Um clássico argentino | Daniel Lopes | Digestivo Cultural

busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
>>> “Diversos Cervantes 2025”
>>> Francisco Morato ganha livro inédito com contos inspirados na cidade
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Calligaris, o fenômeno
>>> Aflições de um jovem escritor
>>> Noturno para os notívagos
>>> As garotas do Carlão
>>> Cuba e O Direito de Amar (3)
>>> Sempre procurei a harmonia
>>> Vamos pensar: duas coisas sobre home office
>>> Men in Black II
>>> Um álbum que eu queria ter feito
>>> Os Poetões e o Poetinha
Mais Recentes
>>> Aprendendo A Conviver - Ciências - 9º Ano de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> O Menino, O Dinheiro, E A Formigarra de Reinaldo Domingos pela Dsop (2011)
>>> The Painting Of Modern Life: Paris in the art of Manet and his flowers de T. J. Clark pela Thames & Hudson (1985)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 7º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 6º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora Do Brasil (2019)
>>> Exílio de Christina Baker Kline pela Tag/ Harper Collins (2023)
>>> Matematica E Realidade - 9 Ano de Gelson Iezzi E Osvaldo Dolce pela Atual (2021)
>>> Matemática Financeira E Suas Aplicações de Alexandre Assaf Neto pela Atlas - Grupo Gen (2016)
>>> Somos Todos Adultos Aqui de Emma Straub pela Harper Collins; Tag Experiências Literárias (2021)
>>> Bebel, A Gotinha Que Caiu Do Céu de Patrícia Engel Secco pela Melhoramentos (2012)
>>> Estudar Historia 8ºano de Patrícia Ramos Braick E Anna Barreto pela Moderna (2018)
>>> Cidadania e Justiça de Wanderley Guilherme dos Santos pela Campus (1979)
>>> Jó Romance de um homem simples de Joseph Roth pela Companhia Das Letras (2008)
>>> Comentários a um delírio militarista de Manuel Domingos Neto Org. pela Gabinete de Leitura (2022)
>>> Animais Marinhos de Ruth Wickings pela Ciranda Cultural (2000)
>>> Sem Logo de Klein pela Record (2002)
>>> Frestas de Trienal de Artes pela Sesc (2015)
>>> Entendendo Algoritmos: Um Guia Ilustrado Para Programadores E Outros Curiosos de Aditya Y. Bhargava pela Novatec (2021)
>>> 50 Histórias De Ninar de Vários Autores pela Girassol (2010)
>>> O Quinto Risco de Michael Lewis pela Intrinseca (2019)
>>> Como As Democracias Morrem de Steven Levitsky/ Daniel Ziblatt pela Zahar (2018)
>>> A Era das Revoluções: 1789-1848 de Eric J. Hobsbawn pela Paz e Terra (1977)
>>> O Último Restaurante De Paris de Elisa Nazarian pela Gutenberg (2023)
>>> Todo Amor Tem Segredos de Vitoria Moraes pela Intrinseca (2017)
>>> O Outro Lado Da Meia-noite de Sidney Sheldon pela Record (2009)
COLUNAS

Terça-feira, 13/5/2008
Um clássico argentino
Daniel Lopes
+ de 4400 Acessos

Como uma pequena história de amor e desamor, juventude esperançosa e vida adulta desiludida consegue fazer tanto sucesso? Porque Boquitas pintadas, de Manuel Puig, foi um sucesso, traduzido mais recentemente no Brasil pela José Olympio (Boquinhas pintadas, José Olympio, 2004, 238 págs.). Lançado em 1969 e levado ao cinema cinco anos depois pelo diretor Leopoldo Nilsson, catapultou a carreira de seu autor. Uma das razões para tal recepção, conforme já amplamente abordado pela crítica, é a forma do livro. No quesito vanguarda, o New York Review of Books colocou Puig junto a Flaubert e Joyce.

Minha relação com os romances de montagem mirabolante não é de muito sucesso. Para ficar com os brasileiros: adorei A febre amorosa (1984), de Eustáquio Gomes, mas apenas consegui acabar A festa (1976), de Ivan Angelo; e em Zero (1975), de Ignácio de Loyola Brandão, não passei nem da décima página, coitado de mim, o simples folhear das páginas ― cheias de esqueletos humanos, tópicos em negrito, adições e subtrações matemáticas, imagens geométricas, boxes de notícias, diálogos com pontuação no início da frase, onomatopéias em fontes berrantes... ― tudo isso e muito mais me deixou com pesadelos por pelo menos três noites.

