As férias, os clássicos e os dias fora do tempo | Julio Daio Borges | Digestivo Cultural

busca | avançada
80371 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Teatro Portátil chega a São Paulo gratuitamente com o espetáculo “Bichos do Brasil”
>>> Platore - Rede social para atores
>>> João do Rio e Chiquinha Gonzaga brilham no Rio durante a Belle Époque
>>> Espelhos D'Água de Vera Reichert na CAIXA Cultural São Paulo
>>> Audiovisual em alta: inscrições para curso de Roteiro de Curta-metragem do Senac EAD estão abertas
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
Últimos Posts
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Como resenhar sem ler o livro
>>> 12 de Maio #digestivo10anos
>>> O Twitter e as minhas escolhas
>>> Terça Insana, o segundo DVD
>>> Coisas Frágeis
>>> Poesia, no tapa
>>> O sebo ideal
>>> Nada te turbe, de Susana Pérez-Alonso
>>> Eu + Você = ?
>>> A implicância de Machado com O Primo Basílio
Mais Recentes
>>> Revolução e Cultura de Octavio Ianni pela Civilização Brasileira
>>> Sexo na zona proibida de Dr. Peter Rutter pela Nobel (1991)
>>> Coleção as Aventuras de Tintim - 11 Volumes de Hergé pela Difusão Verbo
>>> Bom Dia, Espírito Santo de Benny Hinn pela Bompastor (2008)
>>> Muito Alem Do Inverno de Isabel Allende pela Bertrand (2017)
>>> Amiga Genial de _Elena Ferrante pela Biblioteca Azul (2015)
>>> Assassinatos na Academia Brasileira de Letras de Jô Soares pela Companhia Das Letras (2005)
>>> As esganadas de Jô Soares pela Companhia das letras (2011)
>>> O primo Basílio de Eça de Queiros pela O Globo (1997)
>>> Bom Dia, Angustia! de Andre Comte Sponville pela Martins (2010)
>>> Fazendo As Malas de Danuza Leao pela Companhia Das Letras (2008)
>>> A Farra Dos Guardanapos - O Ultimo Baile De Era Cabral A Historia Que Nunca Foi Contada de Silvio Barsetti pela Máquina De Livros (2018)
>>> Sua vida á prova de estresse de Elisabeth Wilson pela Globo (2007)
>>> A Aguia E A Galinha de Leonardo Boff pela Vozes (1997)
>>> Os Icríveis seres fantásticos de Samir Meserani pela Ftd (1993)
>>> O Novo Comentário Bíblico Novo Testamento de Eearl D. Radmacher pela Central
>>> O Navio de Ouro de Gary Kinder pela Record (1998)
>>> Minha Luta de Adolf Hitler pela Mestre Jou (1962)
>>> Kit Dan Brown - 6 Volumes de Dan Brown pela Sextante (2004)
>>> Ferro E Fogo de Warren Dean pela Companhia Das Letras (1996)
>>> Fábulas de La Fontaine- vol 1 de Brasil pela Brasil (1986)
>>> Tela Total de Jean Baudrillard pela Sulina (2024)
>>> A Pedra de Luz - 4 Volumes (Coleção Completa) de Christian Jacq pela Bertrand Brasil (2000)
>>> As Belas Histórias da Bíblia Vol I e 2 de Arthur S. Maxwell pela Cpb
>>> Trono De Vidro de Sarah J Mass pela Galera Record (2014)
COLUNAS >>> Especial Clássicos

Sexta-feira, 21/1/2005
As férias, os clássicos e os dias fora do tempo
Julio Daio Borges
+ de 6300 Acessos

Numa das primeiras vezes em que eu pensei neste texto e procurei, na minha cabeça, a origem da relação entre "clássicos" e "férias", lembrei da Carol me dizendo antes de uma das nossas viagens: "Você deveria levar um livro que não tivesse nada a ver com seu trabalho". Como eu trabalho, também, com livros e como, aparentemente, não há a menor chance de desvincular uma coisa da outra, a frase poderia parecer sem sentido para a maioria das pessoas. Mas eu interpretei da seguinte forma: como trabalho com jornalismo, com o contingente, com os lançamentos, se quisesse descansar - segundo a Carol -, deveria ler, nas férias, apenas livros sobre os quais não tivesse de escrever depois ou então aqueles sem ligação direta com o momento, com as novidades, com os lançamentos (de novo). Daí, o porquê dos clássicos.

