O cientista boêmio | Guilherme Conte | Digestivo Cultural

busca | avançada
124 mil/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Bela Vista Cultural | 'Saúde, Alimento & Cultura'
>>> Trio Mocotó
>>> O Circo Fubanguinho - Com Trupe da Lona Preta
>>> Anaí Rosa Quinteto
>>> Chocolatte da Vila Maria
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> The Piper's Call de David Gilmour (2024)
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
Últimos Posts
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> Alice e a História do Cinema
>>> Com-por
>>> Revista Ato
>>> Juntos e Shallow Now
>>> Contos Clássicos de Fantasma
>>> O bom, o ruim (e o crítico no meio)
>>> O surpreendente Museu da Língua Portuguesa
>>> As Últimas, de Pedro Doria e Carla Rodrigues
>>> Kafka: esse estranho
Mais Recentes
>>> Livro Meu Reino por um Cavalo! 2 Um Livro de Citações, Aforismos e Frases Célebres de Ivan Pinheiro Machado pela LePm Ediores (2016)
>>> O Jogador Edição Pocket de Fiodor Dostoiévski pela L e pm (2005)
>>> A Construção Social da Realidade de Peter L Berger pela Vozes (1973)
>>> Livro Literatura Brasileira Os Tambores Silenciosos de Josoé Guimarães pela Circulo do Livro (1976)
>>> Estatística Básica de Wilton De Oliveira Bussab e Pedro Alberto Morettin pela Saraiva (2018)
>>> Cultura Amazônica Hoje: uma Poética do Imaginário Revisitada de João de Jesus Paes Loureiro pela Secult (2019)
>>> Nós e as Estrelas de Kelsey Oseid pela DarkSide (2021)
>>> Livro Literatura Estrangeira Apaixonado por Justiça Conversas com Sabine Rousseau e Outros Escritos de Henri Burin des Roziers pela Elefante (2018)
>>> Vidas Secretas - Série Darke Academy Livro 1 de Gabriella Poole pela Novo Século (2011)
>>> Saúde Mais Saudável. Viva Mais E Melhor de Dr. Rubens Cascapera Jr. Colaboração Dr Joely Pucci pela Intelitera (2012)
>>> Á Procura De Deus - Breves Notas Sobre Teologia de Ismael Dos Santos pela Nova Letra (2006)
>>> O Mistério do Caderninho Preto de Ruth Rocha pela Ática (1998)
>>> Prosinha - Conversando Com a Família de Anita Adas e Cristiana Musa pela Saraiva
>>> Livro Linguística Semântica de Rodolfo Ilari; João Wanderley Geraldi pela Ática (1995)
>>> Livro Literatura Brasileira Um Capitão de Quinze Anos de Júlio Verne pela Hemus (1996)
>>> O Colar de Ambar Amarelo de Monica Gryczynska pela Do Autor (2001)
>>> Just Work: Get It Done, Fast And Fair de Kim Scott pela Macmillan (2021)
>>> Livro Literatura Estrangeira The Honk And Holler Opening Soon de Billie Letts pela Warner Books (1996)
>>> Conjugação Dos Verbos Em Português de Maria Aparecida Ryan pela Atica (didaticos) (2003)
>>> O Tigre Que Veio Para O Cha Da Tarde de Judith Kerr pela Harperkids (2021)
>>> O Tao da Medicina de Stephen Fulder pela Ibrasa (1986)
>>> Livro Filosofia Pequena Estética Debates de Max Bense pela Perspectiva (1971)
>>> Os Idiomas do Aprendente de Alicia Fernández pela Artmed (2007)
>>> Azeite De Oliva, Sabor, Estética E Saúde de Marcio Bontempo pela Alaúde (2008)
>>> Livro Linguística Linguagem e Sexo de Malcolm Coulthand pela Atica (1991)
COLUNAS >>> Especial Melhores de 2006

Sexta-feira, 12/1/2007
O cientista boêmio
Guilherme Conte
+ de 8000 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Difícil tarefa a de quem se propõe a, com palavras, dar a real dimensão da figura de Paulo Emílio Vanzolini. Este homem conseguiu o feito duplamente notável de tornar-se referência em seus dois - por assim dizer - "campos de atuação" (campos, convenhamos, bem distintos entre si): a biologia e o samba.