No caso do romance do escritor argentino, há expedientes tais como cartas; descrição ultra-detalhada de álbuns de fotografia; trechos de agendas; ocorrências em um dia de vida dos personagens, com profusão de detalhes, incluídas marcações cronológicas; despachos burocráticos; fichas médicas; boletins de ocorrência policiais; confissões na igreja, onde espaços em tab fazem as vezes da fala do padre; seções de astrologia; orações; conversas telefônicas em seqüência; diálogos secos sem personagens identificadas, com a transcrição de seus pensamentos logo em seguida, o que muitas vezes contradiz o significado das falas; e muito fluxo de consciência, no melhor estilo joyceano. Ufa!

E a verdade é que, displicente, nem anotei todas as artimanhas de que lança mão Manuel Puig.

(Seu livro pode parecer anti-convencional, e é, mas perto de Zero é quase canônico. Enfim.)

Muitos desses recortes sofrem apenas ligeiras interrupções de uma voz narradora que, muitas vezes, vem em itálico e se contenta em passar informações protocolares, sem qualquer julgamento. Daí uma das observações mais feitas em relação às obras de Puig, principalmente as primeiras, ser de que quem escreve os livros são os personagens, e não o autor. Um exagero, que, por isso mesmo, esconde muito de verdade.

O romance começa em 1947. E começa pelo fim ― o que, a essas alturas do campeonato, nem é mais algo tão original assim. Uma revista mensal de Coronel Vallejos, povoado que dividirá nossa atenção com a capital Buenos Aires, informa da morte de Juan Carlos Etchepare, aos 29 anos, por problemas pulmonares. Sucessivas cartas de Nélida Fernandez de Massa, a Nené, chegam de Buenos Aires para dona Leonor, mãe do recém-falecido e moradora de Vallejos. Solicitam, as missivas, que Leonor encontre e devolva a correspondência que Nené enviara a Juan quando os dois eram mais próximos, ainda na pequena cidade.

A escrita dessas cartas de 1947 mostra uma Nené casada, mãe de dois filhos pequenos, com um marido bem sucedido nos negócios, e que freqüenta os melhores centros da capital argentina. Uma típica família de classe média alta. As linhas do narrador entre uma carta e outra são tão breves que poderia-se mesmo dizer que são inconvenientes, intromissões em vez de intervenções. Mas são utilíssimas. Mostram-nos uma Nené deixada sozinha em casa com os meninos, aos quais se refere como "animais", enquanto o marido anda por aí. Insatisfeita, enojada de uma vida que deveria ser o sonho de qualquer aspirante a bem-sucedida (aspirante que ela mesma fora nos tempos de vacas magras no interior do país), mas que mostrou-se uma sucessão de aborrecimentos a servir de alimento para a nostalgia, saudade de um tempo em que Juan Carlos, lá na pequena Vallejos, era tudo que ela queria.

Depois dessas cartas, a narrativa regride dez anos. De 1937 adiante, saberemos dos desenvolvimentos que levaram àquele final do início. Outros personagens entram em cena, sempre no povoado. Os principais são a professora María Mabel Sáenz, que divide seu coração entre Juan Carlos e um "jovem estancieiro de origem inglesa" e do agrado de sua família; o operário Francisco Catalino Páez; a ingênua doméstica Antonia Josefa, que terá um filho com Francisco; e, claro, o próprio Juan, agora mais que uma mera presença em nota de revista, e em torno do qual todos giram.

Com problemas de saúde, Juan teria que levar uma vida de restrições quanto a cigarros, bebida e mulheres, além de tratamentos médicos. Garoto festivo, de classe média, não leva a sério nenhuma das prescrições dos médicos, os quais, a propósito, visita com uma freqüência bem abaixo da recomendável. Diz ao amigo Francisco Páez que prefere viver pouco fazendo as coisas que lhe dão prazer do que viver muitos e infinitos dias insossos. Uma resolução corajosa do nosso herói, brioso de seus dotes e poder de sedução, talvez mesmo achando improvável morrer (ele!) de uma mísera doença pulmonar. Orgulhoso mesmo quando está numa casa de repouso para pacientes em estado grave. Mas a morte, que não tem nada com isso, como vimos o levou antes dos 30.

