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Domingo, 12/6/2016
Blog de Renato Alessandro dos Santos
Renato Alessandro dos Santos
 
Inferno em digestão em Terra sonâmbula

"Aqui nadie se queda inmóvel. Mi pueblo es movimiento. Mi pátria es um camino." (Pablo Neruda)

"Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem." (Bertolt Brecht)

Olhando para trás, lá se vão 24 anos. Terra sonâmbula, romance de Mia Couto, tem essa idade - praticamente o mesmo número de anos que sinalizam o fim da guerra civil de Moçambique, em 1992. Vida difícil a dos moçambicanos. Não bastasse a independência tardia (1975), encerrando a fase de guerra anticolonial, o país entrou em outra batalha, interna, a guerra civil que, de 1976 a 1992, deixou o chão e a vida esburacados. Luta necessária, amplamente mortífera, e que assinala um período em que um tardio império decadente não mais estenderia suas mãos para pilhar e para fazer sofrer aqueles que, além-mar, viram-se enredados numa máquina lusitana que perdeu a sincronia com a máquina do mundo. Duro é compreender que finda a luta pela independência, de 1965 a 1975, contra aqueles que vieram com a língua de fora, começaria outra contra aqueles que, do lado de dentro, não se compreendiam nação uma, surdos que estavam à diversidade de línguas que demarcam territórios e que expuseram uma cizânia, uma ferida que indicava que o ódio e a intolerância ainda tinham muito a dizer a Moçambique.

E a literatura, o que tinha ela a falar sobre tudo isso?

Uma boa resposta está em Terra sonâmbula, um dos 12 livros africanos mais admirados do século 20. “Nele”, afirma a professora Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco, “as estórias entrançadas constituem-se como uma rede poética que dá a resposta da literatura à crise político-social por que passa Moçambique”.

E que resposta! Política e literatura de mãos dadas, depois de levantadas do chão.

Primeiro, repleta de sinais de uma guerra recente, a estrada por onde passam dois personagens que levam o leitor travessia adentro. Os sinais: carros incendiados e retorcidos, pessoas mortas e carcomidas a servir de pasto a aves de rapina; sem comida, sem futuro, sem sonhos. A terra está sonâmbula.

Depois, esses personagens que, no romance, fazem a diferença e indicam o desenrolar do enredo. Dois. Um velho e um menino: Tuahir e Muidinga. Duas gerações a abrir a estrada para seguir adiante. A tradição e o porvir. O menino perdeu voz, dignidade, esperança, mas o velho ajuda-o a reencontrá-las, e partem, até porque não há outra coisa a fazer a não ser manter-se em movimento.

O machimbombo & a mala

Caminham os dois e, de repente, veem um machimbombo abandonado, uma espécie de micro-ônibus que servirá como uma âncora aos dois, âncora para regressar, âncora temporária a amortecer as agruras da estrada. Mas o que é aquilo ali? Ali está o que restou de um homem e, anexado a ele, uma mala. É preciso enterrar o corpo, e eles assim o fazem; é preciso ver o que há dentro daquela velha mala e, ao abri-la, o que o menino encontra são onze cadernos, escritos por Kindzu, terceiro personagem que, fugitivo também, será uma espécie de bálsamo para a travessia de Tuahir e Muidinga, porque nesses apontamentos os dois encontrarão o sonho que parece inexistir na terra sonâmbula.

E vai assim, um livro dentro do outro, em abismo. Muidinga descobre que sabe ler, algo que julgava perdido, e, levantando a voz, narra para Tuahir, cego para as miçangas das letras, a biografia misteriosa de Kindzu, cuja vida também é marcada pelo movimento pícaro da estrada e pelas investigações oníricas que engendra.

Kindzu é filho de um pescador, o velho Taímo. O pai não compreende que o filho tem de ir embora de sua terra, e o menino não entende o porquê da ojeriza do patriarca. Conflito de gerações, conflito marcado por duas visões contrastantes: o filho acredita que a resposta está lá fora, enquanto o pai não o perdoa por fugir e escapar de onde nascera. Eis o sal da terra. Kindzu parte, bem como o pai, que resolve ir para o além-mar que separa o mundo dos vivos e dos mortos. Longe de casa, o rapaz espera encontrar os naparamas, guerreiros que estão mais para lá do que pra cá, isto é, que têm lá seu quinhão no mundos dos mortos e, por isso, representam a tradição de heróis que podem recuperar a grandeza da terra para seu povo.

Parte Kindzu, e seu pai, vez ou outra, surge para lhe iluminar ou apagar o caminho, pois o velho - no mundo dos mortos - ainda não o perdoou. E estrada afora, o passado do país é reaceso pela voz do filho, que, estrada adentro, reencontra ancestrais capazes de resgatar o fio da memória tão severamente obliterado pela assimilação lusitana, isto é, pela borracha que os portugueses esforçaram-se em usar a fim de apagar a memória popular. Assim, emergem estórias capazes de ilustrar a cisão entre o mundo real e o mundo dos sonhos, espelhados pela narração em primeira pessoa de Kindzu e contrastados pela terceira pessoa do narrador, que apresenta a realidade em ruínas, em carcaças, em destroços que povoam a estrada de Muadinga e Tuahir.

É essa voz de Kindzu que resgata o saber africano dos anciãos, bem como a identidade perdida durante o processo de colonização português. Em seus cadernos, a poesia resgata os laços do passado, trazendo ao encontro do leitor a memória do tempo perdido: o canto do galo mimético e independente de Vinticinco de Junho, ou Junho ou Junhito; a perseguição de Nhamataca por rios, à espera de vê-los brotar da terra; as velhas em transe que em busca de gafanhotos parecem ecoar um canto ranzinza de cigarras; o velho português Romão Pinto e sua esposa, a africana Virgínia, personagens que carregam no nome o fardo da colonização; a mulher que em busca do filho ocupa a carcaça de um velho navio ancorado, repleto de mantimentos que apodrecem à revelia de uma população faminta... Essas e outras estórias são costuradas por Kindzu, enquanto do outro lado do espelho os dois personagens servem-se delas como aqueles que, na oração, encontram força para escapulir de uma vida rasteira e seca.

É assim, nesse diálogo entre o passado e o presente, entre o imaginário e a realidade, que Terra sonâmbula encontra, por meio da literatura, o caminho por onde os moçambicanos têm de seguir adiante, estrada afora, vida adentro, como um metrônomo que regressa ao passado para, no presente, seguir como o rio que vai engolindo tudo pela frente, a despeito das margens que o oprimem.

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ilustração de HELTON SOUTO

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RENATO ALESSANDRO DOS SANTOS, 44, é professor no curso de Letras do Centro Universitário Moura Lacerda e no Colégio COC-Batatais. Fez doutorado em estudos literários na UNESP, de Araraquara, e é autor de Mercado de pulgas (Multifoco), da dissertação A revolução das mochilas e da tese Romances rebeldes — a tradição de rebeldia na literatura norte-americana: de Moby Dick a On the Road. É editor deste sítio: TERTÚLIA. Contato: [email protected]; Facebook: Renato dos Santos Santos.