Se ele fosse só o lendário professor, pesquisador e verdadeiro militante do desenvolvimento da ciência no país já seria o suficiente para que seu nome estivesse inscrito na história. Só que Vanzolini é também um de nossos maiores sambistas; é talvez, ao lado de Adoniran Barbosa, quem melhor cantou a cidade de São Paulo.

Antonio Candido foi extremamente feliz em descrevê-lo*: "(...) a sua curiosa personalidade de cientista boêmio, de irreverente cheio de disciplina e rigor, de homem da Noite que faz do dia seu espaço de trabalho. (...) Viva pois esse Paulo poeta compositor cientista boêmio conversador que soube fixar tão bem pela arte momentos significativos da vida."

É sob a égide do contraste que emergiu uma obra de um lirismo raro, em que os achados verbais, as construções engenhosas e as frases lapidares que se agarram à nossa memória saltam em quantidades imensas. Madrugadas inteiras podem ser perdidas em torno de um violão só com a lembrança de suas letras.

Letras que, se não casassem tão bem com a música a que pertencem, poderiam tranqüilamente ser publicadas em livro sob o portentoso título de "antologia poética". E é precisamente nesse ponto que reside um dos grandes paradoxos da obra de Vanzolini. Se por um lado seus versos são marcados por uma limpidez cristalina, concisos e enxutos, essenciais, isso não faz com que soem rígidos, estáticos. Pelo contrário: é o pleno domínio da forma que dá asas à poesia de suas músicas. As frases voam e se puxam; nada falta ou sobra ali.

Um compositor essencialmente paulistano

Embora seus versos sejam dotados de uma universalidade atemporal, é clara a presença da cidade de São Paulo, seja expressamente (como no caso de "Ronda", um de seus maiores sucessos e que gerações inteiras sabem de cor - "cena de sangue num bar da Avenida São João"), seja na tradução da cidade dos idos de 1950 e 60. A boemia em sua forma mais pura.

Seus temas são o divórcio, a mulher ingrata, a ausência, os desvãos do casamento, a inveja, a teimosia. Desfilam por entre suas ruas mulheres ciumentas, maridos traídos, noitadas em bares. É uma obra profundamente urbana, que cheira a sereno e a boteco.

Impossível não se encantar com a simplicidade irônica de pequenas jóias como o samba "Praça Clóvis":

Na praça Clóvis minha carteira foi batida,
Tinha vinte e cinco cruzeiros e o seu retrato,
Vinte e cinco eu francamente achei barato,
Pra me livrarem do meu atraso de vida.
Eu já devia ter rasgado e não podia,
Esse retrato cujo olhar me maltratava e perseguia,
Um dia veio um lanceiro naquele aperto da praça.
Vinte e cinco francamente foi de graça.


A ironia, aliás, é uma das marcas de suas letras, e muito do ar de ranzinza que se atribui a ele deve-se ao seu humor refinado. Corre no meio musical a história de que Chico Buarque, quando das gravações de seu CD Carioca, teria ligado para ele querendo saber mais sobre os ratos, uma vez que uma das faixas do disco é a regravação de "Ode ao Rato".

Quando Chico lhe expôs o caso - "Olha, Vanzolini, eu estou regravando 'Ode ao Rato' e queria saber mais sobre a espécie etc." -, ele respondeu: "Pô, Chico, você já mentiu tanto sobre as mulheres e agora quer falar direitinho sobre os ratos?" Pior mesmo é a suposta resposta de Chico, entre risos: "É que pelos ratos ainda tenho algum apreço..."

Poeta do cotidiano

Na contracapa do LP A música de Paulo Vanzolini, de 1974, cantado por Carmen Costa e Paulo Marques, o compositor discorreu um pouco sobre sua criação:

"Fazer um samba é um tanto uma questão de paciência. O tema, a vida cotidiana, espreitada, fornece. Ou a preocupação maior da gente determina. Melodia e letra nascem juntas, frase de verso se adaptando a frase melódica, e as seqüências melódicas mais ou menos se filiando na tradição geral. Dia a dia, sem querer ser apertado, o samba cresce e se completa, mais depressa quando se encontra uma frase boa, mais devagar quando se entra em problemas, se vai melhor um p ou um t, quando há dúvida sobre se alguns ss se aliteram bem ou sibilam demais.

