Um clássico argentino | Daniel Lopes | Digestivo Cultural

busca | avançada
49971 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Festival da Linguiça de Bragança celebra mais de 110 anos de seu principal produto, em setembro
>>> Rolê Cultural do CCBB celebra o Dia do Patrimônio com visitas mediadas sobre memória e cultura
>>> Transformação, propósito, fé e inteligência emocional
>>> Festival de Inverno de Bonito(MS), de 20 a 24 de agosto, completa 24 anos de festa!
>>> Bourbon Street Fest 20 Anos, de 24 a 31 de agosto, na casa, no Parque Villa Lobos e na rua
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Chegou a hora de pensar no pós-redes sociais
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
Colunistas
Últimos Posts
>>> Into the Void by Dirty Women
>>> André Marsiglia explica a Magnitsky
>>> Felca sobre 'adultização'
>>> Ted Chiang sobre LLMs e veganismo
>>> Glenn Greenwald sobre as sanções em curso
>>> Waack: Moraes abandona prudência
>>> Jakurski e Stuhlberger na XP (2025)
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
>>> 100 anos de Flannery O'Connor
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
Últimos Posts
>>> Jazz: música, política e liberdade
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Crônica: o novo jornalismo?
>>> Livros anarquistas em POA
>>> A lírica pedregosa de Mário Alex Rosa
>>> American women kick ass
>>> Como ser uma webcelebridade
>>> O enigma de Lindonéia
>>> O Processo do Sapo (Conclusão)
>>> O Google e o negócio da China
>>> Adolescentes e a publicação prematura
>>> A aquisição do Washington Post por Jeff Bezos
Mais Recentes
>>> Tantas Palavras de Chico Buarque pela Companhia Das Letras (2006)
>>> Carmen: Uma Biografia de Ruy Castro pela Companhia Das Letras (2005)
>>> Historia Do Samba, Uma: As Origens - Vol.1 de Lira Neto pela Companhia Das Letras (2017)
>>> História da Música No Brasil de Vasco Mariz pela Nova Fronteira (2005)
>>> Primavera Nos Dentes. A Historia Do Secos E Molhados de Miguel De Almeida pela Tres Estrelas (2019)
>>> Minhas Duas Estrelas: Uma Vida Com Meus Pais Dalva De Oliveira E Herivelto Martins de Pery Ribeiro pela Globo (2009)
>>> Nelson Sargento O samba da mais alta patente de André Diniz; Diogo Cunha pela Olho do tempo (2015)
>>> Técnica, Espaço, Tempo. Globalização E Meio Técnico-científico Informacional de Milton Santos pela Edusp (2008)
>>> O Poder da Autorresponsabilidade - tamanho bolso de Paulo Vieira pela Gente (2017)
>>> O Papel De Todos + 1 Livro de Brinde de Therezinha Malta pela Editora Do Brasil (2014)
>>> Você É Insubstituível - tamanho bolso de Augusto Cury pela Sextante (2002)
>>> Uma Ilha A Mil Milhas Daqui (Acompanha Suplemento De Atividades) de Jonas Ribeiro pela Editora Do Brasil (2014)
>>> Prabhupada Um Santo No Seculo XX de Satsvarupa Dasa Goswami pela The Bhaktivedanta Book Trust (2017)
>>> Cartilha De Alfabetização de Fernanda Soares Andrade pela Todolivro (2017)
>>> Crime E Castigo - tamanho bolso de Fiódor Dostoiévski pela Lpm Pocket (2011)
>>> Sombras Da Agua de Mia Couto pela Companhia Das Letras (2016)
>>> O Bebedor De Horizontes de Mia Couto pela Companhia Das Letras (2018)
>>> O Último Voo Do Flamingo de Mia Couto pela Companhia Das Letras (2005)
>>> Mulheres De Cinzas de Mia Couto pela Companhia Das Letras (2015)
>>> Vozes Anoitecidas de Mia Couto pela Companhia Das Letras (2013)
>>> O Ramayana de William Buck pela Cultrix (2017)
>>> O Retalho de Philippe Lançon pela Todavia (2020)
>>> Mao: A História Desconhecida de Jon Halliday/ Jung Chang pela Companhia Das Letras (2012)
>>> O Tambor de Gunter Grass pela Nova Fronteira (2017)
>>> O Súdito de Mann pela Mundaréu (2025)
COLUNAS