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HELTON SOUTO nasceu em 76. Ribeirão Preto. Casado com Silvana. Cientista social, educador, gerente de projetos na área de educação e juventude, artista plástico e ilustrador. Desenha e pinta desde sempre. Torce para o São Paulo. E seu cachorro se chama Yoda. Blog: Andar na pedra. Contato (Facebook): Helton Souto.



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Postado por Renato Alessandro dos Santos
12/6/2016 às 14h12

 
Fuvest divulga lista de livros para 2017

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Iracema caminhava pela praia, quando encontrou um livro no chão: Memórias póstumas de Brás Cubas. Quis lê-lo e, por isso, voltou para casa. Adoraria morar na cidade, além das serras, mas não havia jeito: tinha de se contentar com o cortiço onde vivia. Ao chegar lá, surpreendeu-se com os Capitães da areia, que esperavam por ela. Conversaram. Eles falaram de suas vidas secas e, em seguida, a respeito de um claro-enigma que queriam desvendar; estavam animados, porque tinham Sagarana, um talismã que um ancião, numa encruzilhada, entregara a eles. Também contaram que, desvendado o enigma, encontrariam a resposta: Mayombe. A aventura só estava começando.

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
12/3/2016 às 17h09

 
Os olhos de Ingrid Bergman

“Você me despreza?”, pergunta Ugarte (Peter Lorre) a Rick (Humphrey Bogart). “Se ao menos pensasse em você, provavelmente, desprezaria”. Em outro momento, um oficial alemão pergunta a Bogart: “Qual a sua nacionalidade?”. “Eu sou um bêbado”. O mesmo oficial ainda comenta com Rick: “quer dizer que você não simpatiza com a raposa?” Eles estão em Casablanca, África, no Marrocos francês. Rick é dono do lugar mais badalado da cidade, o Rick's Café Américain. Taciturno, temido, cioso de seu negócio, foi obrigado a fugir de Paris quando os alemães tomaram a capital francesa logo no início da II Guerra Mundial. Fugindo de Paris, deixou para trás Ilsa Lund, ninguém menos que Ingrid Bergman, cuja beleza em Casablanca atinge a plenitude. Portanto, ele não tem motivo para simpatizar com a raposa, o III Reich. “Não em particular”, responde ao oficial alemão. “Entendo o ponto-de-vista dos cães também”. Rick tem apenas 37 anos.

E assim o filme vai contando a história dessas pessoas ancoradas como ilhas, sem ter como fugir dali, sequiosas de encontrar a liberdade e tomar um avião para Lisboa, numa rota que significa a possibilidade de fugir da Europa e seguir para a América, bem distante da guerra. O único lugar onde todos querem estar à noite é o bar do Rick. É lá que ele reencontrará Ilsa. A cena é clássica. Os dois ainda não se viram. Ela aproxima-se de Sam (Dooley Wilson) e pergunta por Rick. Sam sabe que essa mulher é uma nuvem repleta de raios na vida do patrão e, por isso, pede a ela que vá embora. Ela o ignora. “Toque 'As time goes by', Sam”. É a música dos dois, Rick & Ilsa, ou Bogart & Bergman, longe do repertório do pianista desde a fuga de Paris. Com a canção timidamente tocada por Sam, a câmera focaliza os olhos de Ilsa, e há uma tristeza profunda ali, como quem não compreende as peças que a vida prega. É um dos momentos mais bonitos da história do cinema. Os olhos de Ingrid Bergman. A canção é triste como esses olhos, e eis que chega Rick, colérico por Sam estar tocando essa música proibida e, então, ele vê Ilsa.

E é só o começo de Casablanca.

Ilustração de Helton Souto

Texto publicado originalmente no site tertúlia. Aqui: tertúlia .

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
27/2/2016 às 16h16

 
Garganta profunda

Dusty Springfield não tem seu nome reconhecido por todo mundo que gosta de música, como eu e você. Minha sorte foi ler a crítica sobre os álbuns Dusty in Memphis (1969) e A girl called Dusty (1964) no 1001 discos para ouvir antes de morrer, livro que além de edulcorar a estante de CDs e discos de vinil traz sugestões do que vale a pena ouvir por aí.

Dusty brigou com meio mundo por causa de seu álbum Dusty in Memphis, seu debute. O processo de produção de um disco não é uma junção de elementos reunidos à toa ou à base de sorte, pois um produtor musical de talento sabe os botões que tem de apertar. Dusty Springfield brigou com esse cara, com o cara dos arranjos, com o porteiro, com o faxineiro, com a loira do banheiro, com Deus, com o mundo. Uma artista que tem consciência do que é capaz de fazer e que, por isso, não arreda o pé, não é, diz, uma pessoa para se respeitar? Deu no que deu: os admiráveis Dusty in Memphis e A girl called Dusty, como você já sabe, foram parar no meio dos 1001 discos e, por isso, estamos aqui, eu e você, na peleja com este texto.

Vamos ignorar os discos dela dos anos 1980 em diante, porque, mais do que um trabalho de maturidade, o que há ali são algumas moedinhas jogadas à toa na fonte da juventude; à toa porque secou. Melhor lembrar de Dusty Springfield nos anos 1960, quando fez de sua música um convite para ouvi-la, enquanto na cabeça de quem a ouve um carrossel de parque de diversões fica rodopiando, rodopiando...

Difícil não incluir algumas contas de vidro dessa intérprete de soul, rock e pop no dia a dia, como “Son of a preacher man” (talvez sua canção mais conhecida), “Mockinbird”, “I only want to be with you”, “He’s got something”, “What do you do when you love”, “Don’t forget about me”, “Breakfast in bed” e, finalmente, a comovente “Goin’ back”, que deve ter sido feita para marejar de lágrimas o chão onde rolam os fãs de Dusty. É uma canção que fala de olhar para trás com o arrependimento que, decerto, toma conta desse cérebro onde relâmpagos cintilam acima dos ombros seus, leitor.

