Guimarães Rosa e as aulas do professor Aguinaldo | Daniela Castilho | Digestivo Cultural

busca | avançada
68515 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Nouveau Monde
>>> Agosto começa com música boa e grandes atrações no Bar Brahma Granja Viana
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, chega a Diadema
>>> 1º GatoFest traz para o Brasil o inédito ‘CatVideoFest’
>>> Movimento TUDO QUE AQUECE faz evento para arrecadar agasalhos no RJ
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
Colunistas
Últimos Posts
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
>>> 100 anos de Flannery O'Connor
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Quatuor pour la fin du temps
>>> The Search, John Battelle e a história do Google
>>> Juraci, e o seu?
>>> Itaúnas não será esquecida e nem Bento
>>> Cotas e ação afirmativa
>>> Dying to Live
>>> Não contem com o fim do livro, uma conversa com Umberto Eco
>>> Sem música, a existência seria um erro
>>> Realeza
>>> Claude Code by Boris Cherny
Mais Recentes
>>> Eu Sou Dinamite! a Vida de Friedrich Nietzsche de Sue Prideaux pela Crítica (2019)
>>> A Bailarina De Auschwitz de Edith Eva Eger pela Sextante (2019)
>>> Na Minha Pele de Lázaro Ramos pela Objetiva (2017)
>>> Autobiografia De Um Iogue de Paramahansa Yogananda pela Self-realization Fellowship (2016)
>>> Dois Irmaos de Milton Hatoum pela Companhia Das Letras (2019)
>>> Mistérios de Lygia Fagundes Telles pela Nova Fronteira (1981)
>>> Fim de Fernanda Torres pela Companhia das Letras (2014)
>>> A Sombra Das Chuteiras Imortais: Cronicas De Futebol de Nelson Rodrigues pela Companhia Das Letras (1993)
>>> Tudo É Possível de Carlos Henrique de Oliveira pela Vida & Consciência (2016)
>>> O Senhor das Moscas de William Golding pela Nova Fronteira (1983)
>>> Os Amores De Uma Vida de Rose Elisabeth Mello pela Vida E Consciência (2016)
>>> A Ilha de Aldous Huxley pela Globo (1984)
>>> Gloria Mortal de Nora Roberts; J. D. Robb pela Bertrand Brasil (2004)
>>> Refúgio - Ela Não Pode Fugir para Sempre de Nora Roberts pela Bertrand Brasil (2020)
>>> O nascimento da tragédia (edição de bolso - texto integral) de Nietzsche pela L&PM Pocket (2025)
>>> Lua De Sangue de Nora Roberts pela Bertrand Brasil (2002)
>>> O Homem Que Amava Os Cachorros de Leonardo Padura pela Boitempo (2013)
>>> Além Da Razao de Amarilis De Oliveira pela Vida & Consciência (2017)
>>> Jogo Perigoso de Stephen King pela Objetiva (1992)
>>> As Pontes De Madison de Robert James Waller pela Relume Dumará (1993)
>>> Como Esquecer de Rose Elizabeth Mello pela Vida E Consciência (2017)
>>> Btk Profile - Mascara Da Maldade de Dennis Lynn Rader pela Darkside (2019)
>>> O Amor Nos Tempos Do Colera de Gabriel Garcia Marquez pela Record (2005)
>>> Precisamos Falar Sobre O Kevin de Lionel Shriver pela Intrinseca (2007)
>>> Tudo O Que Nunca Contei de Celeste Ng pela Intrinseca (2017)
COLUNAS >>> Especial Guimarães Rosa

Segunda-feira, 10/4/2006
Guimarães Rosa e as aulas do professor Aguinaldo
Daniela Castilho
+ de 12600 Acessos
+ 3 Comentário(s)

Eu imagino que deve ter muito mais gente por aí, talvez lendo isso aqui agora mesmo, que tenha sido aluno do professor Aguinaldo. O professor deu aula de Literatura no colégio Equipe e na Universidade Mackenzie, durante a década de 80. Eu tinha uns quinze anos quando comecei a ter aulas com ele no colégio.

Assistir às aulas do professor Aguinaldo era um universo à parte. Até hoje, vejo as pessoas falarem de literatura como se fosse alguma coisa árida, mítica, encriptada ou sabe-se lá o que mais. Para mim, desde pequena, sempre foi encantamento. Com as aulas do professor Aguinaldo, então, magia, pura magia.

Então tinha aquele sujeito, o Guimarães Rosa e seus livros. Eu já tinha lido sofridamente um tal de José de Alencar que me entediava à beira das lágrimas. Tinha sofrido horrores nas mãos de um português chamado Camões que tinha escrito uns Lusíadas do qual só lembro "das armas e dos barões assinalados"... era isso mesmo? Meu mundo se dividia em duas literaturas - as que meu pai me dava para ler, que incluíam Monteiro Lobato, Julio Verne, Lewis Carrol e Albert Camus, e que eu amava, amava - e aquelas coisas insuportavelmente chatas que professores de mau humor mandavam ler e que todo mundo lia porque ia cair no vestibular e tinha que lembra que "as armas e os barões assassinados" era de um tal de Camões - ou nem era?

Guimarães Rosa, não. Guimarães Rosa era outra coisa muito diferente. Primeiras Estórias. O professor Aguinaldo pediu-nos que comprássemos o livro e que não lêssemos. Ainda, não. Primeiro, ele sacou uma edição pequena e já bem usada de sua pasta surrada de falso couro marrom que fechava com um fecho de metal - rapaz, o que tinha de coisa especial naquela pasta - folheou o livreto, arrumou os óculos redondos de aro no nariz e falou - eloqüentemente, como era seu modo de ser - de como Guimarães Rosa era um sujeito que tinha nascido no meio do sertão das Minas Gerais - que, claro, nenhum de nós conhecia, crianças de cidade. Fui ver uma vaca pela primeira vez aos vinte e dois anos de idade, já formada em Artes Plásticas e dando aulas de artes numa escola tombada pelo Patrimônio Histórico no interior do estado de São Paulo, as vacas pastando no horizonte de aquarela, capim verde, céu azul, meus alunos de seis anos me explicando que vaca usa brinco, dona, que é pra identificar. Mas, então, o Guimarães, o sertão.

O professor Aguinaldo abriu o livro amassado, folheou, secou o suor da testa, começou a contar como tinha conhecido Guimarães e como era o sertão do Guimarães, ficou folheando, folheando - disse algo como "ah, vamos ver isso" - e leu:

"Foi de incerta feita - o evento. Quem pode esperar coisa tão sem pés nem cabeça?"

E parou. "Não, não é isso que eu quero ler" - disse, continuando a folhear o livrinho pardacento e amassado. "Ah, é isso".

Novamente, arruma os óculos, comenta que está calor e ameaça começar a ler. Fecha o livro. A classe ri. O professor olha para nós com seriedade. "Não, eu não vou ler, eu vou contar" - e começa a contar a história de como uma moça filha de mãe leviana foi abandonada pela família e é entonce acolhida em uma fazenda de polvilho. O polvilho, como sabemos, é farinha de mandioca crua, curada, branco, branco. O trabalho da moça, muito agradecida pela acolhida em sua má fortuna, é quebrar mandioca para fazer a farinha do polvilho. O calor grassa. O trabalho é duro. O professor transpira. A classe escuta em silêncio. A mandioca branca, moída e sovada pelas mãos nuas da moça se torna um caldo branco de grude, mandioca brava, as pessoas todas reunidas em suas roupas de algodão branco, sovando aquela mandioca que um dia vai virar farinha, mas que por enquanto é caldo grude branco que cola na mão, na roupa, no cabelo, cobrindo tudo de um branco de cal. A moça é triste, socando a mandioca. A moça sonha com coisas que não sabe se vai ter, se vai esperançar, porque é pobre e é triste, apesar de moça. A goma da mandioca, o polvilho branco porque a polpa da mandioca é branca, reverbera no sol. As pessoas cobertas de polvilho reverberam no sol. Transpiram como o professor Aguinaldo. E então, uma tarde quente e branca de polvilho, aparece o moço dono da fazenda no seu cavalo, no meio daquela brancura toda, reluzindo sol, um moço bonito de sorriso branco e dá de cara com aquela moça pobre coberta de branco e se apaixona. Um moço príncipe de cavalo para amar aquela moça pobre que tem tantos sonhos. A classe toda silenciosa escutando. O professor Aguinaldo ri, seca o suor da testa com o lenço branco, ajeita o óculos, olha para seus sapatos, pára e fala:

"Nossa, eu vim com uma meia de cada cor!" A classe ri. O professor ri, pega o livro outra vez. Seca o suor da testa com o lenço branco.

"Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais."

O sinal do final da aula toca, o professor fecha o livro, coloca na pasta amarrotada, pede pra gente ler para dali a duas semanas. Imagine, lemos para o dia seguinte, na urgência desesperada da curiosidade de quinze anos de saber mais do polvilho, do famigerado polvilho, a moça, o moço, o cavalo, o sertão.

Eu amo Guimarães Rosa, sempre vou amar, por causa do professor Aguinaldo e aquele seu jeito de mostrar o que as literaturas têm de especial. Bons tempos, professor, bons tempos.


Daniela Castilho
São Paulo, 10/4/2006

Quem leu este, também leu esse(s):
01. O que fazer com este corpo? de Ana Elisa Ribeiro
02. Moro no Morumbi, mas voto em Moema de Julio Daio Borges
03. Sinédoque São Paulo de Duanne Ribeiro
04. A pomba gíria de Ana Elisa Ribeiro
05. Amar a vida! de Daniel Bushatsky


Mais Daniela Castilho
Mais Acessadas de Daniela Castilho em 2006
01. Hotmail versus Gmail: nem um, nem outro - 27/3/2006
02. Orkut, um sonho impossível? - 7/2/2006
03. Guimarães Rosa e as aulas do professor Aguinaldo - 10/4/2006
04. Mas afinal, o que é podcasting? - 29/8/2006
05. A difícil arte de fazer arte - 27/10/2006


Mais Especial Guimarães Rosa
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
14/4/2006
11h33min
Olá, Daniela, fui aluna do Agnaldo no Equipe, lá no meio dos anos setenta; era meu professor predileto e entendi que além de jornalismo eu teria que fazer literatura; ele gostava do que eu escrevia e eu gostava, adorava suas aulas. Ele não gostava da cor amarela; ele chamava as pessoas pelo nome que ele achava que elas tinham a cara de tal nome. Ele disse a letra do parabéns a você para o Fernando Pessoa no dia de seu aniversário... veja só, não é o máximo? Essa do Guima eu não sabia, e adorei! Só ele mesmo, né? Que bom que foi aluna dele e viveu parte do que vivi, belas experiências. O Agnaldo é um verdadeiro educador, não acha? Abraço! Isa
[Leia outros Comentários de isa fonseca]
23/6/2007
11h08min
Ah, minha querida Daniela! Posso te chamar assim? Vou me dar esse luxo porque somos irmãos em Agnaldo. Ele foi meu orientador na Pós-graduação da UNESP de Rio Preto. Esperei anos por ele. Eu o queria, queria me parecer com ele (quando eu crescesse). Não consegui. Mas não posso desistir, hoje eu também sou professor de literatura aqui no interior de São Paulo, em Fernandópolis. Mas não posso dizer que sou, pois vivo de imitá-lo com meus parcos instrumentos. Há tempos não o vejo. Tenho muita saudade dele. Iremos um dia em Buritama e o veremos de novo. Foi muito bom ler o seu depoimento sobre ele.
[Leia outros Comentários de Paulo Custódio]
4/3/2011
16h09min
Que delícia alguém falar do Professor Agnaldo... Que saudades! Fui aluna dele na Universidade Mackenzie década de 80. Meu Deus... é inesquecível! Aonde ele anda, alguém sabe???
[Leia outros Comentários de Fattima Lopes]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Direito Previdenciário Esaf - Serie Concursos
Hugo Goes
Ferreira
(2009)



Introdução À Termodinâmica
Cerbe e Hoffmann
Polígono
(1973)



Pulga Atrás da Orelha
Ana Elisa Ribeiro
Gulliver
(2017)



Arte Ambiente - Cidade Rio de Janeiro
Mariana Varzea-roberto Ainbinder (projeto)
Uiti
(2010)



Fala sério amor 433
Thalita Rebouças
Rocco Jovens Leitores
(2007)



A História da Educação Através dos Textos
Maria da Glória de Rosa
Cultrix
(1980)



Maria Teresa e o Javali
Gustavo Finkler; Renata Mattar
Projeto
(2011)



Turnarounder
Pedro Guizzo
Com
(2020)



Climate Heroes (Em Inglês)
Caco Galhardo
Planeta Sustentável
(2014)



Elementos de Eletrotécnica
Clarence V. Christie
Globo
(1964)





busca | avançada
68515 visitas/dia
2,1 milhões/mês