Terça-feira, 13/5/2008
Um clássico argentino
Daniel Lopes
+ de 4500 Acessos

Como uma pequena história de amor e desamor, juventude esperançosa e vida adulta desiludida consegue fazer tanto sucesso? Porque Boquitas pintadas, de Manuel Puig, foi um sucesso, traduzido mais recentemente no Brasil pela José Olympio (Boquinhas pintadas, José Olympio, 2004, 238 págs.). Lançado em 1969 e levado ao cinema cinco anos depois pelo diretor Leopoldo Nilsson, catapultou a carreira de seu autor. Uma das razões para tal recepção, conforme já amplamente abordado pela crítica, é a forma do livro. No quesito vanguarda, o New York Review of Books colocou Puig junto a Flaubert e Joyce.

Minha relação com os romances de montagem mirabolante não é de muito sucesso. Para ficar com os brasileiros: adorei A febre amorosa (1984), de Eustáquio Gomes, mas apenas consegui acabar A festa (1976), de Ivan Angelo; e em Zero (1975), de Ignácio de Loyola Brandão, não passei nem da décima página, coitado de mim, o simples folhear das páginas ― cheias de esqueletos humanos, tópicos em negrito, adições e subtrações matemáticas, imagens geométricas, boxes de notícias, diálogos com pontuação no início da frase, onomatopéias em fontes berrantes... ― tudo isso e muito mais me deixou com pesadelos por pelo menos três noites.

No caso do romance do escritor argentino, há expedientes tais como cartas; descrição ultra-detalhada de álbuns de fotografia; trechos de agendas; ocorrências em um dia de vida dos personagens, com profusão de detalhes, incluídas marcações cronológicas; despachos burocráticos; fichas médicas; boletins de ocorrência policiais; confissões na igreja, onde espaços em tab fazem as vezes da fala do padre; seções de astrologia; orações; conversas telefônicas em seqüência; diálogos secos sem personagens identificadas, com a transcrição de seus pensamentos logo em seguida, o que muitas vezes contradiz o significado das falas; e muito fluxo de consciência, no melhor estilo joyceano. Ufa!

E a verdade é que, displicente, nem anotei todas as artimanhas de que lança mão Manuel Puig.

(Seu livro pode parecer anti-convencional, e é, mas perto de Zero é quase canônico. Enfim.)

Muitos desses recortes sofrem apenas ligeiras interrupções de uma voz narradora que, muitas vezes, vem em itálico e se contenta em passar informações protocolares, sem qualquer julgamento. Daí uma das observações mais feitas em relação às obras de Puig, principalmente as primeiras, ser de que quem escreve os livros são os personagens, e não o autor. Um exagero, que, por isso mesmo, esconde muito de verdade.

O romance começa em 1947. E começa pelo fim ― o que, a essas alturas do campeonato, nem é mais algo tão original assim. Uma revista mensal de Coronel Vallejos, povoado que dividirá nossa atenção com a capital Buenos Aires, informa da morte de Juan Carlos Etchepare, aos 29 anos, por problemas pulmonares. Sucessivas cartas de Nélida Fernandez de Massa, a Nené, chegam de Buenos Aires para dona Leonor, mãe do recém-falecido e moradora de Vallejos. Solicitam, as missivas, que Leonor encontre e devolva a correspondência que Nené enviara a Juan quando os dois eram mais próximos, ainda na pequena cidade.

