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Sexta-feira, 6/11/2015
Blog de Vinícius Ferreira de Oliveira
Vinícius Ferreira de Oliveira
 
RAVELSTEIN.

Ao cabo da leitura de "Ravelstein", última novela de Saul Bellow, relançada recentemente pela Cia. das Letras em uma coletânea, não há como não terminar por admirar a figura do protagonista, na verdade o Professor de Filosofia Política Alam Bloom, que fez sucesso mundial no final dos anos 1980 com o lançamento de "The Closing of American Mind", uma crítica à cultura contemporânea (pop e universitária) por terem se distanciado dos valores clássicos, ou qualquer coisa neste gênero.

Ravesltein, ou Alam Bloom, foi tido um ícone do pensamento conservador americano, tendo sido aluno de Leo Strauss (Devarr no romance, tão mencionado) muito lembrado nos anos Bush como mentor de seus malvados assessores neocons. Quando se imagina um pensador conservador pensa-se logo em um pater famíliae sisudo e religioso, católico, judeu ou protestante. Mas Ravelstein não era casado e não tinha filhos. Era um dandy gay, uma homossexual wildiano. E mais, judeu cultural e de nascença, era ateu e materialista. Materialista ideologicamente e no sentido do apego a bens materiais: ternos de luxo, pratarias, cristais, hospedagens em suítes presidenciais, BMW sofisticados que comprava para o seu bofe nipônico, Nikki, que o acompanhou em seus últimos dias. Mas era um homossexual que mantinha as aparências: "Ele não tolerava as afetações de homens efeminados", e escondia sua moléstiaincurável.

Irreligioso embora, Ravelstein cultivava os valores judaico-cristãos, a cujo conjunto ele dava o nome "Jerusalém." Junto com eles os valores Greco-romanos, "Atenas." Era um combatente do niilismo.

Os luxos, Ravelstein pôde gozar mais no fim da vida, após ter sido convencido por Bellow, Chic no romance, a expor suas idéias para o grande público. O livro virou best seller e Ravelstein um milionário. Antes, porém, Ravelstein já era um professor celebridade dentro do seleto círculo dos acadêmicos nos EUA (e só dentro dele) como professor na Universidade de Chicago. Era professor cultuado:

"O jovem Philip era um dos garotos que Ravelstein havia educado ao longo de um período de trinta anos. Os pupilos dele tinham se tornado historiadores, jornalistas, experts, funcionário públicos, integrantes de think tanks. Ravelstein tinha produzido (doutrinado) três ou quatro gerações de formandos. Mais importante, os alunos eram loucos por ele."

Os alunos adotavam as idéias de Ravelstein quase inteiramente como suas. E mais: imitavam seu modo de vestir, passavam a ouvir a música de que Ravelstein gostava, e a fumar os seus cigarros prediletos. Tinham a ligação parecida que Sócrates ou Platão tinha com seus alunos, que perduravam décadas. A mesma ligação que no Brasil um Olavo de Carvalho tem com seus olavetes mais intelectualizados. A diferença é que a ligação era ainda mais profunda: Ravelstein dava conselhos e mesmo interferia na vida pessoal dos alunos, inclusive arranjando casamentos. Era um tipo de professor magnetizante tão raro de encontrar nas universidades. Uma vez que alcançassem altos cargos públicos ou postos de poder, ex-alunos vinham se aconselhar com o velho professor e mesmo lhe contar fofocas dos bastidores do poder, coisa que Bloom adorava.

As idéias de Bloom não são muito exploradas no romance. O que interessa é o homem. Ficamos sabendo que ele é um platonista e um roussoniano. Tem sobre a "metafísica do amor" uma concepção muito peculiar: o mito andrógino, explorado por Julius Evola: no início os seres humanos eram andróginos, separados homem e mulher, os seres humanos se apaixonam em busca de complementar seu ser com a metade sexual faltante. Não sei como a homossexualidade entra nessa história.

Bloom atraiu a ira do mainstream acadêmico contra si. Era odiado por sua própria classe. Deve ter sido ainda mais odiado após se tornar um ricaço. Após o boom de seu livro "(...) todos os tolos se uniram contra ele (como Swift ou Pope disse muito tempo atrás). Se tivessem o poder do FBI, os professores teriam colocado Ravelstein nos cartazes de "mais procurados" como os que se vê nos prédios públicos." O tipo de coisa que no Brasil aconteceu com Olavo de Carvalho nos anos 1990 com o lançamento de "O Imbecil Coletivo". O estilo de atuação de Bloom na área cultural segue o padrão de um Paul Johson ou Roger Scruton na Inglaterra. É o reaça com poderosa erudição, valores clássicos, e grande munição retórica que vem atrapalhar a festa do mainstream intelectual universitário cheio dos seus niilismos, relativismos marxismos, desconstrucionismos e do políticamente correto. Fazem enorme sucesso, falam às massas middlebrow e atraem a ira dos figurões da universidade. O tipo de livro que Ravelstein escreve também, de certo, é repleto de erros filológicos, de tradução, de detalhe edrudito. Aí vem os eruditos especialistas atacarem: "As Universidades encontraram erros, algumas delas no grego dele."

Mas é a atitude de Bloom perante a vida é que é explorada no romance e cativa particularmente. Era fumante compulsivo e pensava que a preocupação com a saúde era coisa de burgueses, esses maricas, avessos a uma vida aventureira ou heróica. De fato, a saúde pouco lhe importava: morreu de AIDS e continuou fumando até o fim. Em suas palestras, fumava mesmo com um cartaz de proibição bem atrás de sua cabeça, iniciando sua fala assim: "Aqueles que se incomodarem por odiar mais o tabaco do que apreciam as idéias não terão a sua ausência notada."

No romance, Ravelstein, que amava com a mesma intensidade Platão, luxo mundano e perversões carnais, vai morrendo aos poucos, de complicações da AIDS. O livro todo fala de velhos intelectuais se preparando para morrer. O próprio narrador, Bellow aos 80 e tantos, é um velho intelectual se preparando para morrer. Se pensamos que estão aturdidos, estamos enganados. Se pensamos que estão preocupados com o grande mistério que vão enfrentar, também. Se pensamos que estão angustiados, pensando na noite escura, no juízo final, etc., mais ainda. Moribundo, Ravelstein sente seu apetite sexual aumentar. Tesão de moribundo, algo que eu desconhecia. Um professor transplantado (que conhecemos numa bela narrativa assessória) com o coração de um jovem motoqueiro, sente que incorporou a audácia juvenil do doador e só fala de mulher. O próprio Bloom, ou Chic, no último capítulo relata sua passagem por uma UTI e perguntado sobre o que pensa sobre a morte, diz que nela, simplesmente, as imagens desaparecem. Bellow, à época da convalescença final de Ravelstein, se apaixona por uma aluna dele e se casa novamente. Com mais de 80 anos. São velhos bon vivant e se recusam a morrer. Um outro casal de intelectuais senil vem contar a Ravelstein que pretendem se matar devido às limitações da senectitude. Ravelstein os dissuade. Segundo ele, o problema dos velhos é solidão e natureza, ou seja: o fato de terem buscado um asilo tranqüilo no fim da vida numa fazenda, era a origem da depressão do casal. O que precisavam era de um pouco de convivência social e da agitação do mundo.

É um livro sobre intelectuais. Principalmente velhos. Há na novela alguns tipos sombrios, como um romeno especialista em mitos que teria sido um nazista, e ainda o seria enrustidamente. Há também a última esposa de Bellow, muito mais jovem, Vela, uma física especialista em teoria do caos, autoritária, adúltera, insensível e desprezadora da literatura e do trabalho do marido.

Ravelstein é um homem bastante ativo (e fumante) até o fim. A doença fatal faz com que abandone o trabalho. Mesmo no fim a dar festas em sua casa nos dias de jogos do Chicago Bull. É de sua natureza. Ele é o antípoda do intelectual melancólico que só acusa a vida, a existência:

"Não havia nada na vida de Ravelstein que seguisse a média. Ele não aceitava o tédio e a chatice. Também não tolerava a depressão. Ele não aturava baixo-astral. Quando tinha problemas eram físicos."

O niilismo para ele era o grande mal do tal mundo moderno. Acreditava em valores absolutos e no sentido da vida.

Em suma, era um tipo fascinante. Um professor que gostaríamos de ter tido. Bellow encontrou motivação para viver mais uns anos dentre outros motivos para poder escrever sobre a criatura nesta biografia romanceada dos últimos dias de Alam Bloom.

Últimas palavras da novela: "Você não entrega facilmente para a morte uma criatura com Ravelstein."

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Postado por Vinícius Ferreira de Oliveira
6/11/2015 às 20h02

 
HOUSE OF CARDS: QUASE UM ROMAN À CLEF

Para quem assistiu por inteiro, não irá assistir, ou assistirá e não se importa com spoilers.

O fantasma de Maquiavel não seria capaz de compreender os ardis e intrigas de Frank Underwood para alcançar e se manter no poder se pudesse assistir à série em uma sessão espírita. Na verdade, os conselhos do florentino, que viveu na Era do Machado, só prestariam atualmente para ascender, por exemplo, na hierarquia do tráfico do Alemão ou na Camorra. A complexidade da política e do governo atuais lhe pareceriam quase tão impenetráveis quanto a física quântica hoje para um cientista do século XVI.

Mas os princípios e o realismo são os mesmos em O Píncipe e na ficção de House of Cards, cuja terceira temporada veio a lume recentemente. A compilação dos solilóquios de Frank Underwood daria para criar uma pequena versão moderna do clássico de Maquiavel, tão cínica quanto, porém mais engraçada. O realismo de House of Cards, é tão flagrante que a série pode ser concebida como uma parodia da realidade política de nosso tempo, um verdadeiro roman `a clef. Assim como Maquiavel foi colecionando grandes feitos históricos de ascensão nada virtuosa ao poder em sua célebre obra, Beau Willimon, criador da série, que já trabalhou nos bastidores da política, e seus roteiristas, extraíram da realidade histórica atitudes dos agentes políticos de nosso tempo (século XX e século XXI) e as transpuseram para a ficção, em alguns casos com modificações e disfarces, em outros na integridade, só trocando os nomes dos personagens.

O caso de alguns personagens secundários é descarado. O Presidente da Rússia aparece na terceira temporada e o ator que o interpreta foi obviamente escolhido por ser parecido fisicamente com Vladmir Putin. Seu nome, no entanto, é Victor Petrov. Já no episódio em surge, o Presidente Frank Underwood lhe entrega uma prancha de surf: Victor gosta de passar a imagem de vigor fisco tal como o ex-oficial da KGB que monta cavalos com o torso nu. Victor, como Putin, acaba de se divorciar e se casar com uma beldade russa. Victor enfrenta a ira do movimento gay por ter resolvido, populisticamente, tutelar a ordodoxia religiosa dos filhos da Mae Rússia. Victor é um canalha autocrático, cínico e violento. Victor é Vladmir Putin, só trocou de nome. Em um breve diálogo, ilumina, argutamente, luzes a política atual em Moscou, Underwood pergunta a Victor porque precisa agradar ao povo com seu neoconservadorismo hipócrita se as eleições são fraudadas. Victor responde: se não agrada ao povo, se expõe ao risco de ser apeado do poder por um golpe de Estado. O povo russo é o fiador de sua ditadura.

O líder dos republicanos no Senado, adversário de Frank Underwood, é um conservador de origem latina. Assim como os atuais pré-candidatos à Presidência nos EUA: Marco Rubio, Ted Cruz, dentre outros. Underwood o chama de cowboy e diz que ele trabalhou com Reagan. Em um episódio da segunda temporada, ele é conduzido "sob vara" por Underwood, então Vice-Presidente, ao plenário junto com os demais republicanos, todos algemados, porque se recusavam a participar de uma votação. A medida não é ficção, é uma possibilidade regimental real no Congresso norteamericano e já foi levada a efeito.

A série também conta com seu Edward Snowden, na pessoa do hacker Gavin Orsey, os grandes jornais tradicionais em crise, os sinistros agentes da CIA, o sindicalismo ávido por direitos e mais direitos, o candidato direitista que foi eleito pelo Tea Party, os jornalistas arrivistas de sempre, como a personagem Zoe Barnes - uma Bernstein versão lolita bonitinha mas ordinária -, além dos lobistas do grande capital de sempre. Sobre os lobistas, uma reflexão surge inevitavelmente nestes tempos de discussão de financiamento de campanha eleitoral. Tal como em Terra de Vera Cruz, as campanhas eleitorais não existiriam sem eles que sempre voltam para cobrar a conta e exigir políticas de interesse particular. Tal como no Brasil, os lobistas buscam fazer da coisa pública um negócio particular, assim como foi denunciado por Faoro em Os Donos do Poder. E tudo leva a crer que as coisas sempre foram assim com o Tio Sam também. Mas patrimonialismo nos EUA? As teorias políticas são sempre muito relativas.

Ideologicamente, a política é a mesma que vemos nos jornais. Assim como os presidentes democratas da historia, Rosevelt, Kennedy, Johnson, com os seus Neal Deal, Great Society, etc., os dois presidentes democratas da série querem alcançar o apoio popular e o seu lugar na Historia lançando mão de grandes projetos de reformas estruturais. O Presidente Walker, de quem Underwood puxa o tapete na segunda temporada quer reformar todo o sistema educacional. Underwood quer uma ampla reforma do mercado de trabalho trazendo subsidiando empregos. É o seu Obamacare.

Os complexos ideológicos dos dois partidos são bem definidos na série. Os democratas querem ampliar o Welfare State e não permitem que sejam revogados um só dos benefícios e privilégios corporativos de classe, como a dos sindicatos de professores. Os republicanos são taxes-cutters e progressivamente, como na realidade, vão ficando morenos para agradar ao coração do eleitorado chicano, tradicionalmente democrata. Mas as ideologias dos dois grandes partidos são cambiáveis e frequentemente um assume a plataforma do outro. Também isso está em House of Cards.

Mas ideologia é algo meramente instrumental para Underwood. Ele sabe jogar com todas elas a fim de alcançar sínteses que lhe proporcionem o maior número de votos possível. Consegue a proeza de vender um programa de governo para empregos essencialmente welfare state, do agrado de democratas, apelando a símbolos republicanos como o do self-made man. Os trabalhadores vão receber empregos subsidiados pelo governo, mas são convencidos de que o conseguem por mérito próprio, sem a ajuda da Mão Visível, sem taxar a renda de seus concidadãos, sem comunismo. Maquiavel não entenderia nada e os analistas políticos atuais, presos a esquematismos ideológicos, também não. Alguém mais esperto diria: é o poder, estúpido!

Quem forjou sua compreensão das coisas da política no Grande Satã nos anos 2000 do odiado Jorge Arbusto, pensaria que o mais correto seria que Beau Willimon tivesse criado um Underwood republicano, como o ex-presidente texano. Mas isto não seria condizente com o realismo histórico que motiva a série. De fato, de acordo com a crônica política, Underwood se parece mais com os presidentes democratas. Lembra-se muito do Watergate e de Richard Nixon ao se pensar em abolição de escrúpulos para ascensão ao poder, mas os democratas tem superado a "cowboyzada", ao que parece, na faina de atropelar as regras do estado democrático de direito, e da moralidade do comum dos mortais, em sua "ascese intramundana".