Pena descobrir que Dusty Springfield não conseguiu fazer o câncer de mama beijar a lona, derrotado. Era dois de março de 1999. Dona Morte só podia estar de brincadeira… Certo é que ela é dona de uma dessas vozes que enchem a sala toda, como cabe a uma garota de talento como ela. Tomara que o tempo dê o lugar que ela merece na Quadrilha das Gargantas Profundas, esse clube fechado onde vozes de veludo como E_ _ a James, _l_a Fitzge_ald, Aret_ _ Franklin e Am_y Whinehouse fazem a festa.
+++
Ilustração de Thaís Alberti; texto publicado originalmente no site Tertúlia

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
30/1/2016 às 16h09

 
Bizzzare Bowwwie

Até 2012, nunca havia ouvido Ziggy Camaleão com atenção. Uma vergonha, mas ainda tenho amigos que também não deram muita bola para Bowie e, certamente, não irão para o céu, quando de uma vez por todas o compromisso se mostrar inadiável. Muitos garotos amavam só os Beatles e os Rolling Stones; outros, Led Zeppelin e Sabbath, que sem parar tocavam nos alto-falantes do 3 em 1. Bowie era para poucos.
Ultrapassei os 20 e os 30 e alguma coisa com orgulho. Chegaram os 40 e, com eles, David Bowie. Até que enfim, rapaz! Por onde andava? Com a aparição, veio uma pergunta: por que nunca havia me interessado por David Bowie? Minha dúvida virou uma dívida. Amigos que admirei na adolescência gostavam de Kiss, de Iron Maiden. Heavy Metal no cardápio. Quando fui crescendo, ajudou muito o caleidoscópio pop de três acordes que o rock'n'roll vem legando desde os 1950, criando aquelas fronteiras que colocavam pais e filhos em cantos opostos da casa: os pais na sala; os filhos dedilhando uma guitarra invisível, com riffs que vêm do fundo da alma. Hoje, pais e filhos dividem a paixão pelo rock'n'roll e ouvem os mesmos discos. Ainda bem.

Tudo ia muito bem e, de repente, fica melhor ainda: surge a internet nos 1990; pena que, infelizmente, passou a ocupar esse tempo esférico de nossas vidas. É, é uma pena, mas posso baixar a discografia completa de Bowie e, antes tarde do que nunca, ouvi-lo com atenção, fazendo o que deveria ter acontecido desde que, lá pelos 12, em 1984, os caras do Kiss começaram a fazer, quando conquistaram este vagabundo coração, pelos ouvidos. Com a idade se insinuando, pensei: não há jeito melhor de se pagar uma dívida com um artista do que conhecendo seu trabalho, ouvindo-o, estudando-o, analisando o que o homem fez no decorrer de sua vida artística entupida de excessos, de drogas, de rock'n'roll. E, rebel rebel, Bowie é o artista artista.
Aí, decerto porque sou professor, lembrei de uma questão didática envolvendo David Bowie e o aprendizado da língua inglesa, numa conversa entre pai e filho:

- Você está ouvindo música? - Não, estou aprendendo inglês. - Como assim? Você tá aí, deitadão, ouvindo música. - Nã, nã, não. Estou ouvindo David Bowie e, enquanto ouço o que ele canta, presto atenção nas letras, na construção das frases, no jeito que ele canta, que é demais, aliás. - E isso é aprender inglês? - Não é?! Há forma mais prazerosa de se aprender inglês do que esta? - Mas funciona? - Of course, my dear. - Is we, então. Toca aqui. - Is we.

O que motivou também a pagar a dívida com B.O.W.I.E. foi o texto de Alexandre Dantas no Tertúlia. Ele escreveu sobre o cinzento e suburbano Joy Division. Meu amigo lembrou que o nome original da banda de Ian Curtis foi retirado de uma música de Low, 11º álbum de Bowie. Baixei o disco e, claro, lá estava o camaleão, mas era diferente do que me acostumei a ver & ouvir quando adolescia nos 1980. Não era nada parecido com "China girl" ou "Let's dance", canções de Bowie que nunca ouvia deliberadamente e, se acontecia, era só porque não sou surdo. Sorry, Bowie, mas jamais colocaria essas duas canções no toca-disco nos 80's. Hoje, sim. Se bem que havia "Absolute begginers" e "Modern love", faixas de Bowie que nunca soaram ruins. Pensando bem, deveria mesmo era ter virado Aladdin Sane de um lado a outro no toca-discos, como um bife.

Vem o tempo, e a gente aprende, enquanto o telhado vai se cobrindo de neve.
Caetano Veloso era feio que dói quando era tropicalista; depois, quando envelheceu, continuou... feio que dói, mas, talvez, - talvez -, um pouco mais "simpático" do que era. De qualquer forma, este parágrafo não tem nenhuma importância para este texto.
Após baixar Low, quando menos percebi, estava ouvindo finalmente David Bowie pra valer. Comecei pelo primeiro disco e fui até o último, passando pelo Tin Machine e tudo. Não deu outra: pelo terceiro dia, estava interessado em ler sobre o moço que, hoje, já é um senhor. Vou à Estante Virtual e, lá, encomendo três livros sobre o gajo. Estava bom até aí.
Li sua biografia (Bowie, a biografia, de Marc Spitz) e, naquela ocasião, não gostaria por nada deste mundo que David Bowie morresse, ou mesmo que algo de ruim acontecesse a ele. Sério. Somos gente comum, é duro aceitar isso, mas o bom é que, por isso, podemos fazer fanzines e, 4 me, na minha galeria de heróis, Bowie está ali, ao lado de Buddy Holly, de Thom Yorke, do Jeff Mangum e de outros, como Kerouac, Brito Broca, los rebeldes Rimbaud e Baudelaire, além de Stephen King, de Poe, de outros ícones de que não me lembro agora. Ah: Macaulay Culkin, River Phoenix e H. D. Thoreau, também.

Escrevo tudo isso, enquanto no toca-discos toca Aladdin Sane. Uma pergunta: o que é aquela fusão de piano, sax e bateria na faixa-título, senão coisa de gênio? Eis aí o porquê de o rock'n'roll nunca morrer: gente como Bowie não deixa, além de mim ou de você, cara pálida que vê em aliens como o camaleão motivo suficiente pra estudar, história do rock adentro, a trajetória de um artista ou de uma banda. Tudo para mergulhar mais fundo. Há uma certa classe nisso.
Hoje, merecidamente, Bowie vive e permanece como uma lenda viva. Se você fosse ele, e olhasse para trás, o que veria? Mick Jagger?! Tomara que em vez do rosto de pedra talhado em xilogravura veja o que realmente importa em relação a um artista como Bowie. Isto mesmo. Afinal, esta discografia de causar inveja a qualquer outro artista, não é uma beleza?

Texto publicado no site Tertúlia (www.tertuliaonline.com.br)

Ilustrações de Ubirajara Gonçalves Filho

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
25/10/2015 às 14h22

 
Biografia de Freud em quadrinhos é exuberante



Pareciam atletas olímpicos do salto a distância. Primeiro, veio Copérnico, com seus joelhos estralando; ele mirou o sol, colocando-o no seu devido lugar, e saltou - fria e precisamente, como só um cientista de olhar telescópico como ele poderia fazer. Da turba, apenas algumas palmas e uns gritos meio-tossidos, tímidos tapinhas nas costas pelos quais um resignado, mas feliz Copérnico agradeceu. Darwin chegou em seguida, tropeçando em sua barba de onde micos leões dourados saíam sorridentes. A hipótese de fazer o sinal da cruz nem de longe passou por sua cabeça; sorriu, olhou para um sujeito de batina bem ao seu lado e, com o punho direito cerrado, como um típico Pantera Negra, gritou àqueles ouvidos celestiais: nevermore! E saltou. Em câmera lenta. Do outro lado, os pequenos micos pendurados na barba mafagafinho de Darwin - como num passe de mágica - trans-for-ma-ram-se em elétricos bebês berrantes, que, num átimo, foram acolhidos com espigas de milho que Freud, o próximo a saltar, atirou na direção deles. Eles agradeceram e - ploc! ploc! ploc!-, como pipoca, começaram a crescer, a sofrer, a falar pelos cotovelos , enquanto Freud ouvia tudo, dando as costas a eles, porque precisava saltar, e precisava saltar agora. Saltou. E foi um salto e tanto. Todos eles ficaram hipnotizados, perguntando a si mesmos, como ele havia conseguido saltar tão longe. Freud agradeceu e começou a explicar, a explicar, a explicar. Falou de complexo disso, complexo daquilo. Ego. Id. Superego. Ninguém entendeu nada.

