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Quarta-feira, 12/9/2001
Nada de novo no front
Daniela Sandler
+ de 7400 Acessos

Yara Mitsuishi

O World Trade Center soltava fumaça como uma chaminé. A foto parecia montagem. Parecia filme. Hollywood já teve essa idéia antes.

Pergunto a uma amiga que passava: é verdade?

"É verdade. Meu namorado acabou de ver o prédio caindo."

"Você deve estar brincando", repetia outra amiga, nova-iorquina. Assim que a ficha caiu, ela começou a chorar: "Ela está morta! Sarah está morta!"

Sarah é sua melhor amiga e trabalha no Merryl Lynch, que ficava no World Trade Center. Sarah ouviu a primeira explosão. Olhando pela janela, viu passar de perto o segundo avião, que mergulhou na outra torre. Escapou por pouco.

Eram umas onze da manhã aqui em Rochester, que fica a apenas uma hora de vôo de Nova York. Todo mundo parou em volta de tevês, como em dia de jogo. As notícias iam caindo como os aviões: Washington! Pittsburgh! O que virá depois? De repente o país pareceu extremamente frágil sob o céu aberto e devassado: quantos aviões ainda estão no ar? Onde vai cair o próximo?

Eu havia acabado de dar aula. Quando entrei na sala, às 9 e pouco, não sabia de nada. Discutimos as falhas da arquitetura modernista. A aula acabou. Liguei o computador, e tudo mudou. O aluno, a explicação, o livro que eu tinha de ler sumiram. Na tela, no meio do texto da CNN, a frase ecoou meu pensamento: "Depois disso, nada vai ser como antes".

Antes, pensávamos estar seguros, prezávamos pequenas liberdades cotidianas, dando como garantidos fatos básicos da vida - como por exemplo ir para o trabalho e não levar um avião na cabeça. O que mudou, afinal? A nossa segurança concreta? Não, essa já não existia para começo de conversa. Foi nossa ilusão de segurança que se estraçalhou.

Pois de resto não há surpresas. O suspeito número 1, Osama bin Laden, já havia organizado explosões em concerto (duas embaixadas dos EUA na África). Argelinos aterrorizaram Paris com bombas no metrô em 95. Irlandeses explodiram prédios comerciais em Londres (ao menos tiveram a gentileza de avisar antes no caso das Docklands). A Associação Mutual em Buenos Aires; Oklahoma; o próprio World Trade Center em 93.

E, ora bolas, setembro é o mês negro há mais de 30 anos!!! O massacre dos palestinos pelo rei Hussein da Jordânia, em 1970, deu motivo para a série de atentados com os quais os palestinos não se cansam de vingar o crime original. Trair e matar, é só começar.

Na terça à noite, antes de dormir, estava lendo É isto um homem?, de Primo Levi, sobre sua estada em Auschwitz. Ao ler a terrível narrativa, pensava: "Como parece distante esse inferno. Como é bom estar segura. Estou segura. Estamos tão longe do terror, estamos a salvo: o mundo mudou".

Horas depois, diante do anúncio de dez ou vinte mil mortos, vendo Manhattan transformada em cenário de guerra, e me perguntando onde cairia o próximo avião, lembrei-me de Levi. O alívio que eu sentira foi embora. Não estamos a salvo. Nada mudou. Tudo será como antes.

Agência Central de Burrice

Até mesmo por isso é que se pergunta: "como não previram isso"? Sei que é fácil falar depois do fato consumado, mas neste caso não acho que haja injustiça. Os EUA têm estrutura quase paranóide de segurança. Muita gente é paga, justamente, para prever e evitar ataques. É como o conceito da direção defensiva no trânsito: você dirige tentando prever as besteiras que os outros motoristas vão fazer. É possível, funciona, eu garanto. Não à toa, chama-se direção defensiva. O que mais se espera de um ministério da Defesa? De um serviço de Inteligência? Certamente, não essa burrice e ingenuidade.

Um ex-funcionário do governo de Bush (pai) disse estar chocado com a vulnerabilidade do sistema aéreo. "Eu achei que já tínhamos superado o problema dos seqüestros de aviões. É quase inaceitável que isso tenha ocorrido hoje em dia." Pois é, eu também achei - aqui é o país em que um brasileiro, conhecido meu, foi processado por ter respondido com uma gracinha ao questionário de segurança que a American Airlines (uma das companhias cujos aviões caíram) faz a todos os passageiros.

"Você está levando alguma bomba, arma, explosivo?" Talvez motivado pelo tédio do questionário, e diante do absurdo da pergunta (se ele estivesse levando uma bomba, por acaso confessaria???), esse moço respondeu, em tom de brincadeira: "Sim, estou carregando uma bomba aqui". Dois funcionários foram chamados, o rapaz foi levado para a sala de interrogatório, quase não deixaram que ele embarcasse, revistaram toda a sua mala. Não adiantou ele dizer que era brincadeira - os funcionários estavam sérios, ofendidos e truculentos. Acabou embarcando, mas tomou processo.

