Qual é o seu departamento? | Elisa Andrade Buzzo | Digestivo Cultural

busca | avançada
77175 visitas/dia
2,4 milhões/mês
Mais Recentes
>>> “Sobre Viagens”: Pesquisadora lança livro sobre narrativas de viagem e seus impactos
>>> Elas Publicam chega a Recife para sua 7ª edição no dia 26 de abril
>>> Colóquio Nacional: Arte Sacra Brasileira – 'Da Colônia ao Império'
>>> 12 caminhos na Galeria Jacques Ardies
>>> Sax Bem Temperado’ abre nova temporada do projeto 'Clássicos em Cena' em Itapira
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
Colunistas
Últimos Posts
>>> O concerto para dois pianos de Poulenc
>>> Professor HOC sobre o cessar-fogo (2025)
>>> Suicide Blonde (1997)
>>> Love In An Elevator (1997)
>>> Ratamahatta (1996)
>>> Santo Agostinho para o hoje
>>> Uma história da Empiricus (2025)
>>> Professor HOC sobre Trump e Zelensky
>>> All-In com John e Patrick Collison (2025)
>>> Jakurski, Stuhlberger e Xavier (2025)
Últimos Posts
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
>>> Editora lança guia para descomplicar vida moderna
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Por que as curitibanas não usam saia?
>>> Quando se está triste
>>> O difícil diálogo
>>> Felicidade (extra)conjugal
>>> A ilha do Dr Moreau, de H. G. Wells
>>> Trágico e Cômico, o debate
>>> Vá ao teatro, mas não me leve
>>> People, Hell & Angels
>>> Dalton Trevisan revisitado
>>> Escrever para não morrer
Mais Recentes
>>> Livro Poesias completas de Cruz e Sousa pela Record (1998)
>>> Corte De Espinhos E Rosas de Sarah Maas pela Galera (2019)
>>> Meus Balões - Cadernos da Biblioteca Nacional 3 de Alberto Santos Dumont pela Biblioteca Nacional (2007)
>>> Livro A Milícia Cidadã A Guarda Nacional De 1831 A 1850 Brasiliana Volume 359 de Jeanne Berrance De Castro pela Nacional (1979)
>>> A Volta à Grande Disciplina de J. B. Libano pela Loyola
>>> E A Bíblia Tinha Razão de Werner Keller pela Melhoramentos (1981)
>>> Livro Cinquenta Tons De Cinza de E. L. James pela Intrinseca (2012)
>>> Livro A Barreira Do Tempo de Andrew Tomas pela Hemus (1972)
>>> Descubra Seus Pontos Fortes de Marcus Buckingham pela Sextante (2008)
>>> Nova Evangelização de Leonardo Boff pela Vozes (1991)
>>> Inteligência Emocional de Daniel Goleman pela Objetiva (2021)
>>> Livro Frankenstein Coleção É Só O Começo de Mary Shelley pela L&pm Editores (2011)
>>> Psicologia Do Desenvolvimento: A Idade Pré Escolar Vol.3 de Clara Regina Rappaport pela Epu (1981)
>>> Nova Evangelização - Perspectiva dos Oprimidos de Leonardo Boff pela Vozes (1990)
>>> Over-12 nº1 de Lourenco Mutarelli pela Excegucok
>>> Livro Pick And Choose Multiple Choice Comprehension Passages de R. Best pela Longman (1971)
>>> Escritos e Conferências 1: Em Torno da Psicanálise de Paul Ricoeur pela Loyola (2010)
>>> Livro O Viajante de Lúcio Cardoso pela José Olympio (1973)
>>> Bórgia de Alejandro Jodorowsky / Milo Manara pela Pipoca e Nanquim (2023)
>>> Coleção Judaica - 10 Volumes de Harry M. Rabinowicz pela Koogan (1990)
>>> História da Sexualidade Vol. 1 - A Vontade de Saber de Michel Foucault pela Graal (2006)
>>> Sinopse Epistolar de Frederico Dattler pela Paulinas (1967)
>>> Livro Gloria de Victor Heringer pela Companhia Das Letras (2018)
>>> Livro O Que É Erotismo de Lucia Castello pela Brasiliense (1984)
>>> A Ordem do Discurso de Michel Foucault pela Loyola (1996)
COLUNAS

