Por que me ufano da América Latina | Andréa Trompczynski | Digestivo Cultural

busca | avançada
71645 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Paulo Leme Filho alerta para a relação entre alcoolismo e câncer
>>> Terreiros Nômades promove encontro entre Salloma Salomão, escolas municipais e comunidade
>>> Instrumental Sesc Brasil apresenta Filó Machado no Sesc Consolação em show gratuito
>>> Escritor e diplomata Ricardo Bernhard lança obra pela editora Reformatório
>>> Teatro Portátil chega a São Paulo gratuitamente com o espetáculo “Bichos do Brasil”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Scott Galloway sobre o futuro dos jovens (2024)
>>> Fernando Ulrich e O Economista Sincero (2024)
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
Últimos Posts
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Um curso para editores
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Notas confessionais de um angustiado (V)
>>> Aberta a temporada de caça
>>> O limite de um artista
>>> Diálogos de Platão, pela editora da Universidade Federal do Pará
>>> Janer Cristaldo (1947-2014)
>>> Aos assessores, divulgadores, amigos até, e afins
>>> Drummond: o mundo como provocação
>>> Dor na cacunda
Mais Recentes
>>> Guia de Prescrição Homeopática de M. Levrat; Ch. A. Pigeot; P. Setiey; J. M. Tétau pela Andrei Ltda (1996)
>>> Culinária e Gastronomia - Reflexões - Com luva de Mauro Imperatori pela Via das Artes (2023)
>>> Cromwell Our Chief Of Men de Antonia Fraser pela Phoenix (1997)
>>> O Olhar de Adauto Novaes pela Companhia das Letras (1995)
>>> Porto Alegre - Guia Histórico de Sergio Da Costa Franco pela Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul (1992)
>>> Filosofia na Escola - o Prazer da Reflexão de Marcos Antonio Lorieri - Terezinha Azeredo Rios pela Moderna (2004)
>>> Venda, Venda, Venda de Ciro Bottino pela Thomas Nelson (2012)
>>> Lekturama's Woordenboek Boek de Duits pela Duits (1987)
>>> A Grande Casa Branca de Susanna Tamaro pela Rocco (2007)
>>> Bon Jovi - Keep The Faith Tour - Pacaembu 1993 de Bon Jovi pela Bon Jovi (1993)
>>> A Realização Espontânea Do Desejo de Deepack Chopra pela Rocco (2005)
>>> Criancas Indigo de Lee Carroll pela Butterfly (2005)
>>> Amor Proibido - Iracema, Paixao e TV de Walcyr Carrasco pela Moderna (2017)
>>> Duas Meninas de Roberto Schwarz pela Companhia Das Letras (2007)
>>> O Lago de Yasunari Kawabata pela Estacao Liberdade (2010)
>>> A Lei Da Atraçao - O Segredo Colocado Em Pratica de Michael J. Losier pela Nova Fronteira (2007)
>>> Descontinuidades de Natalia Menhem pela Do autor (2017)
>>> O Baile Da Vitória de Antonio Skármeta pela Planeta (2024)
>>> My Air-ships de Alberto Santos- Dumont pela The Century Co. (1904)
>>> Men At War: The Best War Stories Of All Time de Ernest Hemingway pela Bramhall House (1979)
>>> Biblia Sagrada - Nova Traducao Na Linguagem De Hoje de Vários Autores pela Paulinas (2014)
>>> O Jardim Dos Girassois De Lygia Barbiere Amaral Pela Lach Ed de Lygia Barbiére Amaral pela Fisicalbook (2005)
>>> A Escolha Da Dra. Cole (o Cotidiano De Uma Medica Do Seculo Xx) de Noah Gordon pela Rocco (2024)
>>> Noturno de Guillermo Del Toro pela Rocco (2009)
>>> Crônica de um Despertar de Abel Glaser pelo Espírito Afonso pela O Clarim (1995)
COLUNAS

Segunda-feira, 17/5/2004
Por que me ufano da América Latina
Andréa Trompczynski
+ de 7400 Acessos
+ 1 Comentário(s)

O neurologista inglês Oliver Sacks, em Um Antropólogo em Marte tem uma teoria simples, tão clara e fácil de observar na prática que nem seria necessário um neurologista ter dito isso. Podia ser aquela sua vizinha de infância que sabe todos os provérbios. A adversidade e qualquer pedra no caminho fazem o cérebro dar pulos para se superar e sentidos que nunca imaginávamos que teríamos aparecem e ampliam nossa visão das coisas e capacidade para crescer. Óbvio. Oscar Wilde disse que a verdadeira arte só se faz no inferno. Henfil recusava propostas quando percebia que estava ganhando muito dinheiro porque acreditava que sem dificuldades ele não criaria mais nada. Idealismo que não cabe mais nos nossos dias? Sim. Mas que é bonito pra diabo de se ver, isso é.