É sabido que Joseph Kennedy, pai de John Kennedy, só não se associou ao diabo (ou teria se associado?) na sua obsessão de colocar um filho no cargo mais poderoso do planeta. Kennedy Pai tinha negócios com Frank Costello, célebre mafioso novaioquino. John Kennedy cometeu fraudes acadêmicas e abusou de ghost writers, assim como Barak Obama se serviu dos favores intelectuais de Saul Allinski. Segundo Paul Johsnon, John Kennedy, "embora não estivesse interessado em fazer dinheiro, em muitos outros aspectos aceitava de bom grado a filosofia de sua família, especialmente em seu principio fundamental: as leis de Deus e da republica, admiráveis em si mesmas, não se aplicavam aos Kennedys de forma alguma" (JOHNSON, A History of American People, pp.849). Os irmãos Kennedy chegaram a ser comparados mesmo aos irmãos Borgia, ídolos de Maquiavel e Nietzche. Muito dinheiro da máfia foi empregado na campanha de 1960, inclusive para comprar votos como um velho coronel ou partido de trabalhadores destas plagas, segundo investigações do FBI. O ultimo Kennedy, o Senador Ted Kennedy é suspeito de homicídio culposo (ou será comissivo por omissão?).

De Lyndon Johnson, Underwood também herdou muito. A inspiração em Lyndon Johnson já foi reconhecida pelo criador da série Beau Willimon. Em primeiro lugar, a rispidez e a truculência que permitia a ele tratar seus subordinados com graciosas frases como esta: " I don't want loyalty. I want loyalty. I want to him Kiss my ass in Macy's window at high noon and tell me it smells like roses. I want his peckers in my pocket." Em bom português, ele exigia que sua entourage beijasse suas nádegas e dissesse que ele tem cheiro de rosas. Além disto, Johnson era um prodígio em fazer passar a legislação que quisesse no Congresso. Reinava sobre o parlamento como um forte primeiro-ministro inglês. Fez aprovar mais programas sociais que nosso Luis Inácio poderia sonhar em fazer em muitos mandatos, dentre ele o Medcare e o Medcaid, realizou ampla reforma eleitoral expandindo o direito do votar, e tinha a vasta ambição de exterminar a pobreza definitivamente na America. Se não o fez, ao menos deixou o legado de um déficit publico colossal, aquele déficit que não preocupava Reagan por ser crescidinho o suficiente para cuidar de si mesmo. Se Underwood se compara a um tubarão, o historiador Paul Johnson comparava Lyndon Jonhson a um grande animal terrestre. Os grandes políticos são sempre comparados a animais.

Underwood só não parece ter herdado o "apetite sexual voraz" de Kennedy e Johnson (e talvez de Clinton) e o grande numero de relações extra-casamento destes ex-presidentes: até o momento, só traiu a esposa Clair com a jornalista que assassinou no inicio da segunda temporada. Diferencia-se sexualmente dos dois primeiros também pelo bissexualismo e ménages com guarda-costas.

Enfim, perto de Kennedy e Johson, a figura de Nixon empalidece como maquiavélico. Ela se torna caxias, quadrada, inocente, "coxinha", dir-se-ia hoje, e o seu Watergate passa a se a semelhar ao escândalo do Fiat Elba no Brasil.

