Tchekhov, o cirurgião da alma | Jonas Lopes | Digestivo Cultural

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Quinta-feira, 13/7/2006
Tchekhov, o cirurgião da alma
Jonas Lopes
+ de 14800 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Afirmações decisivas e generalizantes são sempre perigosas, falaciosas. Mas como são elas que dão à crítica algum sabor, aqui vai uma: Anton Tchekhov é o maior contista de todos os tempos. Com todo o respeito a mestres do gênero como Poe, Maupassant e Hemingway, nenhum outro escritor conseguiu concentrar tanta densidade e sutileza em tão pequeno número de páginas. Não são necessárias mais do que algumas linhas para que ele trace a psicologia e a condição de um personagem, com todas as aflições e contradições.

Ao contrário dos compatriotas Tolstói e Dostoiévski, Tchekhov não traça grandes painéis da sociedade russa de seu tempo. Não de forma tão explícita: seu objeto é o homem comum, o mujique, os funcionários públicos, uma inócua classe média (se é que se pode falar de classe média na Rússia novecentista); seu cenário é o cotidiano, a vida como ela é; sua abordagem é a sugestão, aquilo que não é dito, apenas sentido; seu tom é introspectivo, amargo, pessimista, típico de um homem que nunca se entregou a credos (nada do moralismo de Tolstói e das redenções cristãs de Dostoiévski, portanto). Se o contista tece um painel russo, é através de uma ótica invertida, de dentro para fora, do indivíduo para a sociedade - miniaturas enganadoras. O gênio de Tchekhov está em encontrar poesia no banal.

Nisso e em seus finais inconclusos e epifânicos - tão estranhos ao neófito, tão hipnóticos ao fã de carteirinha - ele se assemelha a Machado de Assis ("Missa do Galo", com seus subentendidos, é um conto bastante tchekhoviano, embora seja provável que o Bruxo do Cosme Velho nunca tenha lido o russo). Sua influência, imensurável, vai do Joyce de Dublinenses a Borges, de Katherine Mansfield a Hemingway, de Dalton Trevisan a Raymond Carver - e essa lista poderia continuar por algum tempo. Na década de oitenta, uma pesquisa perguntou a alguns autores norte-americanos qual seria a maior influência no seu trabalho. Adivinhe quem ganhou.

O Beijo e outras histórias é a segunda coletânea de Tchekhov lançada pela editora 34, em sua hercúlea missão de lançar traduções diretas do russo. A empreitada ficou a cargo de Boris Schneiderman, como naquela primeira coletânea A Dama do Cachorrinho e outros contos. Enquanto aquela trazia os contos mais curtos do autor, talvez aqueles que melhor o sintetizam - pérolas como "Angústia", "Um caso clínico" e "A dama do cachorrinho" -, essa O Beijo traz estórias longas, quase novelas, na linha da compilação da Cosac & Naify, O Assassinato e outras histórias.

No conto "O Beijo" fica clara a habilidade do russo de trabalhar com tramas simples, frívolas, de tons menores e delas fazer inefáveis. Um grupo de soldados em marcha é convidado a tomar chá na casa de um fazendeiro, por educação. Um jovem soldado, perdido na mansão, é beijado no escuro por alguém que, logo a seguir, foge. O jovem passa dias e dias pensando no beijo, em quem o teria dado.

"Viérotchka", como "O Beijo", pode ser chamado de história de amor à moda tchekhoviana (traduz-se como "sem pieguice"). Um intelectual prepara-se para deixar a cidade onde descansou por alguns meses. Na caminhada até a saída da aldeia, ele é acompanhado pela filha do seu senhorio, e ela declara seu amor. O homem a rejeita para, minutos depois, se arrepender e descobrir que a amava, mas o sentimento fora sempre soterrado por sua arrogância. O distanciamento narrativo de Tchekhov lembra o de Flaubert. A diferença é que enquanto o francês nutria indiferença por seus personagens, o russo sentia sincero carinho pelos seus. Um exemplo disso é "Kaschtanka", em que a protagonista é uma cadela, "mistura de basset e vira-lata", foge de casa e vira artista de palco. "Kaschtanka" prova a versatilidade do autor.