Num país sem grandes dificuldades como aqui em cima vejo a maioria dos autores um pouco insossos. Reconheço que ainda estou afetada pela leitura da autobiografia do Garcia Márquez, que terminei ontem, para alegria dos que convivem comigo, que não aguentavam mais. A escabrosa história da Colômbia foi o presente para o Márquez ser o que é. É possível entender o propósito do mal no mundo. E como a perfeição mecânica da vida como um relógio suíço vai matar a arte. Ninguém criará mais nada. Os poetas não se matarão porque vai existir uma super-fluoxetina. Sobreviverá a arte pop e os clássicos serão vistos como fraqueza de espírito, sonhadores ou idealistas. Bobos. Para quê sofrer tanto? Qualidade de vida, isso sim é importante. Viver até os 120 anos para poder ver mais televisão e malhar os Estados Unidos, que é a última moda para parecer antenadíssimo.

O livro do Márquez: primeiro, é uma aula nada convencional, e, por isso mesmo, deliciosa, de como escrever. Você deve, antes de tudo, falar como um grande escritor, mesmo que não seja. Todos devem pensar que você já é. E se o livro estiver só em sua cabeça, faça de conta que já está escrito. Nunca use advérbios terminados em "mente", é feio (essa é a única explicação que ele dá). Morra de medo e vergonha, mas tenha coragem de mostrar seus originais para alguém que você admira. Beba. Sinta culpa. Peque. Perceba que na "escória" da humanidade estão os melhores personagens. Os mais reais. Disfarce sua insegurança com um falso ar de genialidade. Tenha amigos com crítica ácida, é o melhor para você. Leia tudo que você ouvir de quem você admira que é desprezível ou adorável. Imprescindível é ler Joyce. Tudo. Aprenda lendo, aprenda a escrever com os livros. É, sim, necessário dizer o óbvio, que por ser tão óbvio, ninguém diz.

Para quem sonhou junto com José Arcadio Buendía em fazer o daguerreótipo de Deus como prova definitiva de sua existência, enlouqueceu tentando multiplicar o ouro de Úrsula com feitiços de alquimia e teve medo de abrir a porta do quarto, encontrar um quarto idêntico e Prudêncio Aguilar tocar seu ombro, vai ver seus traços no avô. Ursúla Iguaran na mãe, e também na mãe e no pai e seus amores contrariados da juventude, Fermina Daza e Florentino Ariza, e, que a frase mais lírica do mundo foi um fato: "Com esta rosa te entrego minha vida". A paixão pela guerra do coronel Aureliano Buendía. O sábio catalão da livraria em Macondo, Pilar Ternera e o bordel depois de velha, e muitos outros livros e personagens. Que ficaram melhores nas mãos dele. E não se sabe quem imita quem, a vida ou a arte e onde começa uma e a outra acaba.

Ele estava a poucos quarteirões do lugar onde assassinaram Jorge Eliécer Gaitán, na frente do El Gato Preto, 9 de abril de 1948. A guerra civil na Colômbia estava em stand by desde a independência da Espanha, mas o Partido Conservador estava colocando o garrote, após quatro governos consecutivos não admitia perder o posto para os liberais, e havia este homem que hipnotizava multidões com sua oratória, Gaitán. Idolatrado pelo povo como o salvador, nas sextas-feiras, dia sagrado de seus discursos no Teatro Municipal, não se via ninguém na rua. E foi numa dessas sextas que Gabriel acordou do seu torpor literário, e percebeu que o país estava em polvorosa. Do quarto da pensão, percebeu que era o único que não estava no teatro ouvindo Gaitán. Sua voz ressoava pela cidade e até os policiais simpatizavam com o líder liberal. A Marcha do Silêncio foi surreal. Inevitável seria a eleição dos liberais, toda Bogotá obedeceu quando ele pediu para saírem às ruas de luto nas roupas, bandeiras e bocas. No dia anterior Gaitán havia feito um discurso hipnotizante sobre assassinatos de trabalhadores rurais cometidos pelos conservadores. Quando mataram Gaitán, tiros à queima-roupa na calçada, o povo todo enlouqueceu de ódio. Viraram os bondes, lincharam o suspeito (que muitos anos depois, Gabriel lembra, poderia muito bem não ter sido o assassino, porque toda a sinfonia do linchamento foi comandada por um estranho atiçador homem de terno cinza, que ninguém conseguiu explicar quem era e podia estar desviando a atenção do verdadeiro suspeito) e o povo molhava os lenços no sangue para guardar de recordação. Até Fidel estava lá neste dia, um líder estudantil de vinte anos, participando de um congresso. Ele e Márquez, mais tarde se tornam amigos íntimos (confidentes até hoje). Bem mais tarde que seus amigos, ele acorda para o momento político. "Como você pode querer almoçar? Mataram Gaitán!"