Copérnico deixou o papa estarrecido quando afirmou que a Terra não ficava exatamente no centro da Capela Sistina. "Não somos o umbigo do universo, chefe", disse, enquanto trocava a lâmpada da sala. "Somos punks da periferia" - e acendeu a luz. Darwin causou o maior reboliço quando também tirou o homem do berço armado a ele, como lobotomia, no meio da manjedoura: "Somos animaizinhos quaisquer, a nos resfestelar na lama". E ninguém melhor do que Freud para nos fazer calar, enquanto atravessamos o labirinto, guiados pelo cordão que ele nos atira como finos fios de aranha. Fomos todos hibernar, inconscientemente reprimidos, lá nos fundilhos da infância, de onde Freud nos fisgou, como um peixe.

Ninguém nunca mergulhou tão fundo

Está tudo aqui, em Entendendo Freud, publicado no Brasil pela LeYa. Além de toda a equipe editorial, os principais responsáveis por esta biografia ilustrada do pai da psicanálise são dois: Richard Appignanesi, que se preocupou com o roteiro, e Oscar Zarate, quepintou o sete com seus traços muito bem-humorados. "As ilustrações de Zarate são incríveis e os textos de Appignanesi são pesquisados com esmero e apresentados com clareza", escreveu, acertando em cheio, o Washington Post.


Vai se arrepender quem, de repente, deixar de ler Entendendo Freud por julgar que uma biografia em quadrinhos não é uma forma adequada para se conhecer mais da vida e da obra de Sig. Claro, nada melhor do que ir à fonte: é um prazer ler o que Freud escreveu em seus textos, pois ele foi um excelente autor (quando puder, leia seu ensaio a respeito de "A Gradiva", de Jensen); e em relação à sua vida, boas biografias não deixam os leitores na mão (A vida e a obra de Sigmund Freud, de Ernest Jones; Freud - uma vida para nosso tempo, de Peter Gay), mas que tal esta biografia ilustrada de Sigmund?

Em Entendendo Freud, lemos sobre o conteúdo manifesto e o conteúdo latente dos sonhos (gosta de literatura? os capítulos 6 e 7 de A interpretação dos sonhos esperam por você); lemos sobre parapraxia e, nessa hora, você ficará com vontade de ler A psicopatologia da vida cotidiana (1901), em que Freud descreve exemplos típicos de esquecimento, coisas banais como lapsos verbais e falhas de memória que ocorrem frequentemente em nossa vida; lemos sobre inconsciente e pré-consciente; sobre o Complexo de Édipo; sobre a inveja do pênis e a angústia da castração; sobre perversão, sexualidade, libido, amnésia infantil, narcisismo, instinto de morte etc. et cetera; e, claro, lá pelo fim de Entendendo Freud, sobre ego, id e superego - outra grande descoberta a respeito de nosso aparelho psíquico.

Lendo Entendendo Freud não fica difícil admirar o médico vienense não apenas pelo que ele legou à ciência, mas também pelas mazelas que sofreu, principalmente, em seus últimos 16 anos de vida, quando o câncer o fez passar por 33 cirurgias que não o impediram de morrer, em 23 de setembro de 1939. Freud foi operado pela primeira vez em 1923. "Todo o maxilar superior e o palato do lado direito foram removidos", diz Appignanesi. "Durante os dezesseis seguintes anos de vida", complementa, "Freud frequentemente sofreu de uma dor angustiante. Sua fala e sua audição foram afetadas e ficou difícil comer. Uma prótese (um tipo de dentadura imensa) teve de ser projetada para separar a boca da cavidade nasal". Freud não merecia. Mas os portões do inferno já estavam abertos: em 1920, ele havia perdido Sophie, sua "filha querida", que morreu aos 26 anos, e, em 1923, perdera também o "neto predileto", filho de Sophie, que tinha apenas 4 anos e 6 meses.

E diante de uma vida tão devotada à ciência, finalizada a leitura, não fica difícil entender por que o bordão "Freud explica" se aplica tão bem ao pai da psicanálise. Ninguém nunca mergulhou tão fundo. Ao menos até aqui.

RENATO ALESSANDRO DOS SANTOS, 43, é editor do site TERTÚLIA (www.tertuliaonline.com.br).

Ilustração de HELTON SOUTO.

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
25/8/2015 às 13h38

 
A morte do professor de literatura


"O Captain! My Captain". A morte de Robin Williams deixou o mundo todo comovido e estarrecido. Como pode morrer o palhaço mais triste de Hollywood? Da tragicomédia humana ninguém escapa, até porque os limites entre comédia e drama fazem parte de nossa vida diariamente. Williams sorria por fora, mas por dentro estava despedaçado. O diagnóstico de Mal de Parkinson talvez não tenha sido tão destruidor quanto a dor pela morte recente do amigo Jonathan Winters, comediante morto em abril de 2014 aos 87. E agora Robin Williams está morto. Morreu aquele que deu corpo, voz e alma a John Keating, o predileto e genial professor de literatura de muitos e muitos por aí; não de todos, certamente, mas de muitos. Muitos.

Todo aluno de Letras e todo professor de literatura têm de ver Sociedade dos poetas mortos. Parece incrível, mas nem todos que pertencem à geração que nasceu nos 1990 viu o filme ainda. Precisam ver. O que Robin Williams faz é mostrar que, num colégio tradicional norte-americano de meados dos anos 1950, conservador, elitista, burocrático, é possível ser Dionísio em um mundo cercado de Apolos. O professor John Keating é poesia, liberdade, alma, enquanto a sociedade daquele tempo é certinha e previsível. John Keating não; John Keating é aquela vela acesa lá do início do filme; aquele que anseia pela vida soprando forte nas madeixas, balançando as franjas freneticamente, conforme a direção do vento aponta. John Keating é o biruta, e seus alunos passam por ele, absorvendo-o. É o que vemos em Sociedade dos poetas mortos, quando aqueles meninos resolvem adotar o estilo de vida libertário contido na expressão latina carpe diem. Aproveitar a vida, eis o porquê de tudo. Estamos aqui para ficar amarrados a uma árvore de nosso jardim ou devemos pôr o pé na rua e sentir o sol bater no rosto, correndo o risco de sermos atropelados, abduzidos ou flechados pelo Cupido? Muitos ficam em casa e não se arrependem. Mas têm dificuldade para descobrir o que é ser razoavelmente livre. De espírito. É o que faz Keating: como professor, abre o caminho, como os birutas que, nos aeroportos, apontam a quem estiver interessado a direção do vento.