Com o tempo o samba se define na cabeça, e quer sair. Num ponto de ônibus, no banheiro de praxe, ele é cantado quase em voz alta, verificam-se as fraquezas maiores e os plágios mais óbvios: a melodia é assobiada, com cautela, depois com força e certo abandono, e o autor compôs. (...)"

A obra de Vanzolini, nascido em 25 de abril de 1924, pode ser definida como sinônimo de honestidade. Seus sambas nascem nos bares, pontos de ônibus, batidos na caixinha de fósforos. E em pouco tempo estão sendo cantados em outros pontos de ônibus pelos anos afora. É criação autêntica, que fala do amor sem teorias ou rodeios. Coisas como "Noites de vigília" guardam uma beleza rara:

Nas minhas noites de vigília
Eu fumo e cismo
Que esse abismo entre nós desaparece,
E uma onda de ternura
Se alastra e cresce dentro de mim,
Embora assim tão solitário,
Pressinto o fim desse calvário.

Esse teu medo de amar e ser amada,
Que te faz ser tão arredia e desconfiada,
Serenamente eu vencerei e por ti mesma,
Eu te asseguro,
Descobrirás nos braços meus porto seguro.


Mais do que nunca é necessário debruçar-se sobre os sambas de Vanzolini. A gravadora Biscoito Fino prestou um serviço incomensurável ao público quando lançou a caixa Acerto de contas de Paulo Vanzolini, com 4 CDs reunindo uma parte substancial de suas composições. O time de intérpretes é de fazer inveja a qualquer mortal que um dia tenha se disposto a fazer música: Paulinho da Viola, Chico Buarque, Eduardo Gudin, Paulinho Nogueira e Elton Medeiros, entre outros. "Volta por cima", "Sorrisos", "Samba abstrato" e "Maria que ninguém queria", em meio a tantos clássicos, ganharam versões irretocáveis em um conjunto de 52 canções que primam por execuções de alto nível.

Com sambas imbatíveis em sua simplicidade, Vanzolini nos faz parar um pouquinho para pensar no amor. Em um mundo cada vez mais asséptico e burocratizado, em que o malandro, segundo as más línguas, até trabalha, cantar versos como "mulher que não dá samba eu não quero mais" entre chopes pela madrugada são a maior homenagem que podemos prestar a este sensível compositor. Afinal de contas, mulheres ciumentas existirão até o fim dos tempos.

* Antonio Candido, no encarte de Acerto de contas de Paulo Vanzolini

Para ir além
Homenagem a Paulo Vanzolini - O compositor se reúne com sua mulher, Ana Bernardo, mais a cantora Márcia e os músicos Pratinha, Ítalo Peron e Adriano Busko para interpretar algumas de suas composições - SESC Vila Mariana - Teatro - R. Pelotas, 141 - Vila Mariana - Tel. (11) 5080-3000 - R$ 20 - Terça, 16/01, e quarta, 17/01, às 21h.

Nota do Editor
Leia também "Incêndio pleno: amor, pirraça, veneno e cachaça"

* * *

O fino da bossa

Este colunista desconfia de listas como "as 10 mais de 2006", "o melhor de 2006" e afins - embora reconheça já ter feito retrospectivas desse tipo. Não quero com isso desqualificar os balanços que abundam na imprensa nessa época do ano; a iniciativa é valida e muitos deles são extremamente qualificados. Só tenho reservas quanto ao tom taxativo muitas vezes empregado.

Para não passar em branco, destaco um disco lançado em 2006 que desde já deve figurar em qualquer discoteca básica de alguém que goste do que se faz de melhor em música. Trata-se de Amendoeira, de Bebeto Castilho, o baixista, vocalista e flautista do lendário Tamba Trio (então ao lado de Luizinho Eça e Hélcio Milito).

Amendoeira ganha ares de estréia, porque seu disco anterior, Bebeto, foi lançado em LP no ano de 1976 e só relançado em CD na Inglaterra. De certa forma, então, é a primeira vez que o público brasileiro pode ouvir este magnífico artista em CD.