O realismo, enfim, de House of Cards é inegável e a sua apropriação de fatos, acontecimentos e personagens históricos reais, algumas vezes velada, outras descarada, é inequívoca, o que nos permite compará-la a um roman a clef. Contudo, Underwood ainda parece um exagero. Underwood é um governante tão ruim quanto esperamos que sejam nossos "adversários" políticos para que renda indignação em nossos convescotes políticos de pub. Mas que presidente americano mandaria assassinar uma criança para por a culpa no adversário? - o que não ficou muito claro, mas não pode ser negado no final da novela da reforma educacional. Que presidente mataria um aliado político sem deixar pistas? Uma jornalista crítica que o traiu? Que presidente americano empregaria um assessor psicopata? Diria blasfêmias diante de Deus na Igreja e cuspiria na imagem de Cristo? Como isso poderia permanecer tão bem oculto? Contudo, suas atitudes não são inverossímeis. Se algum ex-presidente cometeu atos semelhantes aos seus é possível que jamais saibamos. Isso é que torna a série sumamente interessante. Tal como as façanhas de Walt Whitman, em Breaking Bad, parecem exageradas demais para acontecer na realidade, contudo, são perfeitamente verossímeis, factíveis, e podem mesmo estar acontecendo por ai.

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Postado por Vinícius Ferreira de Oliveira
9/6/2015 às 20h05

 
FILÓSOFO DO RIGOR

Um precoce filósofo, por volta dos 30 anos, decidiu por em suspensão suas dúvidas angustiantes sobre questões sobre a natureza do bem e do mal, a existência de um ser supremo criador do universo, a possibilidade do conhecimento objetivo, e a consistência ontológica dos conceitos universais.

Compreendeu que era vão especular sobre isso sem conhecer a opinião dos grandes vultos do pensamento filosófico que o precederam na História da Humanidade. Passou então os 20 anos seguintes a estudar as divagações de Platão, Aristóteles, Plotino, Aquino, Descartes, Kant, Hegel e Husserl sobre os temas até que, aos 40 anos, se deu conta de que não podia saber ao certo a opinião que estes filósofos tinham tido sobre as grandes questões filosóficas da humanidade sem primeiro tornar claro, exato e indubitável o que eles tinham dito a respeito destes grandes temas.

Mergulhou então nos estudos filológicos e crítico-históricos. Só em cima de um único livro, "A Metafísica", de Aristóteles, passou 05 anos numa rigorosa averiguação dos volumes de Bekker, Bonitz, Shwegler, Chist, Ross e Jaeger, dos comentadores gregos da antiguidade, dos comentadores escolásticos, e dos comentadores modernos, continentais e anglo-saxões. Debruçou-se também sobre a maravilhosa biblioteca de estudos críticos sobre estes estudos. E sobre a fabulosa sub-biblioteca dos estudos críticos sobre os estudos críticos. E sobre... Como num jogo de espelhos.

Quando terminou os estudos, sem chegar a grandes conclusões, descobriu que lhe escaparam novas especulações sobre a Metafísica de Aristóteles que vinham sendo desenvolvidas em Princeton, Cambridge, Munique, Bristol, Praga, Stanford, Estrasburgo e São José dos Campos. Bem como sobre a revisão crítica destes novos enfoques. Passou então mais 5 anos a incorporar os novos estudos.

Prosseguiu nos estudos filológicos e crítico-históricos até os 65 anos quando descobriu que jamais se poderia falar sobre a verdadeira doutrina de Aristóteles ou a verdadeira doutrina de Platão, pois tudo o que havia era interpretações filológicas eternamente sujeitas a novas versões.

No ano seguinte, o filósofo morreu de câncer na laringe (tinha o hábito de fumar durante os estudos, embora nunca tivesse chegado a uma conclusão sobre se o cigarro era ou não de fato causa de neoplasias: não tinha percorrido nem um centésimo de toda a bibliografia científica sobre o assunto) e nada soube em sua vida sobre a verdade ou sobre o que os grandes vultos do passado haviam pensado a respeito dela, e nada mais disse nem lhe foi perguntado.

Morreu anônimo, sem nada publicar.

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Postado por Vinícius Ferreira de Oliveira
3/3/2015 às 22h08

Julio Daio Borges
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