Depois de A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista é a melhor homenagem ao jornalismo literário, grande-reportagem ou literatura-jornalística e tantos nomes que existem para vocês-sabem-o-quê. E Gabriel Garcia Márquez parece ser um jornalista que acabou escrevendo contos e romances. Esplêndidos, mas não sua maior paixão. Suas tentativas são hilárias, principalmente, especialmente, preferencialmente a de fazer da triste seção de achados e perdidos do correio uma grande reportagem. Quase não conseguiu superar a vergonha dos amigos depois de publicá-la, foi um dos desastres. Superado com maestria depois com o sucesso que fazia o povo todo esperar na frente das bancas a continuação da história de "Explicação de uma Aventura no Mar", que em 1970 se tornaria o magnífico Relato de um Náufrago.

Sei que é ufanismo, sei que é ideologia. Mas acredito que é preciso ter visto algo mais que justiça, tranquilidade e qualidade de vida para escrever bem.

Vejam, escutem, mataram Gaitán! No meio da rua. Que nada, vamos almoçar.

Para ir além






Andréa Trompczynski
Vancouver, 17/5/2004

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Os blogs no horário nobre da Globo de Alexandre Inagaki
02. Reinventado o download pago de Héber Sales


Mais Andréa Trompczynski
Mais Acessadas de Andréa Trompczynski em 2004
01. Um conselho: não leia Germinal - 8/11/2004
02. Gênios e seus Amores Loucos - 26/7/2004
03. Em defesa da Crítica - 25/10/2004
04. Escrever para não morrer - 3/5/2004
05. Um Elogio à Loucura - 31/5/2004


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
17/5/2004
12h56min
Texto bacana. Excelente autor. Li Garcia Marques na adolescência e fiquei estarrecido. Realismo fantástico de qualidade. Sobre os "conselhos" para se tornar um escritor, acho-os de pouca valia. Apesar de que saber mentir ajuda bastante. Principalmente se você é aquele escritor que nunca publicou nada e na hora de preencher os cartões de hotel ou as fichas de emprego, você escreve: "Escritor" e sente-se ruborizado. É certo que a adversidade, os momentos críticos, a solidão, a náusea e tudo mais fazem com que vejamos o mundo e tudo o que está contido nele com olhos argutos e isso nos faz mais ferinos, cáusticos e então a pena flui com maestria sobre o papel branco. É a libertação da arte através do sofrimento. Nietzsche uma vez disse que só o aprazia aquilo que fosse escrito com sangue. Creio que ele tem razão.
[Leia outros Comentários de Gui]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Como a água que corre
Marguerite Yourcenar
Nova Fronteira
(1983)



O Cético e o Rabino
Renato Lessa
Leya
(2019)



Livro Ciências Exatas Curso de Física Mecânica
Prof. José Goldemberg
Edgard Blucher



O Túnel - Vol 5
Ernesto Sabato
Folha de São Paulo
(2012)



Arte Nas Fronteiras da Vida
Marco Aurélio Giangiardi
Associação Lunares
(2009)



Viver é Comer - Um Diário de Amantes da Gastronomia
James Salter, Kay Salter
Tinta Negra
(2014)



Para uma Escola do Povo - 2ª Ed
Celestin Freinet
Martins Fontes
(2001)



The Fires of Heaven
Robert Jordan
The Fires of Heaven
(2018)



No Encalço das Lideres
Steven J. Spear; Heloisa Fontoura;
Bookman Companhia Ed
(2010)



Luzes - Cinco entrevistas com Bruno Latour
Michel Serres
Unimarco
(1999)





busca | avançada
71645 visitas/dia
2,4 milhões/mês