Ardiloso, Manuel Puig saca da manga um assassinato já no último terço do livro, quando o leitor já começava a pensar que a história andava em banho-maria para um fim previsível. Claro que não digo quem é o assassino ou a assassina. Mas e o assassinado ou assassinada, conto ou não? Não, não vou contar. Porque se eu contasse estaria livre para traçar mais algumas considerações sobre o interessante final, mas também estaria livre para ouvir dois ou três palavrões de quem não gosta de balde de água fria ― seu isso, seu aquilo!

Um panorama pelos personagens (os que restaram) no ano de 1968 é como acaba Boquitas pintadas. Cobrimos assim, bem ou mal, 30 anos na história desses argentinos e dessa Argentina cindida entre a província que sobrevive na memória e a cidade que retribui a esperança com ingratidão.

As repentinas e constantes mudanças de cena e de focos narrativos, a linguagem seca que produz imagens que mais parecem frutos de um instantâneo que de uma junção de orações, pra não falar do gosto que muitos dos personagens têm em ir ao cinema, nada disso é obra do acaso. Manuel Puig era um cinéfilo. Dizem que sua mãe lhe incutiu o hábito diário do cinema quando contava ainda quatro anos de idade. Há uma tradição arrogante que quer sempre culpar aquele que não consegue passar das primeiras páginas de um romance hermético pela leitura fracassada, e sempre isentar os escritores que escondem a incompetência na inteligibilidade. Há, há sim. Pode procurar no suplemento literário do seu gosto. Não com Manuel Puig. Fascinado com o poder de comunicabilidade dos filmes, ele viu nestes uma força que falta a muitos livros que não conseguem cativar o público. Portanto, mesmo se é um criador de primeira grandeza, Puig nunca se fecha na torre de marfim, nem a suas histórias.

Me resta um último parágrafo para escrever, e é para lembrar dos últimos anos de vida de Puig, intimamente ligados ao Brasil, mais precisamente ao Rio de Janeiro. Tendo na década de 70 os exemplares de Boquitas pintadas recolhidos pela censura argentina, o escritor deixa para sempre seu país e, depois de passagens por México e EUA, foi à capital carioca. Essa estadia de Puig no exílio ― ou seria melhor dizer nos exílios? ― marca sua produção restante, incluído aí o romance O beijo da mulher aranha (1976), outro clássico da literatura latino-americana, e Sangre de amor correspondido (1982) e Cae la noche tropical (1988), as duas escritas e ambientadas no Rio. Sangre... é visto por muitos críticos como seu mais ambicioso "experimento hiper-realista" (Graciela Speranza, que escreveu o prólogo para uma edição da Sudamericana), e Cae la noche..., um diálogo entre duas idosas argentinas nos trópicos, é o último livro de Manuel, que morreu em 1990, na Cidade do México.

Para ir além






Daniel Lopes
Teresina, 13/5/2008

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Your mother should know de Pilar Fazito
02. Sob as calmas águas do Lago Ness de Adriana Carvalho
03. O tempo das histórias de Domingos Pellegrini


Mais Daniel Lopes
Mais Acessadas de Daniel Lopes em 2008
01. Não gostar de Machado - 3/6/2008
02. Chris Hedges não acredita nos ateus - 1/7/2008
03. Neruda, oportunista fantasiado de santo - 18/3/2008
04. 20 anos de Trapo - 25/9/2008
05. Cenas de um país machista - 17/6/2008


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Que é Taylorismo
Margareth Rago; Eduardo F. P. Moreira
Brasiliense
(1984)



Contos de Aprendiz
Carlos Drummond de Andrade
Record
(1997)



Cartas Da Prisão 1969-1973
Frei Betto
Agir
(2008)



A Bruxinha Que Ficou Doentinha
Luiz Antonio Aguiar
Galerinha Record
(2013)



Bac Français 1ere L - 1999
Diversos Autores
Belin
(1998)



Segredos da Vida
Selma Rutzen (Compilação)
Eko
(2023)



Aventuras Do Marujo Verde
Gláucia Lemos
Atual
(2003)



Um Romance Antigo - 1ª Edição
Claudio de Souza
São Paulo
(1933)



Um Certo Suicídio
Patricia Highsmith
Best Seller



Vendas 3. 0 Compacta
Sandro Magaldi
Elsevier
(2013)





busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês