de Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros de sua geração, sobre o acontecimento estético que foi a audição de João Gilberto. Se não fosse por ele, Caetano Veloso teria continuado a fazer cinema; Chico Buarque teria insistido na arquitetura; e Gilberto Gil permaneceria funcionário da Gessy Lever.

E nem é preciso ser fanático por música brasileira para perceber o talento de João Gilberto para reduzir o “samba” a um mínimo de elementos. Se pudéssemos comprimir a trilha sonora do Brasil em uma cápsula - e lançá-la no espaço-tempo -, esta cápsula seria a música de João Gilberto.

Sua síntese é tão essencial que suas interpretações não envelhecem - e seus registros continuam modernos, há mais de meio-século. Não podemos dizer o mesmo da própria MPB - e, muito menos, do que veio depois dela...

A forma definitiva que João Gilberto deu a algumas composições se tornou um desafio para intérpretes depois dele. Os mais inteligentes, como Elis Regina e Wilson Simonal, não se atreveram a se ombrear com ele - e seguiram pela rota oposta: a dos cantores que cantavam “para fora”; a dos cantores “com voz”.

Os críticos vão dizer que João Gilberto abriu caminho para cantores “sem voz”, mas a culpa é tanto dele quanto é do microfone ou do registro fonográfico. Ou do século XX, ou da “indústria”...

O lado ruim do seu gênio obsessivo é que nos deixou, relativamente, poucos registros. (Ou, talvez, isso seja um mérito.) E os conhecedores são unânimes em afirmar que toda a sua arte está contida nos três primeiros LPs.

Justamente aqueles que não estão mais disponíveis - pois, contra sua versão em CD, João Gilberto se insurgiu, na década de 90, e eles ficaram “fora de catálogo” desde então. Por mais perfeccionista que João Gilberto seja (e por mais que tenha razão na contenda): Que perda para o gosto musical das novas gerações!

Todo o folclore sobre a sua personalidade “sui generis”, digamos assim, foi explorado mais do que o recomendável. (E devemos silenciar a respeito.) Já seus amores - ou desamores - se tornaram um capítulo final triste, na disputa pelo seu espólio.

Pensando em Vinicius, que nos deixou em 1980, e em Tom, que nos deixou em 94, talvez devamos guardar, de João Gilberto, não os seus últimos anos, em manchetes nada musicais, mas, sim, seu último registro em disco, o “Voz e Violão”, de 1999.

Entre versões de Caetano e Gil - talvez por insistência do próprio Caetano, que era o produtor -, João ainda nos brindou com uma pérola de Tom Jobim, “Você vai ver”, polida por ele, naturalmente. E, mais uma vez, afirmou: “Eu sou do samba, pois o samba me criou”. Fechando com “Chega de Saudade”, o começo de tudo...

Tom Jobim costumava dizer que o Brasil precisava merecer a bossa-nova. Pois, antes dela, o Brasil precisa merecer João Gilberto.

Para ir além
"João Gilberto na Casa de Chico Pereira" e "Basta João" ;-)

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Postado por Julio Daio Borges
8/7/2019 às 12h20

 
Domingos de Oliveira (1936-2019)

Wilde dizia que colocava o talento no trabalho e o gênio na vida - mas acabou mal, renegado pelo grande amor de sua vida, condenado quando a homossexualidade era crime, vindo a perecer num hotel em Paris, onde, dizem, olhando o papel de parede, proferiu: “Morro como sempre vivi, além de minhas posses”.

Domingos de Oliveira também era bom de frases, mas, ao contrário de Wilde, não se importava muito com a divisão entre “vida” e “obra” - preferindo misturá-las, apelando para a autobiografia, sempre que possível, antes da moda da “autoficção”.

Temos de nos lembrar de que ele foi marido de Leila Diniz, um dos ícones do feminismo e da liberação das mulheres, no Brasil. Ela, aliás, atua em “Todas as mulheres do mundo”, filme de Domingos de 1966, autobiográfico desde o título. Depois, Rita Lee compôs - em sua homenagem - a canção homônima, de 1993, onde entoa: “Toda mulher quer ser amada/ Toda mulher quer ser feliz/ Toda mulher se faz de coitada/ Toda mulher é meio Leila Diniz”.

Domingos também foi o pai de Maria Mariana, autora de “Confissões de adolescente”, best-seller dos anos 90, que depois virou série na TV Cultura. Autobiográfica como o pai, Mariana compartilhava sua vida pessoal, mesmo depois do sucesso do livro, com a geração MTV, antes dos “reality shows” e da geração YouTube. Sem o mesmo talento - ou gênio - do pai, vale ressaltar.

Outra mistura que Domingos gostava de fazer era entre teatro e cinema. “Separações”, seu longa de 2002, uma consagração tardia, é um filme com uma peça de teatro dentro. E, logo depois, deu origem a uma outra peça, com Priscilla Rozenbaum, a Glorinha do filme, sua mulher na vida real, casada com Cabral, interpretado, claro, por Domingos.

“Separações” é tão bom porque é Domingos de Oliveira do começo ao fim, desde o texto até a direção, passando por ele, como ator, no papel dele próprio. Suas máximas sobre amor, relacionamento, casamento, separação já valem o filme. Cabral nos surge como um sábio do bem viver, mas despretensioso, sujeito a erros e arrependimentos, muito distante dos infalíveis manuais de autoajuda ou dos, hoje, “life coaches”.

Desse filme pra cá, de 2002 pra cá portanto, Domingos se converteu num mestre oral, exalando sabedoria, como um vulcão, em qualquer mídia - além de cinema e teatro, óbvio, programas de televisão, entrevistas, livros e, ultimamente, até em posts de Facebook, onde se derramava, em mais de um perfil, como se não houvesse amanhã.

Li suas peças, tempos atrás, numa coletânea da editora Global, e não eram tão boas quanto as de Nelson Rodrigues (naturalmente uma inspiração). E minha impressão é de que Domingos era muito passional e tinha dificuldade em ser “objetivo” e, suficientemente, racional para colocar todo seu talento (ou gênio) “apenas” no trabalho. Era um artista transbordante, algo como um Vinicius de Moraes tardio, mas sem o mesmo rigor poético e sem encontrar seu Tom Jobim, sem a “sua” Bossa Nova portanto.

Escrevi, agora não me lembro exatamente (talvez por influência dele), sobre “Separações” e/ou a peça que veio depois, a que assistimos no Sesc Paulista (esta impressionando menos do que aquele). Passado algum tempo, recebi, de Domingos, por correio, um convite para a pré-estreia de “Feminices”, seu próximo filme, no antigo Espaço Unibanco, ao qual não pude ir.

Pensei, na época, que daria no mesmo ver o filme depois. Mas não daria, não - porque Domingos estava lá, em pessoa, e encontrá-lo teria sido tão bom quanto o filme, ou melhor, ou muito melhor.

Talvez uma biografia nos dê a real dimensão do artista. Ou talvez nem isso. Platão escreveu sobre Sócrates antes dos Evangelistas - e estamos discutindo, até hoje, quem foi Sócrates, quem foi Platão. Os grandes homens são como as grandes questões: inesgotáveis.

Descanse em paz, Domingos de Oliveira.

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Postado por Julio Daio Borges
25/3/2019 às 09h26

 
Bolsonaristas, Mendes da Rocha e As Brasas

Talvez porque passei muito tempo lendo, estou numa fase mais “outdoor” e têm me atraído as exposições e o teatro.

Acho que nunca vou deixar de ser um analfabeto plástico, no dizer de Nelson Rodrigues. Mas tento evoluir. Ao mesmo tempo, já sei que nunca vou escrever com a mesma fluência do Daniel Piza.

Já o teatro, eu tenho achado mais interessante que o cinema. Minha sensação é a de que estamos “empapuçados” de audiovisual... Dada a onipresença de telas... Também por causa do streaming, que banaliza o consumo.

O teatro ainda é um ritual. Você tem de ir lá. Os atores têm de estar lá. Não é uma reprodução incessante e infinita... Na era da reprodutibilidade técnica, como diria Benjamin, ainda não se conseguiu produzir teatro “em série”.

Toda essa introdução teórica para dizer que rumei para a Paulista de novo - rumo ao Itaú Cultural -, mas errei de exposição. O que não foi de todo perdido - porque encontrei outra (tão interessante quanto - ou mais).

O fato é que estou mais desligado da política, nestas eleições, e dei de cara com a manifestação pró-Bolsonaro. Junto com outros “desligados”, que, já na Consolação, comentaram: “O que é esse pessoal com camisetas da CBF?”.

“Tinha muita gente?”, vão me perguntar. Entre aquelas de 2014 até o impeachment, que eu presenciei, era uma manifestação “média”. Cheia do Masp até a Brigadeiro, mais ou menos. Depois, vazia.

Uma turma aguerrida. Me senti no segundo turno. Não eram só homens. Nem velhinhos pedindo “intervenção militar”. Mas também não eram famílias - como no auge do impeachment...

No primeiro carro, um discurso meio solto e “na espera” por Eduardo Bolsonaro. No segundo carro, Levy Fidélix, com pouca audiência, querendo pegar carona no Bolsonaro e no Mourão.

No terceiro carro, já com bastante audiência, Janaína Paschoal. Relembrando os tempos do impeachment, que, segundo ela, não teve ajuda nenhuma da “oposição”.

Num dado momento, alguém pede para ela dar um recado e Janaína se irrita: “Não; não vou falar nada do que eu não quero falar!”. Chateada, encerra sua fala logo depois - e até se esquece de dar seu número. Quando alguém assume o microfone e lembra: “Mas, Janaína, qual é o seu número?”.

Nessas, eu cheguei no Itaú Cultural. Nem sabia que havia uma “ocupação” do Paulo Mendes da Rocha. Foi o que me salvou. Lógico que eu gosto da Pinacoteca, do Sesc 24 de Maio e até da loja da Forma, mas tão interessante quanto suas obras é ouvir o Paulo Mendes da Rocha falar.

Ele atingiu, há muito tempo, aquele nível de “mestre oral”. Num dos vídeos, conta das origens da sua família, até ele nascer em Vitória e vir morar em São Paulo. De repente, a saga da família dele - que é a saga de muitas famílias paulistanas - adquire tons épicos, só porque ele narra...

Num outro vídeo, conta do seu projeto mirabolante de transformar a Praça da República numa piscina pública. Justifica o quase delírio contando que “ninguém encomendou”, que ele fez algo “totalmente livre” - “como um poema” ou “um conto indignado” (palavras dele). Ressaltando o aspecto “literário” da coisa, conclui: “É um discurso”.

O Paulo Mendes - como diz a Carol, que foi orientada dele - me inspirou a tomar um fôlego e ir até o Sesc Santana, ver a adaptação teatral para a obra de Sándor Márai, “As Brasas”, com Herson Capri.

A turma do Bolsonaro ainda lotava o metrô. No meio, duas senhoras, meio por fora, meio por dentro: “Já votei no Zé Bonitinho uma vez, não voto nele mais”. Estavam falando do João Doria.

Mas todo este texto para tentar te convencer a ir ver “As Brasas”...

Já tinha cruzado com o livro, pela Companhia das Letras, mas nunca tinha lido nada do Sándor Márai. E por falar em política: era aquele autor que a Dilma fingia que lia, numa propaganda, mas tentava citar e se esquecia...

Vou tentar elogiar a peça sem contar o enredo (apesar de ser difícil). É uma história muito bem construída, de dois amigos que se (re)encontram, na velhice, depois de décadas.

Em comum: as lembranças em Viena, na época da guerra, a escola militar, até as caçadas e, é claro, uma mulher. Alguém que morreu e que não está mais para dar a sua versão.

Um dos dois é, claro, o marido, e resolve tirar satisfações com o outro, de episódios que os três viveram, o famoso “triângulo” - episódios que não se esclareceram, mesmo depois de *décadas*...

Não vou contar o final. Até porque - independente dele -, já no meio da peça concluí que muitas das grandes histórias são as que encerram um grande mistério...

Histórias até que *nós* vivemos, e onde nunca vamos saber, ao certo, o que aconteceu... As motivações de cada um... As ações que não compreendemos... As perguntas que gostaríamos de fazer...

Herson Capri está muito bem no papel principal. Igualmente, Genézio de Barros, como coadjuvante. Foram aplaudidos de pé - junto com Naná Carneiro da Cunha, que faz algumas aparições, enquanto toca o “cello”...

Depois da ovação, eles, muito humildemente, disseram que vão ficar só seis semanas em cartaz - e que dependem de nós, da plateia, para fazer do espetáculo um sucesso.

Pois bem, estou fazendo a minha parte. Agora cabe a você ir lá ver. Independente de quem ganhar, ou de quem perder, no domingo que vem ;-)

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Postado por Julio Daio Borges
1/10/2018 às 10h25

 
Millôr no IMS Paulista

Saí de casa com a ideia de fazer a “ronda” das exposições. Iria começar pelo IMS, iria seguir para a Fiesp, Casa das Rosas e Itaú Cultural.

Peguei o metrô orgulhoso - na contramão dos torcedores do São Paulo -, desci na Paulista, subi as escadas do Moreira Salles, mas, quando entrei na exposição do Millôr, e vi aqueles murais enormes, comecei a chorar e fui de olhos marejados até o final.

Nem visitei o resto do Instituto Moreira Salles. Desisti do Itaú Cultural, da Casa das Rosas e dispensei até o Rafael - aquele, da turma do Leonardo -, preferi não diluir o impacto do Millôr.

Por que chorei? Não sei; emoção. Quando estive com Millôr, há 15 anos, ele vinha de uma homenagem protocolar, aborrecida... Ao mesmo tempo, sentia-se pouco reconhecido no Brasil - o que parece uma contradição; mas não é, não.

Millôr era muito grande. Difícil receber uma homenagem à altura. Ainda mais no Brasil; ainda mais em vida.

Mas quando entrei na exposição do Moreira Salles e vi aqueles murais enormes, senti, em nova dimensão, o grande artista que ele foi - e que o reconhecimento havia chegado, de alguma forma. Mais de 5 anos depois de sua morte? Sim; mas é a vida! E, no Brasil, antes tarde do que nunca...

“A ideia de um projeto estético tradicional sempre foi estranha a Millôr Fernandes[...] ele dizia-se antes de tudo um jornalista e via o impresso, sobretudo em revistas e jornais, como a realização plena de sua obra”, diz o texto de abertura da exposição.

“Dos autorretratos à visão desencantada do Brasil, passando pelas reflexões sobre a condição humana e pelo prazer puro e simples das formas, ‘Millôr: obra gráfica’ propõe uma visão de conjunto de um dos maiores artistas brasileiros do século XX” - acho que foi quando as lágrimas rolaram...

Estava emocionado pelo Millôr - porque, de fato, ele *foi* um dos maiores artistas brasileiros do século XX. Artista no sentido plástico do termo. Além de escritor; além de intelectual; além de pensador. Sem contar o humorista; o dramaturgo; o tradutor de Shakespeare. O inventor do frescobol! Millôr teve tantas facetas que estamos sempre nos esquecendo de alguma...

Quando estive com ele, havia saído a sua edição do célebre “Cadernos de Literatura” do Instituto Moreira Salles. Daquele seu jeito descontraído, ele me disse em seu estúdio: “Esse pessoal do Moreira Salles esteve aqui... E fez um bom trabalho, viu? Estiveram aqui; pegaram algumas coisas... Foram lá atrás, na minha carreira...”

E hoje temos de reconhecer: foi louvável que o IMS assumiu o acervo de mais de 7 mil desenhos do Millôr. Pois, quantos acervos não se desfizeram quando seus donos se foram? Eu vi alguns. Do Daniel Piza, por exemplo, eu nem tive tempo de ver - quando soube, já havia sido desmembrado...

Ao mesmo tempo, é irônico - porque Millôr olhava com uma certa desconfiança para os Moreira Salles... Por causa do Walter Moreira Salles, o “rico” de sua época.

“Qual a diferença entre eu e o Walter Moreira Salles?”, Millôr se comparava. “Eu moro de frente para a mesma praia que ele” (no Rio, obviamente). “Ele pode viajar... mas eu também posso! Eu posso ficar, sei lá, 10, 20 dias fora... Não; 20 dias é muito!”, o próprio Millôr se emendava...

Sua versão de “Guernica”, de Picasso, na exposição, não é uma escolha aleatória. Tanto quanto o gênio do cubismo, Millôr produziu muito. Ia ao estúdio todos os dias; inclusive sábados e domingos. E foi longevo - quando conversamos tinha, aproximadamente, 80 anos, parecia lépido e fagueiro: com um discurso fluente, bem-humorado e brilhante, o mesmo desde os tempos de “O Cruzeiro”.

Me emocionei com as fotos do estúdio, em Copacabana; principalmente no catálogo da exposição. Me sentei naquele sofá vermelho e Millôr se sentou na poltrona amarela, em frente. Tentei espiar sua biblioteca ao longe e avistei pastas etiquetadas: “Pif Paf” - uma das alas da exposição...

Claro que nem tudo são flores no IMS. Senti um viés “político” ao se colocar os desenhos da época da ditadura militar (1964-1984) logo na entrada. Como um lembrete - de tempos que podem voltar... Talvez por causa de algum candidato militar nas próximas eleições?

Lembrando que Millôr foi um crítico feroz de Fernando Henrique Cardoso, cujos livros “clássicos” não perdia a oportunidade de mostrar que eram intragáveis. E, naturalmente, foi crítico de Lula - sobre quem, afirmava, “a ignorância havia subido à cabeça”. A ignorância.

Ao contrário da turma do Pasquim21, que não quis fazer “humor a favor”, quando Lula assumiu, em 2004 encomendei uma capa, ao Millôr, para a revista do Digestivo com a FGV/SP, e ele não foi nada econômico na legenda: “Os governantes proclamam: Bananas pra nossa cultura” - em pleno governo do PT, em plena gestão de Gilberto Gil, no MinC.

Millôr era da geração do Paulo Francis, que tem uma citação famosa: “Os baianos invadiram o Rio para cantar: ‘Ah, que saudade eu tenho da Bahia’... Se é por falta de adeus, PT saudações”. Caetano brigou com Francis mais de uma vez. E no Pasquim, os invasores baianos eram chamados de “baihunos”, em referência aos bárbaros que invadiram a Europa nos estertores do Império Romano...

O desenho que Millôr fez para o Digestivo está lá, na primeira ala da exposição. Foi selecionado entre os 7 mil de seu espólio. Mas está sem a legenda. Aos organizadores, deve ter parecido familiar... Afinal, eu o divulguei, à época, a torto e a direito... Mas os organizadores não conseguiram se lembrar o suficiente - e, sem a legenda, ele ficou meio fora de contexto... Mas me senti vingado, de alguma forma ;-)

“Daio, cuide da minha glória - antes que ela seja póstuma”, Millôr me escreveu, num e-mail, quando já estava mais pra lá do que pra cá. Não lembro o que respondi na época, mas hoje eu diria que:

“A sua glória está garantida, Millôr. Você não precisa se preocupar. A exposição está linda! Que grande brasileiro você foi... Estou ainda mais honrado de tê-lo conhecido.”

Para ir além
"Meu encontro com o Millôr"

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Postado por Julio Daio Borges
24/9/2018 às 09h55

 
Meus encontros com Luiz Melodia

Me arrependi de não ter escrito quando ele morreu. Como fez um ano e um mês, resolvi escrever.

Como muita gente na minha geração, descobri o Luiz Melodia através de uma propaganda da M. Officer, que passava no cinema.

“Tente passar
Pelo que estou passando...”

Era “Pérola Negra”, a canção que dá nome ao álbum. Sobre o qual eu havia lido na revista Bizz, seção “Discoteca Básica”.

A propaganda foi no início dos anos 90. Então, no final de 1994, eu estava andando pela Quinta Avenida, em Nova York (nem sempre sou tão chique assim), quando encontro Luiz Melodia numa loja.

Eu não tinha certeza se era ele. E nem mesmo se aquela canção - daquela propaganda - era dele. Mas encarei tanto o sujeito que ele mesmo se aprochegou: “E aí? Tudo bem?”

Não falamos sobre música (eu não queria me arriscar sobre o que eu não sabia). Falamos um pouco sobre a cidade. Foi uma conversa breve. Ele foi cordial. Estava acompanhado da esposa e do filho, Mahal.

Depois, claro, fui ouvir “Pérola Negra” (1973). Além da canção homônima, tem “Vale quanto pesa”.

“Quanto você ganha pra me enganar?
Quanto você paga pra me ver sofrer?”

O Barão Vermelho, com Frejat, regravou - mas não soou tão interessante.

Em contrapartida, Melodia aparece na letra de “Só as mães são felizes”, junto de Lou Reed e Allen Ginsberg. Cazuza entendia do riscado.

Tentei ouvir “14 Quilates” (1997), mas senti que a inspiração havia ficado para trás.

Fui me apaixonar por Luiz Melodia, de novo, por causa da Carol, que me acompanhou no show do “Acústico” (1999), no TBC reinaugurado.

Havia um espectador com uma barba enorme, que eu, fazendo graça pra Carol, apelidei de “O Profeta”. O Profeta não tinha nada daqueles eremitas que vivem numa caverna. Nada de monge também. Pelo contrário: aplaudia efusivamente e acompanhou entusiasticamente o coro de “Negro Gato”.

“Eu sou um negro gato de arrepiar.
Essa minha história é mesmo de amargar...”

Nas primeiras cadeiras estavam os convidados de Melodia - ou: os que desejavam se enturmar com ele... Um, inclusive, anunciou para os demais: “Já combinei tudo com o Melô”. (A noite ia ser boa...)

Lembro, ainda, que “Melô” dedicou o show a uma recepcionista do hotel onde estava hospedado. Ouviram-se gritos e assobios maliciosos...

Eu gostei tanto desse show, e desse disco, que quando nos casamos, eu e a Carol, inclui a faxia “Fadas” no CD que ia junto aos bem-casados, no final da festa. (Eu sou da época do CD.)

“Devo de ir,
Fadas
Inseto voa em cego
Sem direção.

“Eu bem te vi
Nada.
Ou fada borboleta,
Ou fada canção...”

Antes de a Catarina nascer, nós tivemos um filho não-humano, o Dinko, e ele fazia tanto sucesso, onde quer que fosse, que eu cantava pra ele: “Tenho muitos amigos, eu sou popular...”

Era a letra da canção do Zé Keti, que Melodia celebrizou:

“Se alguém perguntar por mim
Diz que fui por aí
Levando um violão
Debaixo do braço.

“Em qualquer esquina, eu paro
Em qualquer botequim, eu entro
E se houver motivo
É mais um samba que eu faço...”

Ainda teve um terceiro encontro, depois do “Acústico” e antes do Dinko, foi no início dos anos 2000...

Um amigão nosso, o Alê, descobriu uma boate, com um DJ diferente, que conseguia colocar “Roda-Viva”, para todo mundo dançar. Era a Jive.

O DJ era tão bom, mas tão bom, que a Jive mudou de lugar, e nós fomos atrás. E em plena Frei Caneca, uma noite, entrou o Luiz Melodia, de boné, com uns “brothers”.

Mesmo camuflado, todo mundo o reconheceu. E ele foi chamado para assumir as pick-ups. Mas só agradeceu e desceu do palco improvisado.

Muitos anos depois, um tio de uma prima da Carol, que tinha ido no nosso casamento, me abordou no meio de uma escada de shopping center e então confessou: “Aquela música... Do disco de vocês... Aquela música... Fadas!”.

E não disse mais nada. Ficou sem palavras para expressar a sua emoção pela descoberta de “Fadas”. Só conseguiu me olhar, com um sorriso cúmplice, me perguntando se eu estava entendendo...

Ao que respondi: “Que bom, tio. Que bom que você gostou” ;-)

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Postado por Julio Daio Borges
3/9/2018 às 12h19

 
Otavio Frias Filho

Em 2004, fui fazer um curso na Casa do Saber com o Otavio Frias Filho. Um curso sobre a História dos Estados Unidos.

Para quem vê a Folha como um jornal de esquerda, não parece fazer muito sentido um curso sobre os EUA com o diretor de redação - e dono - do jornal...

Mas qual não foi a minha surpresa ao descobrir que Otavio Frias Filho sabia muito da História dos Estados Unidos e não tinha nada da visão “esquerdista”, esquemática, dos EUA.

Lembro da sua admiração por Tocqueville - “sociólogo de gênio”, segundo ele -, que escreveu Democracia na América. E, também, por Thoreau, cuja Desobediência Civil pauta nossa discussão política até hoje (quando ameaçamos nos revoltar contra o governo...).

Para o diretor de um jornal que teve seus momentos de histeria política nos últimos anos (a meu ver), Otavio Frias Filho era um sujeito surpreendentemente equilibrado - que, no curso, hesitava em opinar sobre os EUA, para não ter de assumir, justamente, um “lado”.

Ele deixou bem claro que admirava os Estados Unidos pelo aspecto “humanista” da nação, mas que talvez os condenava pelo seu aspecto “beligerante” - embora reconhecesse que sempre foi muito difícil separar uma coisa da outra...

Lembro que pedi a ele uma indicação de “História dos Estados Unidos” - uma indicação bibliográfica -, mas ele se limitou a me indicar a História escrita pelo Paul Johnson, que eu já conhecia e que, portanto, que não me impressionou muito (porque não era novidade).

No final daquele ano, encaminhei, para o professor Otavio, como eu passei a chamá-lo, a revista que o Digestivo fez com a GV-executivo. Ele foi muito polido, receptivo, e acabou saindo uma nota a respeito na Ilustrada.

Eu agradeci e desejei-lhe “Boas Festas” - ao que ele me respondeu com “Felicidade”.

Ainda lembro de um e-mail que o Daniel Piza enviou, copiando a mim, a ele (off@uol), e ao Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras - e me lembro de que me senti importante ;-)

Tudo bem que aproveitei para encaminhar um e-mail direto para o Luiz Schwarcz, mas ele nunca me deu resposta ;-(

Conheci gente muito culta que não tinha muita paciência para o Otavio Frias Filho, e o chamava de “Otavinho”, fazendo referência ao pai - verdadeiro business man, que adquiriu a Folha e a transformou n’O Maior Jornal do País, terminando por nomear a nossa “ponte estaiada”...

Mas eu não tenho nenhuma reclamação. Na verdade, admiro, inclusive, que Otavio Frias Filho tenha assumido a Folha, embora não fosse sua vocação mais forte. Numa entrevista para o extinto “No Mínimo”, ele confessava que seu sonho era ter sido professor universitário.

Fez Ciências Sociais na USP, onde recrutou Marcelo Coelho, para a Folha, seu colega de curso. Lembro, também, que ficaram conhecidos seus questionamentos a Lula, em 2002, então candidato. Reza a lenda que, cobrado intelectualmente pelo professor Otavio, Lula teria abandonado o recinto...

Surgem, agora, especulações sobre o futuro da Folha - numa época tão desafiadora para o jornalismo em geral (quanto mais para o jornalismo brasileiro).

O que eu sei é que o irmão de Otavio Frias Filho, Luiz Frias, é o criador do UOL. Lembro de uma história de quando começou a internet comercial no Brasil e Luiz se reuniu com Roberto Civita, do grupo Abril, e este achou um exagero o nome “Universo On Line”, preferiu “Brasil On Line” (BOL)...

No fim, a Abril não conseguiu se associar à Globo no negócio de tevê a cabo - e, na internet, o BOL nunca obteve o sucesso do UOL.

Até segunda ordem, Luiz Frias criou o PagSeguro, que se destacou na recente “guerra das maquininhas” - e que estreou na bolsa de Nova York com o mais bem-sucedido IPO de empresa brasileira nos últimos anos...

Enquanto isso, a Abril pediu recuperação judicial.

Claro que não significa que a Folha terá um futuro brilhante. Luiz Frias pode, simplesmente, ser o irmão “business” da família - e querer “cortar” o jornal, que, como todo o jornal, não deve ser o negócio mais lucrativo do mundo...

A última vez em que avistei o professor Otavio foi na bilheteria da Sala São Paulo. Se não me engano, em uma montagem de “Pedro e o Lobo”, de Prokofiev, quando levamos a Catarina para conhecer a Sala.

Ele estava com uma ou duas meninas, deviam ser suas filhas, e eu pensei que as recentes coleções que a Folha lançou, para crianças, deveriam ser para elas. Tive vontade de agradecê-lo pela iniciativa, afinal, eu e a Catarina colecionávamos, líamos e ouvíamos... Mas o espetáculo iria começar, poderíamos nos atrasar... Acabou passando.

Em “uma lágrima para Otavio Frias Filho”, Daniel Piza provavelmente escreveria que, “para um intelectual tão influente na vida nacional”, era uma pena que ele não tivesse “nos deixado” nenhum “grande livro”. Mas, pensando nisso, me ocorreu que sua “grande obra” talvez tenha sido... justamente... a Folha. A Folha de S. Paulo de 1984 pra cá - que, independente da ideologia, foi uma obra de monta.

Descanse em paz, professor Otavio.

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Postado por Julio Daio Borges
22/8/2018 às 08h27

 
Minha história com Philip Roth

Deve ter sido o Paulo Francis quem primeiro me chamou a atenção para o Philip Roth (1933-2018).

Em “Waaal” (1996), seu “Dicionário da Corte”, Francis nos diz que Roth era um “gigante” perto da literatura “liliputiana” dos nossos dias. E era mesmo.

Mas lembro de começar a ler o Philip Roth *mesmo* na época do Daniel Piza. Na época da sua coluna “Sinopse” na Gazeta Mercantil (1996-2000).

Depois de ler o registro de suas impressões sobre “O Teatro de Sabbath” (1997) - onde ele dizia que marcara vários trechos com caneta “marca texto” - era muito difícil ignorar Roth e seus escritos.

Em 1998, finalmente li “Pastoral Americana”. E o que me chamou atenção, na época, foi a desconstrução do sonho americano.

Philip Roth tinha a capacidade de fazer o leitor entrar na alma americana. De repente, eu me sentia parte da sociedade norte-americana, sem nunca ter sido...

Quando escrevi a respeito (está como “Philip Roth e a Pastoral Americana” no Google), acho que eu queria soar tão bombástico quanto o romance soou para mim. E caprichei na prosa poética - que hoje eu identifico como o estilo de alguém que está começando (e testando seus limites)...

Nos Estados Unidos, comprei “Complexo de Portnoy” (1969) e “Operação Shylock” (1993) em inglês - dois romances que mereceram elogios rasgados do Francis -, mas acabei não lendo.

Fui ler “A Marca Humana” em 2002, já na época do Digestivo. Perto da fatídica eleição presidencial de 2002, o que me ficou, do romance, foi o horror da correção política, que já dominava os Estados Unidos, e que estava se estabelecendo, com a ascensão da esquerda, no Brasil.

Roth previu toda a histeria a que estamos assistindo - sendo o último capítulo essas acusações infindáveis de assédio, quando vão conseguir proibir até o assobio, para uma mulher, na rua...

No livro, um personagem negro - sim, negro - é acusado de racismo. E é perseguido, como professor universitário, pelas patrulhas...

Numa entrevista de Roth, dessa época, ele assume uma postura quase “anti-intelectual”. Antiacadêmica. Tudo o que Jordan Peterson denunciou - aquele pensador canadense que está na moda -, Roth já havia antevisto na virada do milênio.

Meu texto - que está como “Philip Roth e a marca humana” no Google - foi considerado um exemplo de crítica literária, na época, pelos meus colegas de Digestivo. Lembro que até peguei um erro do Daniel Piza, numa resenha dele, apressada, para o Estadão (mas não incluí no meu texto).

Em 2006, li “O Animal Agonizante”, e, embora seja da fase final de Roth, de que eu gosto menos, tínhamos começado uma parceria com a Companhia das Letras, no Digestivo, e eu fiz questão de disponibilizar um exemplar para todos os Colunistas que quisessem ler...

Digo que “gosto menos” porque, na fase final de Roth - na idade em que muita gente já está aposentada no Brasil -, ele trata muito da decadência física, da proximidade da morte, e cada novo livro soa como se fosse o último, como uma despedida...

Os grandes painéis da vida americana, como “Pastoral Americana” e “A Marca Humana”, haviam ficado para trás. Roth assume um tom mais confessional, e, apesar de continuar brilhante, e um exemplo de escrita, não alça mais grandes voos.

Com exceção, talvez, de “Complô contra a América”, uma ficção histórica, de 2004, lançada aqui em 2005, que, em português, achei maçante, ainda que, no Digestivo, tenhamos publicado uma resenha do Sérgio Augusto.

O último grande livro de Roth que li... foi o primeiro. Sim, você leu certo. “Adeus, Columbus” (1959) foi seu primeiro livro de contos, quando ele tinha 26 anos, e que a Companhia de Bolso publicou, aqui, em 2006.

Li, encantado, em 2007. Roth, na sua estreia, já era genial. Procurei se escrevi a respeito, na época, mas não encontrei... De qualquer forma, como são contos, considero a “porta de entrada” para o universo de Roth. Pode-se ler sem medo. É maravilhoso.

Nos últimos anos, senti falta desse universo, comprei e tentei ler “Complexo de Portnoy” em português. Mas achei muita masturbação. Literalmente ;-)

Quando Roth estava vivo, era lugar-comum dizer que ele era um dos maiores escritores vivos, senão o maior deles. Agora, virou lugar-comum dizer que, apesar disso, ele não ganhou o Nobel.

Roth se inscreve na melhor tradição do romance americano e seguiu os passos de outros grandes como Saul Bellow e William Faulkner.

Tive a sorte de ser seu contemporâneo, de ler alguns de seus grandes livros, e de sofrer a sua influência. Assim como o Paulo Francis e o Daniel Piza foram meus heróis no jornalismo, Philip Roth foi - é e sempre será - um dos meus heróis literários.

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Postado por Julio Daio Borges
27/5/2018 às 20h17

 
Publicando no Observatório de Alberto Dines

Na minha época de colunista independente, antes do Digestivo, fui publicado, muitas vezes, pelo Observatório da Imprensa e, hoje, agradeço ao Alberto Dines.

Eu era um simples estudante recém-formado de Engenharia, que tentava emplacar meus textos (antes dos blogs e das redes sociais) - e o Observatório nunca quis saber se eu era jornalista ou se conhecia alguém na redação.

A única exigência era que o assunto fosse mídia. Como eu não tinha compromisso com ninguém (eu não era da área) e não fazia média, acabei me metendo em, pelo menos, duas polêmicas involuntárias.

Uma foi com o Jô Soares, à qual ele nunca me respondeu. Ele havia acabado de lançar seu segundo romance, ruim pra chuchu, mas, como toda a mídia dependia do programa dele, muito cotado naquela época, para fazer divulgação, ninguém tinha coragem para dizer que o rei estava nu.

Ao contrário da maioria dos resenhistas, que era só elogios, eu resolvi *ler* o romance, e era uma porcaria. Escrevi meu texto com trechos do livro, exemplificando. E minha tese era a de que todo mundo dependia do seu beneplácito, então ninguém tinha peito para lhe falar a verdade.

O texto foi parar na versão impressa do Observatório da Imprensa e mudaram o título para “O Gordo Intocável”. Eu nunca chamaria ele de “gordo”, mas tudo bem. Meu título era: “Quem tem medo do Jô Soares?” (está no Google).

O fato é que tempos depois, um jornalista inglês da BBC quis me entrevistar. E, mais tarde, eu descobri, por um amigo que foi trabalhar na mesma BBC, que, entre as “fontes” sobre Jô Soares, em todo o Brasil, eu era a única “contra”.

Meu amigo me deu essa informação aos risos. Anos depois, no auge do Digestivo, alguns Colunistas achavam que eu deveria “ir ao Jô Soares”, para falar do site. Achei que seria uma hipocrisia. E o programa acabou decaindo (para a minha sorte)...

A outra polêmica foi com o Ruy Castro. Mas essa não me impediu de conhecê-lo. E de ter um contato amigável com ele.

Foi uma vez em que o Ruy escreveu um artigo no Estadão criticando o rock’n’roll. E eu escrevi outro, em resposta ao dele: “Ruy Castro e a Mistificação do Rock” (tem no Google também).

Saiu no Observatório da Imprensa. Eu, obviamente, não conhecia o Ruy Castro. Só o admirava pelos livros.

Pois bem: o Observatório levou meu artigo a sério e ligou para o Ruy Castro - mas ele “não quis comentar”.

Hoje, conhecendo o humor dele, deve ter pensado: “Quem é esse desconhecido, que tem a cara de pau de me criticar, é publicado pelo Observatório, e ainda me pedem comentário?”.

Anos mais tarde, numa Bienal, em que fui encontrar o Sérgio Augusto, que já me lia, acabei sendo apresentado para o Ruy Castro e dei meu cartão a ele, que ficou olhando meu nome impresso, sem emitir nenhum som. Tentando quebrar o gelo, perguntei se a letra estava muito pequena - ao que ele me respondeu, com voz grave e séria: “Não, está, não. Eu enxergo muito bem!”.

Depois soube que ele indicava o Digestivo para amigos. Acabamos trocando e-mails. Conversando por telefone e pessoalmente. Já o entrevistei, mais de uma vez. E ele me manda seus livros - o que eu considero um privilégio.

Mas nunca comentamos sobre aquele meu texto no Observatório da Imprensa...

A ideia do Alberto de Dines, de fiscalizar a mídia, e principalmente os “jornalões”, rendeu uma certa notoriedade aos meus escritos, e algumas reações divertidas, como as de cima.

Além de toda a importância do Dines para a jornalismo do Brasil, ele tinha essa abertura para novas vozes - algo que não é o comum nesse meio, de indicações e de amigos de amigos.

Numa era de profusão das fake news, o slogan de “nunca mais ler jornal do mesmo jeito” soa quase ingênuo. Mas foi importante naquele momento. E, como outsider, consegui participar do O.I. e até me divertir. Descanse em paz, Alberto Dines.

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Postado por Julio Daio Borges
23/5/2018 às 14h15

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