Quinta-feira, 26/10/2006
Qual é o seu departamento?
Elisa Andrade Buzzo
+ de 7200 Acessos
+ 2 Comentário(s)


ilustra: Tartaruga Feliz

- Shopping West Plaza, Barra Funda!

- Vamô aê, subir a Teodoro!

Indiferentes aos gritos do jovem cobrador da lotação dependurado como banana num cacho, homens esperam ônibus recostados em bancas cheias de calcinhas de oncinha, florais, lisas. Um silêncio de cidade interiorana se materializa assim que o sinal fecha. Escorrem da loja murmúrios de um pagode sentimental enquanto o ruído do trânsito sobe com o ar quente do dia. Em segundos, o tráfego de autos, que parecia descontínuo, se materializa novamente. O corpo-a-corpo entre pedestres, camelôs, femmes fatales, crianças puxadas pela mão, postes, chicletes sedimentados, despertadores incessantes, crianças desgarradas da mãe, carros-de-som irritantes, dondocas em fim de carreira, peões da selva urbana é quase uma luta livre sem placa de pare. Há quem passe na Loja X e verifique vaporosas camisolas mesmo estando fisicamente na rua. Sua entrada funciona quase como uma dobra perpendicular da rua Teodoro Sampaio. É neste apêndice que caroços de azeitona e pedaços de unha malcomida se prendem em busca de caminhos fáceis para o preço baixo.

Daqui ninguém sai triste, nem pelado. Afinal, fazer compras relaxa, torna as pessoas mais alegres. Pelo menos, ao cristalizar a compra, que satisfação em preencher os dedos com sacolinhas finas de plástico branco. É tudo alegria, alegria, porque felicidade é só quando for tudo em dinheiro vivo. Não, dinheiro vivo, não. Nem felicidade. Chique mesmo é quando for tudo em cash. E cabeça desanuviada das dívidas tipo tecido strecht colante.

Miríade de gatinhos, menininhas, bichinhos, frutinhas, lacinhos, travam competição desleal, incrustada nas estampas das roupas da seção infantil. Pé-direito alto, as araras estendem-se quase até o teto em alguns pontos da loja. As roupas pendem em diferentes níveis, preenchendo as paredes de coloridos repetidos aleatoriamente. No miolo do salão térreo superiluminado, mais araras e bancas se misturam entre consumidoras tagarelas. O preço em números brancos sempre está em destaque nas plaquinhas pretas. Dificilmente alguma peça passa dos R$ 30,00.

Mão delicada encontrando mão indelicada no tête-à-tête disfarçado entre as araras emaranhadas de roupas. Mas, tem pra todas... a maioria das peças sai por volta de R$ 100,00. Lá, a loja está cheia, mas transitável. É a Loja Y do shopping Ibirapuera em pleno domingo: reduto de famílias paulistanas e casais de namorados. Caixa vazio. Homens sentados apertadinhos - na frente do provador feminino lotado - como pares de sapatos ansiosos por serem levados dali. Marmanjo esperando mulher em loja de departamento é coisa de dar dó. Eles olham uns para os outros em muda comunicação.

No visual cristalino e moderno, a iluminação é indireta, direcionada às roupas divididas entre os setores feminino, masculino e infantil. Lâmpadas atrás de uma placa de vidro branco semitransparente difundem a luz, tornando o ambiente aconchegante às cifras polpudas das etiquetas escondidas. Neste clima leitoso jazem delicadas baby looks, tricôs, saias extremamente bordadas, jeans lavado em displays de vidro na ampla ala feminina. A moda das batas ainda não sucumbiu (o fato é que elas escondem com estilo a barriguinha saliente, embora alguns estilistas teimem em arrancá-las dos cabides), e o indian style permanece nas prateleiras fashion da coleção primavera/verão 2005.

Ninguém olha para as meias soquetes femininas, cujos preços variam de R$ 11,00 a R$ 19,00. Na etiqueta de bolinha vermelha, um lembrete poliglota aos desavisados: "Alarme". Já nos sapatinhos infantis, o aviso é colado na sola. As roupas de meninas lembram a moda feminina adulta nos sapatos bordados e nos vestidinhos acompanhados de minúsculos boleros.

- Mãe, vem ver, não é pra comprar!

A menina de cabelos loiros e brinquinhos de prata examina uma calça jeans "infantil e unissex", testando o funcionamento do zíper.

- Que bárbara! Amei!

Uma senhora bate a sola da bota marrom de cano curto no ritmo frenético do pop rock internacional. Enquanto isso, pergunta à filha, com ar indiferente: "Achou alguma coisa?" Ao que ela responde: "As saias, as saias..."

Será a música responsável pelo transe? Mulheres rodopiam sem eixo, maridos esperam boquiabertos, sem perspectiva próxima de irem embora. Enfim, há quem não fale coisa com coisa, tamanha a hipnose em que mergulham ao fixar o olhar nas roupas, absortas na iminente (im)possibilidade da compra.

No entanto, a seção masculina da sofisticada loja de departamento está mais tranqüila. Um dos atendentes, terno preto sem gravata, dobra camisas; seus cabelos negros numa geometria de retas que só uma pasta pode firmar no espaço. O rosa é um tom que aparece sem vergonha de se mostrar em finos tricôs ou em camisas despojadamente encabidadas com as mangas arregaçadas. Sandálias de design descolado e solado duro fazem a cabeça do metrossexual, ou ainda, como alguns insistem em dizer, do homem contemporâneo.

No setor masculino o homem compra por R$ 340,00 camisa e calça social. Já o terninho feminino de risca de giz sai por R$ 440,00. Terninho preto, cachos cuidadosamente no lugar emoldurando o rosto de maçãs avermelhadas por um leve blush ascendente - uma das atendentes desfila pelos corredores da loja, a passos curtos, rápidos e duros. Magérrimas morenas, loiras, cabelos lisíssimos, cútis sedosíssimas, borboleteiam em busca dos pedidos de clientes, ou então arrumando a bagunça das roupas nos diplays. Já na Loja X, o conjunto social masculino sai por R$ 73,00 (calça social, camisa, cinto, meia e cueca). Só falta o sapato, mas isso se resolve facilmente em outras lojas da Teodoro. Para as executivas, terninho risca de giz + calcinha sensual + sutiã = R$ 29,80.

Dentre milhões de paulistanos que buscam suprir suas necessidades básicas de consumidor, medita um homem cujo equilíbrio financeiro combina-se com malabarismos dignos de mestre de yoga. O sereno senhor segura com a ponta dos dedos um macacãozinho cor-de-rosa, envolto por um plástico transparente. Nos mesmos dedos equilibra outra embalagem com um babador e dois sapatinhos, estes também rosas. As lentes grossas dos óculos examinam um cobertor rosa. Vira e desvira a maciez da lã sintética. Devolve-o na prateleira, junto aos pequenos cobertores de outras cores e modelos. Uma placa azul, tom calmante que predomina: "Cheque pré-datado - 30, 60 e 90 dias - juros de 6% ao mês".

Pensar é o que mais se faz na Loja X, depois de comprar, claro. Ritual típico da pré-aquisição: pegar a peça de roupa, levantá-la, olhos agudos investigam a utilidade, a relevância, o ajuste. Uma senhora examina um shorts infantil, elevando-o acima de sua cabeça, como se pudesse materializar a criança no nada.

- Trinta dias.