"Uma crise" e "Uma história enfadonha" exploram questões parecidas. No primeiro, um estudante de direito vai a alguns bordéis pela primeira vez, em companhia de amigos. O estudante, que desprezava a vida das prostitutas, descobre que nos bordéis "de fato vivia gente, gente de verdade, que, a exemplo do que ocorre em toda parte, se ofende, sofre, chora, pede socorro...". Em "Uma história enfadonha" um professor de medicina relata seus últimos dias de vida, o desprezo por sua família e a admiração contida por sua filha adotiva.

O clima existencial das duas histórias remonta ao homem do subsolo de Dostoiévski, sem os extremos febris do autor de Crime e Castigo: Tchekhov leva seus protagonistas a extremos, mas sem que eles nunca percam a razão. Dostoiévski ganha em intensidade, Tchekhov em pessimismo, já que não oferece saída para os seus heróis.

O último e melhor conto do livro (e, talvez, de Tchekhov) é "Enfermaria Nº6". A enfermaria é um pavilhão afastado de um hospital onde ficam os supostos doentes mentais, guardados (e surrados) por um soldado. Entre os internos, está o Ivan Dmítrich Gromov, filho de um nobre que sofre de mania de perseguição desde que viu um grupo de presos acompanhados por guardas: "Não sabia de nenhuma transgressão que tivesse cometido e era capaz de jurar que também no futuro jamais haveria de matar, incendiar algo ou roubar; mas é acaso difícil cometer um crime sem querer, e não são também possíveis a calúnia ou mesmo um erro judiciário?".

A enfermaria é visitada pelo Dr. Andriéi Iefímitch Ráguin, médico do hospital. Andriéi Iefímitich se interessa por Gromov e suas idéias sobre loucura e sanidade e passa a visitar o pavilhão todos os dias. Logo constata que Gromov é mais são do que qualquer pessoa fora dali. Os outros médicos e amigos de Andriéi notam o seu novo comportamento e o internam no próprio sanatório. "Enfermaria Nº6" era adorado por Lenin, que leu o conto quando estava preso e se identificou com o médico. Há também muitas comparações com "O Alienista". A associação é pertinente pelo tema (em um mundo insano, quem é são é louco), ainda que as abordagens dos autores difiram: Machado faz uma sátira com fundo trágico, Tchekhov uma tragédia com fundo satírico.

Médico que era, Tchekhov manejava a pena com a precisão de um bisturi. Não há contra-indicações para sua obra. Se o efeito dessas histórias longas não é tão implacável e vigoroso quanto o das curtas, é, pelo menos, mais duradouro.

Para ir além






Jonas Lopes
Florianópolis, 13/7/2006

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
13/7/2006
04h36min
Não que eu concorde. Isso não quer dizer nada, opiniões, como a minha, são estritamente pessoais. Mas é ótimo que existam afirmações assim como a do Jonas que, visivelmente, teve uma conversa com Tchekhov. Boa leitura é isso, afinal, uma conversa esclarecedora entre autor e leitor. Admiro o Jonas que lê, com atenção, esses contos, difíceis pra mim. Foram difíceis, talvez até por culpa de uma tradução mal feita. Mas não sou mesmo muito chegado no séc. XIX nem na sua transição. O azar é meu, claro. Penso que pouca coisa na lit. russa se aproxima de Tolstoi. Tá certo, estamos falando de contos. É um gênero difícil também, mais ainda porque todo contista tem a tentação fatal de escrever sobre nada. Vou fazer uma analogia meio grosseira: se escrever é uma corrida, o conto é a zona antes da linha de chegada. O lugar da freiada. O final de um processo. Muitos autores ficam lá no começo, só esquentando os motores. Não estou dizendo isso de Tchekhov, claro. Só tô viajando na minha maionese.
[Leia outros Comentários de Guga Schultze]
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