Keating é quem liberta o espírito de seus alunos. Com poesia. Com literatura. Com literatura de gente como Walt Whitman e Henry David Thoreau, dois clássicos rebeldes norte-americanos. Vem de Thoreau a constatação de que sorrimos por fora, enquanto por dentro estamos despedaçados. Ninguém pensou que Robin Williams estivesse tão despedaçado. Mas estava. A notícia de sua morte coloca um ponto-final à vida do homem que representou o professor de literatura mais querido do mundo. E assim, com Sociedade dos poetas mortos, por meio da etérea e flamejante escuridão da qual o cinema se serve, a literatura sempre estará presente; já o ser humano que morreu asfixiado e que deu vida àquele professor inesquecível, paradoxalmente como o corvo de Poe, nos lembrará de que a vida é triste, cheia de dor e sofrimento, enquanto grita "Carpe Diem" a si mesmo, mas agora sem acreditar que, ao final, tudo dará certo. Infelizmente.

Texto publicado originalmente no Blog do curso de Letras do Moura Lacerda.

Renato Alessandro dos Santos é professor e editor do site Tertúlia.

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
14/8/2015 às 16h23

 
O que você anda lendo?

Da mesma forma que a música de Beethoven é capaz de oferecer ao ouvinte um pouco mais da personalidade arredia do gênio, com a literatura, também passamos a frequentar a cabeça dos escritores, descobrindo o que se passa ali dentro, quer eles queiram ou não . Se qualquer que seja a vida ela já vale a pena, imagine andar pelo mundo, conhecendo-o e conhecendo-se, tendo ao seu lado gente como Jack Kerouac, Eça de Queirós, Erico Verissimo, William Shakespeare, Cervantes, Dante, Chaucer, Dostoiévski ou os goliardos da Idade Média. A literatura é uma dama de muitos séculos que, como uma jovem vampira, está sempre cinematograficamente jovial, adolescendo com uma consciência de espírito que atravessa os séculos, à disposição de qualquer um que goste de ler e que saiba responder à pergunta de Drummond: "trouxeste a chave?". Se pegarmos de volta o título deste texto, como um laço ou como a língua de um camaleão que se serve - vupt! - de sua comidinha, diga, por favor, o que você anda lendo ultimamente?

Adolescente, fiz parte do Círculo do Livro, que hoje não existe mais, infelizmente. Desde os 13 anos me aventurava pela Coleção "Vaga-Lume" e gostava de Stephen King, Edgar Allan Poe e literatura fantástica. Mas foi um pouco mais tarde que algo aconteceu: por dias a fio, aguardei pela chegada do Pequeno guia da literatura universal, de Luiz Carlos Lisboa, cujo subtítulo é: "através de quase duzentos livros que ninguém mais pode ignorar impunemente". Uau! Me senti como o personagem de Leonardo DiCaprio quando chega à exuberante paisagem principal de A praia, filme que nasceu de um romance da literatura inglesa contemporânea, The beach, de Alex Garland. O livro de Lisboa faz parte de minha vida desde então e hoje, aos 37, encontro nele a mesma alegria que tinha, quando, moleque, as franjas balançavam estrada afora, como uma cortina de contas de vidro de uma república estudantil sempre em festa.

Pequeno guia da literatura universal é uma viagem literária, asseguram os editores, "pelo universo da fantasia, da inteligência e da beleza". Sem dúvida. Dentre as obras selecionadas pelo autor, há romances, contos, peças de teatro, livros de poemas, além de ensaios, memórias, crítica e história. Com um guia como esse em mãos, o que você quer ler? Um romance? Que tal Martin Eden, de Jack London, A metamorfose, de Kafka, O homem que foi Quinta-feira, de Chesterton, ou Fogo morto, de José Lins do Rego? Eles estão enfeixados entre Camus, Hemingway, Cortázar e outros. Teatro? Shakespeare, Sófocles, Tchekhov, Brecht ou Nelson Rodrigues? Prefere poesia? Antiga ou moderna? Comece por Homero, Ovídio, passe por Bashô, Blake, Whitman, Bandeira e conheça o vasto mundo de Drummond - não se esqueça da chave. Se quiser, comece por Drummond e, de volta para o passado, chegue ao vasto mundo de Homero. O que mais? Leia o Antigo Testamento, A República, de Platão, O Livro tibetano dos mortos, A Vida dos doze césares, de Suetônio, a Autobiografia, de Benjamin Franklin, Nietzsche, Huxley, Nabuco e experimente Wilson Martins (1921-2010), autor do monumental trabalho - de dedicação e pesquisa - que é a História da inteligência brasileira.

Por que ler um guia como o de Lisboa?

Porque muitos candidatos a leitores, ansiosos por conhecer o mundo da literatura, não sabem o que ler ou por onde começar. Isso acontece mesmo com aqueles que estão à iminência dos primeiros fios brancos na cabeça, algo que diz muito a respeito de um país que nunca foi um exemplo de hábito de leitura e que, a cada dia que passa, tem menos apreciadores dos livros. Uma pena. Imagine o guia de Luiz Carlos Lisboa nas mãos de quem ainda está adolescendo? É o seu caso? Vamos torcer que sim.

Nessa idade é mais fácil criar um laço de convivência entre leitor e livro. É como se, ao saber que seu corpo não precisa de tanto açúcar assim, e sim de mais exercícios, você descobrisse que a literatura é capaz de fazer por seu cérebro o que abdominais conseguem fazer por suas gordurinhas localizadas. Então, o que está esperando? Ao trabalho! Mas, antes, que tal desligar a TV (por favor) e afastar sua mente dos ruídos cotidianos do seu dia? Preste atenção: a leitura não deve ser vista como uma obrigação. Se ao ler você já não mexe seus lábios e nem a cabeça, parabéns, pois o caminho é esse mesmo. Ler requer paciência, algo que é bom ter vida afora. Então, já pensando que talvez sua paciência e concentração estejam prestes a sair por aí, por favor, aproxime-se.

Já pensou a respeito da transitoriedade de seu dia? Já ficou imaginando coisas, como, por exemplo, ser o único a prestar atenção em uma pedrinha triste e solitária, esquecida no jardim de sua casa? Não? Tudo bem. Não era nada disso mesmo. O que precisa saber é: há livros que você deveria ler enquanto ainda é adolescente, pois eles vão crescer com você. "É como plantar uma árvore na juventude", disse certa vez o crítico Lionel Trilling, "cada ano acrescenta um novo nó de crescimento no significado e o livro é um pouco como a árvore que vai amadurecendo". É uma bela metáfora e seria bom que ela fizesse parte da sua vida. Por isso, mais uma vez, o que anda lendo?