Guerra-parasita

Enquanto alguns especialistas dizem que talvez nunca tenhamos certeza sobre o autor do ataque, o governo deixou vazar a informação de que Bin Laden, o milionário que decidiu fazer cruzada contra os EUA, é o principal suspeito. Atentados orquestrados por ele teriam pontos em comum com o ataque de ontem - por exemplo, a organização coreografada e precisa, a sofisticação e a grandeza de recursos. Bin Laden teria dito, há três semanas, estar preparando "um atentado sem precedentes aos EUA". Especialistas dizem que só ele teria o dinheiro e o aparato logístico para um ato de tal porte.

Há quem sugira ter sido esforço combinado entre mais de uma organização. Eu, de minha parte, não pude deixar de pensar no Setembro Negro - não apenas pela tradição do terror neste mês, mas também pelo aumento da tensão entre palestinos e Israel.

De todo modo, é de espantar a engenhosidade desta versão de guerra-relâmpago: em vez de ter sua própria frota e arsenal, os terroristas transformaram os jatos do inimigo em bomba e força aérea ao mesmo tempo. Isso é parasitismo!

Sei que bolsões de ódio sempre existirão, mas me espanta a duração e a extensão dessa alucinação coletiva em que se transformou o fundamentalismo islâmico. Fico pensando como uma civilização milenar, herdeira de culturas admiráveis e irmã de outras tantas, pode ter degenerado tanto. Em vez de manter ou avançar o que têm, os fundamentalistas concentram-se cada vez mais em destruir o mundo ao seu redor.

No documentário Um Dia em Setembro, o diretor tenta mostrar o "outro lado" do atentado a atletas israelenses na Olimpíada de Munique, em 1972. Entrevista um dos terroristas do Setembro Negro, mostra o contexto político, social e econômico dos palestinos. Vemos uma favela, tão miserável, suja e indigna como as brasileiras. Vemos os palestinos que lá moram; aprendemos que, além da fome, dos pés descalços, da desolação, essas pessoas ainda por cima são expatriadas, exiladas. Crescem ouvindo que os responsáveis por sua situação são os israelenses. Crescem odiando o inimigo.

Se miséria e opressão sócio-econômica fossem causa de terrorismo, não sobrava nem prédio nem gente no Brasil. O tal "ódio ao inimigo" dos fundamentalistas tem muito pouco a ver com o impulso de melhorar de vida, sair da favela, construir, e muito a ver com vingança, rancor e destruição.

Os únicos feitos que esse grupo me traz à memória são assassinatos, seqüestros e explosões. Não deixo de pensar: "mas, afinal, além dessa desgraceira, o que é que eles querem?" Se eles conseguissem o que querem (se é que querem algo), não saberiam o que fazer com o fruto de sua conquista.

Terroristas-suicidas morrem pelo Islã e pela promessa (dizem) de vinte virgens no Céu. Seja pela fé pura ou pela fé interesseira, isso é psicose coletiva. Sabemos muito bem no que já deu loucura de massa. Não por acaso, seus exemplos - nazismo, fascismo, estalinismo - sempre precisaram de um depositário em quem encarnar o ódio. "O ódio crescia em mim... ódio dos responsáveis por aquela situação." Palavras de Hitler, sobre os judeus e a crise econômica da Alemanha. Mais fácil que encarar os baldes de dinheiro com os quais dava para comprar uma só salsicha era vomitar a raiva no bode expiatório.

Mas, se os povos do Oriente Médio (israelenses inclusive) dão mostra disso, não é fácil distinguir vítimas de vilões. Os americanos, "inimigos" de bin Laden, fizeram dele seu inimigo público preferido: Darth Vader, Lex Luthor, a encarnação do mal. Grupos islâmicos (não-fundamentalistas) nos EUA estão sofrendo manifestações de ódio e ameaças de agressão. Bush, o filho, prometeu: "I will hunt down and punish these folks". "Retaliation", repetiu: "retaliação".

Daí o incômodo que as pessoas sentem, apesar de parecer que o pior já passou: é o efeito-avalanche, violência sem fim. Muitos temem apenas o fantasma de uma guerra. Alguns, porém, se inquietam: não seremos iguais a eles?

Do pó viestes

Muitos já indicaram o impacto simbólico do ataque, que atingiu o centro político e o centro econômico da maior potência mundial - em tempos de capitalismo transnacional, poder político e poder econômico se confundem cada vez mais. Não sou fã da ordem econômica mundial nem do que as torres do World Trade Center representavam. Nem ao menos tinha apreciação especial por suas feições arquitetônicas. Mas devo dizer que o ataque ao denso centro de atividade nova-iorquino me abalou por ser também um ataque ao que Nova York representa - ao seu rico patrimônio cultural, intelectual, artístico, histórico, social (e, por que não, comercial). Uso a palavra patrimônio para evocar a conotação de "bem ao qual a humanidade tem direito".

De todo modo, não deixa de ser irônico que possamos aplicar ao triste fim dessas torres-símbolo do capitalismo a frase de Marx: "Tudo o que é sólido desmancha no ar". Só espero que, desta vez, a história não se repita - nem como farsa.


Daniela Sandler
Rochester, 12/9/2001

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