Naquelas viagens, e nas outras posteriores, tirei da estante um volume daqueles para os quais a gente reserva uma época de tranqüilidade e de calmaria que - se se for pensar - nunca chegará. Fora que alguns autores, de tão grandes, nos parecem assustadores à primeira vista e a tendência, quase sempre, é imediatamente pensar: "Não estou preparado pra esse cara". Ou então se perguntar: "Será que estou preparado pra esse sujeito?" Mais ou menos na linha: "Será que eu vou entender? Será que eu vou conseguir aproveitar?" Assim, não me soou estranho quando, nestas "férias" de fim de ano, depois de anunciar que eu havia trazido Proust, um amigo logo emendou: "Nossa, eu nunca peguei nada nesse nível...".

Quando eu tinha 15 anos e me meti a escutar um tipo de música com a qual não tinha a menor familiaridade, intimamente antes de cada audição, costumava rezar: "Que eu consiga escutar!"; "Que eu esteja pronto pra entender!"; "Que eu possa aproveitar!". Com os clássicos, é igual. Todo mundo imagina, a priori, não estar à altura de determinada obra. E, às vezes, as traduções são tão ruins que a pessoa desiste logo nas primeiras páginas, sem saber que a culpa não é da sua falta de capacidade mas, sim, dessas edições apressadas que - como muitos autores estão mortos - ninguém costuma fiscalizar. Já citei, em outra oportunidade, o Modesto Carone, exímio tradutor de Kafka. Sendo as edições de O Processo tão abundantes (de acordo com a fama da obra), a chance de você pegar a tradução mais adequada (se não for a única boa), a do Carone, é baixa ou alta, ou aleatória, dependendo do suprimento que a livraria onde você calhou de estar recebe da editora Companhia das Letras (detentora hoje deste Kafka recomendável). Ou seja: como um colega meu da faculdade que lia O Processo durante o curso, porque considerava importante, mas não gostava, você corre o risco de se desapontar com um clássico e concluir, como meu amigo das férias de agora, não ter embocadura para o negócio.

Eu já li alguns clássicos. Até porque é minha obrigação ter lido alguns clássicos. Mas, como disse o Daniel Piza há muitos anos, vai sempre aparecer alguém te cobrando a leitura de um determinado clássico que você deixou para trás. Um livro considerado fundamental mas que você não leu - e, por causa disso, deveria se envergonhar. Entre intelectuais (e aspirantes a), a resposta para essa questão é quase sempre "claro, claro". Mesmo que não tenha lido (e eu acredito mais nessa hipótese), o sujeito finge uma certa naturalidade como se convivesse com a obra desde tempos imemoriais. O medo é dos seguintes comentários: "Mas como? Como é que Fulano - ocupante de tal posição ou cargo - ainda não leu o referido clássico?". Pois é, ele é humano - e não leu toda a biblioteca de babel de Borges.

Ao mesmo tempo em que me ocorreu a Carol, anos atrás, me aconselhando indiretamente a leitura dos clássicos nas nossas viagens, quando fui elaborar este texto, lembrei de outras épocas também, em que involuntariamente lia clássicos nos mais variados lugares. E até não-clássicos. E até subliteratura ou "literatura" que hoje, se caísse nas minhas mãos (para criticar), eu desancaria na hora. Tipo Harry Potter. Existe, inclusive, uma teoria, defendida por muita gente séria (por exemplo, o Sérgio Augusto), que afirma o seguinte: quem lê best-sellers nunca vai chegar a ler nada de aproveitável. Logo, segundo o meu amigo S.A. (e também segundo o Harold Bloom), os leitores não "evoluem", porque as leituras não evoluem. Eu tendo a discordar dessa colocação, porque eu mesmo já fui leitor de bobagens como, sei lá... Stephen King? E Marion Zimmer Bradley. Confesso: foi na adolescência e na minha primeira juventude (essa expressão existe ou acabei de inventar?). Como eu disse, ninguém é perfeito - todos somos humanos.

O que eu queria dizer é que a sensação inebriante, de ter lido um clássico nas férias, já me ocorria antes (antes da tal dica da Carol) - mesmo quando eu me enfronhava com não-clássicos, e até com anticlássicos. No caso específico do Stephen King, eu me lembro de ter pegado o Trocas Macabras (que nome...) na Siciliano, na mão, e de ter passado um bom tempo mergulhado naquele volume - e de ter entrado na "vida" daquela cidade (da história). Também lembro de longas tardes no Guarujá e depois de passeios pela praia em que, no caso específico da Bradley, eu ficava pensando nas "falas" da Morgana e na existência dela em Avalon, e nas brumas, e na Deusa e em uma porção de outras coisas... E evocando uma leitura atual: se eu soubesse escrever como Proust, poderia transmitir exatamente essa sensação.

Um clássico (não sei se é porque é clássico) tira você fora do tempo - e eu tendo a acreditar que isso acontece mais facilmente nas férias. São os "dias fora do tempo" do título, que você tende a recordar como uma "massa contígua" toda vez em que, futuramente, for repassar mentalmente as vivências que aquele livro te deixou.

Mas, falando em clássicos de verdade, eu lembro de tardes no sofá da Fazenda devorando o 1984 do George Orwell. Lembro do bilhete de amor que o protagonista guardou como único traço de humanidade daquele mundo horroroso. Lembro, depois, de longas manhãs enfrentando os Cem anos de solidão no original - mais de 100 páginas por dia, o livro todo em uma semana. E Amaranta, tía Amaranta... e a mania de comer pedaços de parede, para ver se o fígado reaccionaba. Lembro do Óbvio Ululante numa praia em Bertioga. E de um amigo rindo quando Nélson Rodrigues reproduzia uma declaração sobre Guimarães Rosa: "Um bolha!". E lembro, claro, de O Processo na praia da Conceição, em Fernando de Noronha. E o advogado acamado, prolixo e enrolado, enquanto Josef K. se envolvia com sua criada. E lembro de terminar o Elogio da Loucura, de Erasmo, num avião pousando em São Paulo, no mesmo momento em que terminava um desses filmes de aventura, naquela telinha minúscula do assento do avião, com os passageiros torcendo em coro pelo mocinho e contra o vilão. E lembro de, também no avião, virar a última página da biografia de Wittgenstein; no meio da madrugada, vindo de Nova York, e - numa tentativa desesperada - tentar resumir em mais de 13 páginas (e, nos dias posteriores, condensar). E dos Irmãos Karamazov em Trancoso. No meio do vento, numa praia do Club Med, ter a visão daquele capítulo sobre o Grande Inquisidor, como se ele estivesse ocorrendo em plenas ruas da cidade, na entrada, antes do Quadrado... Mais recentemente, da Montanha Mágica: de Madame Chauchat, também na Fazenda, se desdobrando num francês maravilhoso que - se eu fosse escrever sobre - diria ser 100% dominado por Thomas Mann, até em tempos complicados, como o subjonctif e o plus-que-parfait. E, ultimamente, dos pilriteiros de Proust. E, não tão recentemente, do Grande Sertão do Rosa; de uma tarde, em Angra, em que eu devorei mais de 150 páginas do discurso de Riobaldo... E de Diadorim morta, coitada.

E claro que li clássicos fora das férias também; e nem sempre em "dias fora do tempo". Anna Karenina entre Vronski e Karenin, enquanto Lievin trabalhava no campo - e me transmitia aquele bem-estar depois de descansar nos montes. E O Príncipe, de Maquiavel, nas escadarias da FAU, enquanto eu esperava a Carol chegar - e enquanto espreitávamos à porta os comentários de Renato Janine Ribeiro, no curso de Filosofia da USP, sobre a obra. E Crime e Castigo, que comecei umas três vezes, em três épocas (e edições) distintas, antes de terminar - e que eu considerei menor, muito menor, do que os Irmãos Karamazov (por talvez tê-lo lido tarde demais...). E a Metamorfose, que eu imaginei acontecendo no meu antigo quarto, e que o gerente - que podia ser o meu, naquele então - batendo à porta, enquanto meus pais tentavam despistá-lo. E a História da Filosofia Ocidental, de Bertrand Russell, em inglês - livro ao qual eu sempre iria voltar, quando "descobrisse" um novo filósofo e quisesse, mesmo que para discordar, anotar a opinião daquele velho sábio, professor de Wittgenstein (mais ou menos como com o Otto Maria Carpeaux, de quem eu tenderia a discordar mais...).

Às vezes eu penso que esses "dias" vão passar, que esse enlevo se tornará cada vez mais raro e inacessível, dentro da rotina que escolhi e à medida que for avançando na "floresta do conhecimento", e for, pretensamente, esgotando as "novidades". Alguém uma vez falou que invejava quem não tivesse lido ainda Shakespeare, pois só os não-iniciados poderiam sentir aquela sensação de descoberta que não volta. Tomando um exemplo mais prosaico: na mesma linha do que a personagem de Invasões Bárbaras disse ao protagonista, quando ela o iniciava num dos mistérios das drogas, alertando-o para o fato de que aquela "primeira vez" seria sempre insuperável e de que, nas subseqüentes, ele iria apenas persegui-la resignado. A discussão sobre as "primeiras vezes" é longuíssima e eu não vou entrar nela porque acredito que a perda da "virgindade literária" não encontra paralelo numa, digamos, conversa sobre sexualidade...

Ao mesmo tempo em que quase desisto da epifania diante de um grande autor, ela volta desavisada - igualmente intensa, mas de uma duração inferior. Foi, outro dia, com Kant - que sempre me passou uma imagem árida e intragável (meu tio me presenteou com a Crítica da Razão Pura afirmando que o livro lhe provocara dores de estômago no tempo da universidade...). Devo estar então louco por tê-lo considerado até palatável, quando a quase totalidade dos pensadores o aponta como intransponível ou, no mínimo, de um linguajar um tanto quanto áspero. Talvez, simplesmente, eu esteja diante de um clássico e - como o próprio Kant falou do Émile de Rousseau - é preciso lê-lo, ao menos, duas vezes: uma para se embasbacar; e outra para aproveitá-lo de verdade. O certo é que entre clássicos, não-clássicos, "dias dentro" e "dias fora", vamos levando - e nos deixando levar.


Julio Daio Borges
São Paulo, 21/1/2005

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Textos mortos vivos de Julio Daio Borges


Mais Julio Daio Borges
Mais Acessadas de Julio Daio Borges em 2005
01. É Julio mesmo, sem acento - 1/4/2005
02. Melhores Blogs - 20/5/2005
03. O 4 (e os quatro) do Los Hermanos - 30/12/2005
04. Não existe pote de ouro no arco-íris do escritor - 29/7/2005
05. Schopenhauer sobre o ofício de escritor - 9/9/2005


Mais Especial Clássicos
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro de Bolso Culinária Mais Receitas do Anonymus Gourmet
José Antonio Pinheiro Machado
L&pm Pocket
(2006)



Madame Bovary
Gustave Flaubert
Penguin
(2011)



Arsène Lupin Confissões
Maurice Leblanc
Pé da Letra
(2021)



Ministério Público Estadual Promotor de Justiça
Leonardo de Medeiros Garcia
Juspodivm
(2014)



A de Anaconda
Salvat
Salvat
(2010)



A Arte Da Guerra Para Mulheres
Chin-Ning Chu
Fundamento Educacional
(2004)



30 Dias para arrasar nas mídias sociais
Gail Z. Martin
Best Business
(2012)



A Batalha Da Torre - Authentic Games
Marco Túlio
Astral Cultural
(2017)



História e Imagem
Org. Francisco Carlos Teixeira da Silva
Ufrj
(1998)



Egito - Grandes Civilizações do Passado
Alberto Siliotti
Folio
(2006)





busca | avançada
80371 visitas/dia
2,4 milhões/mês