E mais: será que anda lendo corretamente? Há algumas atitudes que, zás-trás, farão bem a você. Por exemplo: não há nenhum problema em se ler um livro deitado na cama ou no sofá, não é? Se estiver cansado, depois de ter trabalhado o dia todo, estudado à noite, e mesmo assim você ainda encontra tempo para um livrinho, protelando o sono merecido, parabéns. Sinceros. Nesse caso, por que não se senta, toma um cappuccino e, com uma luz apropriada sobre o livro, ouve sua banda predileta nos fones do MP3 e se debruça sobre a literatura?

Em 1973, antes de escrever Pequeno guia da literatura universal, Luiz Carlos Lisboa publicou Tudo o que você precisa ler sem ser um rato de biblioteca. Subtítulo? "Roteiro completo dos livros básicos para a sua vida". São duas obras que versam a respeito do mesmo tema: livros, grandes livros. Como o autor chegou até eles? Quais foram seus critérios de escolha? "Eventuais sugestões de acréscimos, subtrações, fatais em trabalhos deste gênero, poderão compor outro livro, de um outro autor", diz Lisboa, "não este, resultado de preferências confessadamente pessoais, limitado e omisso, talvez, mas em todo caso animado da esperança de ser útil".

Rato de biblioteca



A utilidade é um bom critério de escolha, não é? Lisboa chegou a essa lista porque ele é um leitor voraz, um rato de biblioteca, como sugere o título de seu livro. Por que não confiar em alguém como ele? O único problema em relação a esses dois guias é que estão fora de catálogo, mas os sebos estão on-line, esperando por você, para o que der e vier. De qualquer forma, o autor não parou por aí e, em 2001, publicou mais dois guias, ambos com o mesmo título de seu primeiro estudo, Tudo que você precisa ler sem ser um rato de biblioteca, mas divididos em dois tomos: "guia do melhor da literatura brasileira" e "guia do melhor da literatura internacional". O cérebro roncou? Sim, são obras para abrir o apetite do leitor para o que virá em seguida. O menu? Pratos como: Quincas Borba, Presença de Anita, A menina morta, Grande sertão: veredas, O encontro marcado, As mil e uma noites, Dom Quixote, Robinson Crusoé, Orgulho e preconceito, O som e a fúria, Viagem ao fim da noite, O senhor dos anéis, Rei Lear e outros textos, alguns curiosos, como O ursinho Puff, de A. A. Milne.

Outros autores, claro, preocuparam-se em abrir caminho para novos leitores. É o caso do prestigiado Harold Bloom, um vovô norte-americano, dono de sobrancelhas horripilantes, autor de Como e por que ler, obra que, curiosamente, é lembrada por Lisboa em sua mais recente lista com o melhor da literatura estrangeira. Bloom é um leitor acima de tudo e, na altura de seus quase 80 anos, vem publicando livros que sacodem os estudos literários, como O cânone ocidental (1995) e Shakespeare - a invenção do humano (2000).

Em Como e por que ler, Bloom debruça-se sobre textos que não devem permanecer edulcorando a estante e, sim, vivos na imaginação dos leitores. Citando Virginia Woolf, ele estabelece seu objetivo: "não devemos desperdiçar nossas forças, lendo de modo errático e desavisado", sugere a Clarice Lispector inglesa, e Bloom complementa: "portanto, enquanto não amadurecermos como leitores, algum aconselhamento sobre leitura pode ser-nos útil, talvez, até mesmo essencial". Mais uma vez, a utilidade. Tsc, tsc. Já passou da hora de lembrar que literatura não é utilidade em si, como discutem muitos autores por aí; literatura é antes um prazer irremediável dentre aqueles que gostam de ler ou, como diz Bloom, um "sofrido prazer", ou seja, algo que "articule uma plausível definição do Sublime". E o que isso significa? Ele explica: "existe o Sublime alcançado através da leitura, ao que parece, a única transcendência secular que é possível, senão por aquela transcendência ainda mais precária que denominamos 'amor, paixão'". Em outras palavras: "leia plenamente, não para acreditar, nem para concordar, tampouco para refutar, mas para buscar empatia com a natureza que escreve e lê", ele diz.

Bloom divide seu livro em contos, poemas, romances e somente três peças: Hamlet, Hedda Gabler e A importância de ser prudente. Bloom é mais austero que Lisboa, mas sua lista não contém só autores clássicos; mais do que Shakespeare e Milton, há muitos escritores rebeldes, por assim dizer, cuja verve mira a juventude e suas linhas tortas, como Coleridge, Tennyson, Blake, Hemingway, e, como não poderia deixar de ser, textos em cujo horizonte de leitura encontra-se o leitor juvenil, como são os casos de O Horla, de Maupassant, A canção de mim mesmo, de Whitman, e Moby Dick, de Melville. Aqui, a despeito de toda violência e barbárie, ainda há lugar para Meridiano de sangue, de Cormac McCarthy, autor de Onde os fracos não têm vez, cuja adaptação para o cinema foi muito bem conduzida pelos irmãos Coen. Como você pode imaginar, Como e por que ler já é um clássico instantâneo de nosso tempo e é um livro que fala de outros livros.

Balzac e a costureirinha chinesa



Vamos deixar a não ficção de Bloom e partir para a ficção de Dai Sijie, que escreveu Balzac e a costureirinha chinesa, romance que cabe neste texto por dois motivos: além de ser uma narrativa a respeito de livros que devem ser lidos na juventude, traz uma história admirável, amarga e bela. Durante a Revolução Cultural chinesa, opressão e intolerância andam de mãos dadas e quem paga por isso são estudantes, professores, intelectuais e rebeldes de toda espécie, do mais simples operário ao camponês mais arredio. Dois rapazes vão parar em uma aldeia e passam por uma espécie de reeducação. São escravizados e sofrem todo tipo de humilhação. Suas vidas resumem-se a um universo em preto & branco e eles não têm nenhuma razão especial para viver. Tudo muda quando descobrem uma valise cheia de romances ocidentais proibidos pelo regime do presidente Mao. Estão lá Balzac, Dumas, Flaubert, Baudelaire, Tolstoi e outros autores que dão cor à vida dos dois estudantes e da costureirinha do título, que, além de ser uma camponesa humilde e viçosa, é o secreto objeto de desejo dos dois.

Aos poucos, com os livros, ambos começam a abrir a cabeça da costureirinha, mas não literalmente, claro, transformando-a. O mundo dela começa a mudar por causa de romances como O conde de Monte Cristo, de Dumas, O pai Goriot, de Balzac, Jean-Christophe, de Romain Rolland. "Até aquele encontro roubado com Jean-Christophe", diz o narrador, amigo de Luo, "minha pobre cabeça educada e reeducada, simplesmente ignorava que se pudesse lutar sozinho contra o mundo inteiro". Para cada um deles, esses romances flamejantes oferecem o mesmo sentido do "Sublime" ressaltado por Harold Bloom alguns parágrafos atrás. Por esse motivo, pela descoberta de que a vida não é só comida e peleja, o final do romance é surpreendente e, lendo-o, você há de concordar, não poderia ser outro o destino da costureirinha.

Estamos chegando ao fim, mas, antes, não poderia deixar de mencionar dois títulos que, em busca de formar leitores, merecem sua atenção. Em Como e por que ler os clássicos universais desde cedo, Ana Maria Machado, tomando como base sua própria convivência com os livros, ressalta a importância de crescer com textos que, como uma bagagem cultural imprescindível, serão levados vida afora pelo leitor. "Prefiro chamar a atenção para o fato de que esses diferentes livros foram lidos cedo, na infância ou adolescência", diz a autora, "e passaram a fazer parte indissociável da bagagem cultural e afetiva que seu leitor incorporou pela vida afora, ajudando-o a ser quem foi".

Já Mistérios da literatura, de Daniel Piza, que recorre à biografia do autor para discorrer sobre Poe, Machado, Conrad e Kafka, é outro singular esforço ao encontro da formação de leitores. Minha edição de Mistérios da literatura foi autografada pelo autor e gostei muito do que escreveu. Serviria a você, leitora e leitor, se estivessem no meu lugar: "Para Renato, este livro que eu queria que tivesse mais leitores como você." Desconfio de que Piza escreva essa dedicatória a todos os leitores de seu livro, mas se chegou até aqui, até o final deste artigo, talvez você perceba que essa dedicatória sugere o sentido de tudo que está em jogo aqui. A literatura é uma dama e, como tal, deve ser cortejada por todos que a querem bem.



Texto publicado, originalmente, no site Tertúlia e, também, no livro Mercado de pulgas (Multifoco)

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
17/5/2015 às 14h47

 
A literatura como vício



Eu nunca tive talento para tocar guitarra. Durante toda minha adolescência, eu bem que quis ser um grande guitarrista e tal, mas descobri que não levava jeito praquilo. Acho que é por isso que meu violão hoje vive com uma eterna camada de poeira sobre si. Que dó! Embora não me faça falta, nem por isso ele fica jogado num canto qualquer do quarto, a contemplar uma réstia de sol que lá continua a brilhar; ele simplesmente fica ali, ao lado da cama, de boca aberta, esperando de mim uma dedicação de amor eterno que nunca vai ter, porque, como disse, nunca tive talento para tocar guitarra. Na infância, competia com meu avô para ver quem estragava mais "Menino da porteira", aquela música caipira que ficou famosa com Sérgio Reis -- Sérgio Reis! Olha só que beleza!

"Nunca tive talento para coisa alguma. Na aula de educação física, parecia um ponto de exclamação (!) assustado, um graveto-magricela que jogava basquete tão bem quanto qualquer jogador da seleção brasileira na final da Copa de 1998, na França, naquele jogo em que Ronaldo surtou. Acho que posso comparar o que brasileiros sentem pelo futebol com a mesma paixão que artistas, por exemplo, sentem pelo vinho, ou com o que pensam astrônomos e poetas a respeito de estrelas. Enfim, descobri que basquete também não era para mim.

Se recordasse minha infância, me lembraria que fui goleiro do Santos, cientista louco, detetive particular, tripulante da frota estelar, guitarrista do Kiss e sabia que me casaria com a princesa Diana -- porque ela sabia, na verdade, que seu príncipe encantado não era o Charles, mas um garoto que amava o Gato Félix e o Sítio do Pica-Pau Amarelo, todo metido a engraçadinho, que vivia em Araraquara, uma cidade do interior paulista tão divertida como uma reunião dos Alcoólatras Anônimos.

Deixei a infância quando me tornei médico. Minha prima sempre era a paciente, mas hoje ela não se lembra mais disso. W. B. Yeats, um poeta irlandês do século 19, escreveu que a inocência e a beleza não têm nenhum inimigo, exceto o tempo. Imagino quantas crianças deixaram de ser crianças quando brincaram de médico pela última vez.

Bem, de qualquer forma, descobri que também não tinha o menor jeito com medicina, mas até hoje um médico vive a me perguntar se já me decidi pela carreira de cientista louco, detetive ou astronauta da NASA. Esqueci de contar que também quis ser astronauta. Puxa vida, como tomei refrigerante!

Foi na adolescência, quando comecei a ler os livros da série "Vaga-Lume" que descobri a literatura. Nunca me esqueci daquelas histórias: A ilha perdida, As aventuras de Xisto, O caso da borboleta Atíria, O escaravelho do diabo, O mistério do cinco estrelas, O rapto do garoto de ouro etc. etc.; sem contar O gênio do crime, de outra editora, com sua história sobre um metódico falsificador de figurinhas.

Adolescendo, descobri o terror com Stephen King e nunca me esqueço de uma noite em que lia O cemitério em uma edição caindo aos pedaços da biblioteca municipal. Estava na sala, sozinho, com a dentadura a ranger como nos desenhos animados, quando Fernanda, uma amiga de minha irmã que era muito chata e diabolicamente irritante naquele tempo, abriu a porta de repente. Não era dessas portas comuns; era dessas portas de correr. Só sei que, com o barulho que a porta fez, me pendurei no lustre e no teto fiquei quando ela entrou. Sempre fui muito medroso. Você já leu esse livro de Stephen King?

Acho que já li pelo menos umas trezentas vezes outro livro seu; não, seu; dele. Pois a primeira vez que li A hora do vampiro devia ter entre 14 ou 15 anos. Uau! Até hoje, é o melhor romance que conheço sobre essas singulares criaturas dentuças, quando não tenho mais 16, como Holden, o admirável mentiroso compulsivo de O apanhador no campo de centeio, do excêntrico J. D. Salinger. É um romance que você deveria ler, sem dúvida, para se lembrar de como era difícil ser adolescente.

Vampiros. Sempre me fascinaram. Tudo bem que o maior connaisseur e multiplicador de LSD dos anos 1960, Dr. Timothy Leary, lia Horácio e Sócrates na adolescência. De minha parte, eu ainda preferia o mundo a desvanecer aos poucos, com o crepúsculo a entorpecer o sol e, em seguida, na ponta dos pés, a desligar a luz do céu, tingindo-o de noite, momento quando todos os verdadeiros heróis iriam combater vampiros louquinhos por uma jugular alheia. Ah! Esses seres notívagos a lamber os beiços, ansiosos por deixar bordadas duas marcas escarlates nos pescocinhos das donzelas de Salem's Lot!

Porém, Stephen King não escreveu somente histórias de horror. Ele e outro escritor, Peter Straub, fizeram muitas cabeças rodopiarem com a leitura de O talismã - isto é, quando contaram a história de um garotinho, Jack Sawyer, que com doze anos inicia uma jornada não só de costa a costa pelos Estados Unidos, mas também pelos "Territórios", um mundo paralelo ao nosso e situado na imaginação do leitor, talvez, ao lado da Terra de Oz.