E é um registro absolutamente perfeito. Com um repertório primoroso, que vai de velhos clássicos como "Infidelidade", de Ataulfo Alves, e "Minha palhoça", de J. Cascata, até uma canção de seu sobrinho-neto Marcelo Camelo, da banda Los Hermanos.

Camelo também divide os vocais com Bebeto no delicioso samba de breque "Porta de cinema", de Luis Souza - irmão de Bebeto -, e assina a produção do disco ao lado de seu parceiro de outros carnavais Kassin, um dos nomes mais criativos em atividade por aqui. As outras participações ficam por conta de Wilson das Neves, Thalma de Freitas e Nina Becker - esta com uma interpretação impressionante de "Beijo distraído", de Durval Ferreira e Regina Werneck. Daquelas de comover os corações mais duros.

Com um trabalho de concepção e produção refinadíssimo, o álbum todo tem uma atmosfera absolutamente única: ao mesmo tempo em que ecoa as boates cariocas dos idos de 1970, quando o Tamba brilhou, ele ganha uma certa roupagem moderna; principalmente por conta dos arranjos de Laércio de Freitas (que em três faixas dá lugar a Gilson Peranzzetta e Alberto Chimelli).

A combinação dos pianos e fender rhodes de Laércio com o baixo que esbanja suingue de Bebeto entra imediatamente para o rol de grandes dobradinhas da história, como a carne-sêca com abóbora, o mar batendo nas areias de Ipanema e Frederico Fellini & Giulietta Masina. Uma aula de elegância e estilo, com muita bossa e balanço.

Em uma palavra? Imprescindível.

Para ir além
Amendoeira


Guilherme Conte
São Paulo, 12/1/2007

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Curso de gestão atabalhoada do tempo de Ana Elisa Ribeiro
02. Novos escritores? Onde? de Marcelo Maroldi
03. Um cara legal de Eduardo Carvalho
04. Profana e Sagrada de Rafael Lima


Mais Guilherme Conte
Mais Acessadas de Guilherme Conte em 2007
01. Impressões sobre a FLIP - 20/7/2007
02. O homem visto do alto - 23/3/2007
03. O cientista boêmio - 12/1/2007
04. E se refez a Praça Roosevelt em sete anos - 13/4/2007
05. Rafael Spregelburd e o novo teatro argentino - 11/5/2007


Mais Especial Melhores de 2006
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
12/1/2007
22h26min
Guilherme, Paulo Vanzolini escreveu pelo menos uma meia dúzia de músicas que me acompanham desde que eu era criança. Depois, comecei a ouvir sobre o zoólogo (é isso, não?) que ele é. Um dos maiores, senão o maior, dizem... Acho que toda e qualquer homenagem é válida, obrigatória na verdade. (Lembremos do que cantou Nelson Cavaquinho: "Depois que eu me chamar saudade/ Não preciso de vaidade/ Quero preces e nada mais"). Tá em tempo ainda... Maroldi
[Leia outros Comentários de Marcelo Maroldi]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Clt Interpretada
Costa Machado / Domingos Sávio Zainaghi
Manole
(2019)



Livro Administração Da Favela para o Mundo Não importa de onde você vem, mas para onde você vai
Edu Lyra
Buzz
(2018)



Quem Você Quer Ser Daqui Pra Frente ?
Camila Almeida
Romero Santiago
(2012)



Preste Atenção Em Você
Elvira Lúcia Silva
All Print
(2012)



Livro A Biblia Sagrada Ilustrada Tam. Grande Capa Dura 1999 - Religiao
Português
Printid Argentina
(1999)



Livro Literatura Brasileira Os Anjos de Badaró
Mario Prata
Planeta
(2011)



Livro Direito Contratos e Obrigações Comerciais
Fran Martins
Forense
(1993)



Livro Biografias Ernst Jünger Die Biographie (German Edition)
Helmuth Kiesel
Siedler Verlag
(2007)



Exit Le Fantôme
Philip Roth
Folio
(2009)



Na Cova dos Leões
Daniel Lima
Livre Mercado
(2006)





busca | avançada
124 mil/dia
2,0 milhões/mês