Sua silhueta tesa aguarda os demorados trâmites da compra. Negro, calça marrom e camisa bege no calor afetado de 31º. Por mais uma vez ele volta ao cobertorzinho cor-de-rosa. A cabeça indecisa por debaixo da boina xadrez. Dezenove reais a mais... dezenove reais a menos... Para a nenezinha se esquentar nesse verão vale a pena, vale a pena.

Irresistível o toque no bojo macio dos sutiãs. Elas deslizam as pontas dos dedos no tecido mole, procuram as alças perdidas das taças. Em frente ao ponto de ônibus, elas testam sutiãs nos seios vestidos. Como uma mulher que vê o colar na vitrine e acaricia o próprio pescoço. O bolo é revirado até aparecer o fundo creme do expositor. Elas sorriem ainda, no esforço de meia hora à caça do melhor tesouro.

Indiferentes aos olhares externos do jovem cobrador de lotação dependurado como banana num cacho, dos homens esperando ônibus recostados nas bancas cheias de seios, entranhadas que elas estão em si mesmas. Fogueira que fascina faiscante. A dondoca passa na rua atrás do marido ensacolado, terno pardo, e aponta com o dedo para a baciada de sutiãs: "Ahá!" Põe mais lenha. O fogo-fátuo das feministas não resiste ao mormaço do outubro paulistano... nem ao senso do ridículo. Sua glória volátil é caminho de passagem. Se na revolução sexual as feministas queimavam sutiãs nas ruas, no século XXI simples mulheres os compram a R$ 6,00 cada.

Dali e de lá ninguém se lembra do mundo cá fora. Nos templos do consumo, o que importa é o agora - momento da escolha, do extravasamento. Se felicidade não se compra, estamos quites. Ponto de aproximação entre distâncias.


Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 26/10/2006

Mais Elisa Andrade Buzzo
Mais Acessadas de Elisa Andrade Buzzo em 2006
01. Mia Couto revisitado - 14/9/2006
02. Novos autores na poesia brasileira - 18/5/2006
03. FLAP! Uma bofetada na indiferença* - 10/8/2006
04. As crianças cheirando cola - 7/12/2006
05. Qual é o seu departamento? - 26/10/2006


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
30/10/2006
16h27min
Gostei do texto, Elisa, da dinâmica sibilante com a qual caminha o narrador, o tema e a forma como é trabalhado... muito legal. Não gostei de alguns detalhes (se me permite ser de todo sincero), mais gostei muito do resultado.
[Leia outros Comentários de Marcelo]
7/11/2006
23h52min
Elisa, alguns detalhes são irrelevantes, outros deviam ser mais explorados (o homem escolhendo as peças rosas do bebê). Mas gostei demais do texto. Ele é escorregadio como o tecido mole dos sutiãs e quando percebemos chegamos até embaixo, no fim.
[Leia outros Comentários de Anderson Ribeiro]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Evolução do Capitalismo Moderno
John a Hobson
Abril Cultural
(1983)



Meio-fio
Rosana Piccolo
Iluminuras
(2003)



A Arte da Felicidade no Trabalho
Dalai Lama
Martins Fontes
(2004)



Livro Homem Manual da Proprietária
Carlos Queiroz Telles
Circulo do Livro



Literatura Brasileira Postais Paulistas
Frederico Branco
Senac
(2002)



Alimentos Orgânicos no Brasil: História Cultura e Gastronomia
Eduardo Sganzerla e Outros
Esplendor
(2013)



A Bruxa de Portobello
Paulo Coelho
Planeta
(2006)



Livro Portuguesas Extraordinárias Mulheres de Coragem à Frente do seu Tempo
Maria de Rosário Pedreira
Booksmille
(2008)



Contabilidade Avançada e Análise das Demonstrações Financeiras
Silvério das Neves e Paulo E. V. Viceconti
Frase
(1998)



A Arte de Escrever
Arthur Schopenhauer; Pedro Sussekind
L&pm Editores
(2007)





busca | avançada
77175 visitas/dia
2,4 milhões/mês