Jack Sawyer sempre me lembrou o escritor beat Jack Kerouac, que também cruzou de ponta a ponta no final da década de 1940 os Estados Unidos e o México, de carona, não em busca do mesmo talismã de Sawyer, mas à procura de uma América que ele leu em livros como As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain, que, para outro autor, Ernest Hemingway, foi a obra precursora de toda a literatura norte-americana moderna. Dizem que Twain representou melhor do que qualquer outro escritor a força do espírito libertário na literatura norte-americana. Jack Kerouac em On the Road demonstrou esse mesmo espírito com muito talento, e foi bem longe, tão longe como o personagem Jack Sawyer, de O talismã.

Enfim, ler deve ser um prazer para o leitor. Não importa que seja o puro entretenimento de Stephen King ou as clássicas aventuras contadas por Mark Twain. Não importa. Da mesma forma que um cigarro desconta minutos valiosos da biografia de qualquer pessoa, somos pegos em flagrante, quando nos damos conta de que ler nada mais é do que um vício; nesse caso, ser um viciado em literatura, submerso nas páginas de um livro, é um raro prazer. Será que temos alguma coisa em comum?

Texto publicado no site Tertúlia (www.tertuliaonline.com.br) e no livro Mercado de pulgas: uma tertúlia na internet (Multifoco).

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
28/4/2015 às 23h58

 
Tuc!

Ando me sentindo como se tivesse 16 anos, em 1988. Voltei a ouvir meus discos. Fazia uns 15 anos que não os ouvia como agora. Estavam com poeira, jogados num canto da casa, sem que ninguém desse bola pra eles. Até que, por uma conjunção universal de elementos carregados de eletricidade, uma fagulha pôs em curto-circuito o meu cérebro, e ele, que não dava mais bola alguma para discos de vinil, voltou a ver nessas bolachas algo que não encontrava, justamente, desde que a onda seguinte, os CDs, lá nos anos 1990, chegou para mandar para o exílio toda a minha coleção de discos. E se você pensa que são poucos os que voltaram a ouvir seus discos não vai acreditar quando descobrir os preços que alguns lps, que na virada do século eram vendidos a preço de banana, custam agora. Quer comprar algum disco do Led Zeppelin? Que tal os primeiros do Uriah Heep ou do Nazareth? Mutantes? Você terá de andar de ônibus e deixar o carro em casa. Será preciso economizar para voltar a ouvir discos que, lá na adolescência, você trocava por livros ou outras dessas bugigangas que deixam a vida de qualquer um inesquecível. Um acontecimento, enfim.

E sabe que tudo começou porque... porque... Por quê?



Uma coisa é certa: por causa do filme Quase famosos (Almost famous). Fui ver a versão do diretor, de quase três horas, e, de novo, aparecem aqueles discos sugestivos: nunca me esqueci da cena em que o garoto ganha os discos da irmã, que foge estrada afora com o namorado; é quando a câmera mostra a capa de alguns dos álbuns que a hermana roqueira deixa para o irmão. Uau: Pet sounds (The Beach Boys), II (Led Zeppelin), Tommy (The Who), et cetera.

Outra é porque tem a ver com escrever. Jack Kerouac, durante os 21 dias que gastou para escrever a primeira versão de On the Road, com a cabeça cheia de benzedrina, levantava-se, imagino, toda hora para pegar uma cerveja na geladeira. A vantagem de escrever ouvindo discos, noto agora, é que você escreveescrevescreve e, de repente, acaba o lado A, ou o lado B, e, de um jeito ou de outro, seja para virar o disco seja para trocá-lo, você se levanta e oxigena seu cérebro e escrevescrevescreve novamente.

Outra coisa certa foi ter encontrado um amigo na virada deste ano, na casa da minha sogra, o Dênis, que tem, em vinil, a coleção do Led Zeppelin e do AC/DC, além de outras beldades dos anos de ouro do rock. Conversando com ele, me dei conta de que a paixão pelos discos havia recomeçado, e agora me encontro aqui, num sábado à tarde, com um doutorado pra terminar, escrevendo este texto. (Que minha orientadora não o leia. Oi, Maria Clara. Desculpe) É que hoje aguardava uma encomenda que chegaria por Sedex. Ontem, já havia chegado o Rampant, do Nazareth. Que disco! Mas quando o carteiro passou, eu estava dormindo e, quando acordei, só havia um recado de que precisaria pegar os discos na segunda-feira.

Você não está entendendo.

Vê bem: sabe qual era a encomenda? Alguns discos, mas não uns discos quaisquer. Todos os discos do Led Zeppelin, à exceção do II; Let there be rock, do AC/DC; o Meddle, do Pink Floyd, e o The dark side of the moon. Meu: The dark side of the moon! Meu! Finalmente!

Imagine minha tristeza quando vi o comunicado dos Correios em minha caixa de correio. Tristeza. Liguei lá, mas ninguém atendeu. Pensei em rolar pra lá e pra cá pelo chão, mas não tenho mais idade pra isso. Se bem que voltei a ter 16 anos. Então, rolei pra lá e pra cá. Minha mulher, vendo aquilo, achou que eu havia ficado gira e, por isso, em vez de se unir a mim, preferiu lamentar o vexame da cena em si. Quando disse a ela o que houve, falou: Vai lá!. Como não havia pensado nisso antes?! Cobri-a de beijos, abraços, horas felizes até, e fui lá. Quando cheguei, só havia uma moto desolada no estacionamento e o sol a pino lamentando o meu azar. Já ia virar as costas e ir embora, quando a porta, como gergelim, repentinamente, abriu-se. Sai de lá um funcionário que não queria por nada deste mundo me entregar caixa alguma. Vai levar 20 minutos até eu achar sua encomenda. Moço, por favor, estava ansioso esperando essa encomenda. Não queria dizer que eram discos, porque ele poderia imaginar que eu sobreviveria a um fim de semana sem eles. Mas o homem estava irredutível. Eu já ia virando as costas, cenhos franzidos, punhos cerrados, quando ele, de certo com medo de que fosse levar uma voadora, acabou cedendo e voltou para dentro. Não levou nem dois minutos para vê-lo chegando com uma caixa. Ah, que alegria é receber em mãos uma caixa vinda pelo correio. Lembra? Ele me fez assinar uma folha qualquer lá e me entregou o baú, repleto de tesouros. Saí dali e, zás-trás, cheguei em casa. Abri a porta. Abri o baú. De lá de dentro, 11 discos pularam em meu colo, abraçando-me afetuosamente. Mostrei-os à amada e subi correndo para o meu cantinho, onde me encontro agora, em cima de uma nuvem. Os ouvidos o-u-v-e-m, neste momento, Overdose, segunda faixa do lado B de Let there be rock, disco que tem estampado o ano de 1978 nele - fui ver. Êxtase. Estou em êxtase. Sabe a diferença entre ter todos os discos do AC/DC num pen-drive e ter um único disco deles em vinil? Lembra quando você tirava o disco da capa, do envelope de plástico dentro dele e o colocava no prato do toca-discos? Lembra daquele barulhinho que vinha em seguida, quando a agulha, caía sobre ele?

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Postado por Renato Alessandro dos Santos
5/4/2015 às 14h56

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