A escrita dessas cartas de 1947 mostra uma Nené casada, mãe de dois filhos pequenos, com um marido bem sucedido nos negócios, e que freqüenta os melhores centros da capital argentina. Uma típica família de classe média alta. As linhas do narrador entre uma carta e outra são tão breves que poderia-se mesmo dizer que são inconvenientes, intromissões em vez de intervenções. Mas são utilíssimas. Mostram-nos uma Nené deixada sozinha em casa com os meninos, aos quais se refere como "animais", enquanto o marido anda por aí. Insatisfeita, enojada de uma vida que deveria ser o sonho de qualquer aspirante a bem-sucedida (aspirante que ela mesma fora nos tempos de vacas magras no interior do país), mas que mostrou-se uma sucessão de aborrecimentos a servir de alimento para a nostalgia, saudade de um tempo em que Juan Carlos, lá na pequena Vallejos, era tudo que ela queria.

Depois dessas cartas, a narrativa regride dez anos. De 1937 adiante, saberemos dos desenvolvimentos que levaram àquele final do início. Outros personagens entram em cena, sempre no povoado. Os principais são a professora María Mabel Sáenz, que divide seu coração entre Juan Carlos e um "jovem estancieiro de origem inglesa" e do agrado de sua família; o operário Francisco Catalino Páez; a ingênua doméstica Antonia Josefa, que terá um filho com Francisco; e, claro, o próprio Juan, agora mais que uma mera presença em nota de revista, e em torno do qual todos giram.

Com problemas de saúde, Juan teria que levar uma vida de restrições quanto a cigarros, bebida e mulheres, além de tratamentos médicos. Garoto festivo, de classe média, não leva a sério nenhuma das prescrições dos médicos, os quais, a propósito, visita com uma freqüência bem abaixo da recomendável. Diz ao amigo Francisco Páez que prefere viver pouco fazendo as coisas que lhe dão prazer do que viver muitos e infinitos dias insossos. Uma resolução corajosa do nosso herói, brioso de seus dotes e poder de sedução, talvez mesmo achando improvável morrer (ele!) de uma mísera doença pulmonar. Orgulhoso mesmo quando está numa casa de repouso para pacientes em estado grave. Mas a morte, que não tem nada com isso, como vimos o levou antes dos 30.

Ardiloso, Manuel Puig saca da manga um assassinato já no último terço do livro, quando o leitor já começava a pensar que a história andava em banho-maria para um fim previsível. Claro que não digo quem é o assassino ou a assassina. Mas e o assassinado ou assassinada, conto ou não? Não, não vou contar. Porque se eu contasse estaria livre para traçar mais algumas considerações sobre o interessante final, mas também estaria livre para ouvir dois ou três palavrões de quem não gosta de balde de água fria ― seu isso, seu aquilo!

Um panorama pelos personagens (os que restaram) no ano de 1968 é como acaba Boquitas pintadas. Cobrimos assim, bem ou mal, 30 anos na história desses argentinos e dessa Argentina cindida entre a província que sobrevive na memória e a cidade que retribui a esperança com ingratidão.

As repentinas e constantes mudanças de cena e de focos narrativos, a linguagem seca que produz imagens que mais parecem frutos de um instantâneo que de uma junção de orações, pra não falar do gosto que muitos dos personagens têm em ir ao cinema, nada disso é obra do acaso. Manuel Puig era um cinéfilo. Dizem que sua mãe lhe incutiu o hábito diário do cinema quando contava ainda quatro anos de idade. Há uma tradição arrogante que quer sempre culpar aquele que não consegue passar das primeiras páginas de um romance hermético pela leitura fracassada, e sempre isentar os escritores que escondem a incompetência na inteligibilidade. Há, há sim. Pode procurar no suplemento literário do seu gosto. Não com Manuel Puig. Fascinado com o poder de comunicabilidade dos filmes, ele viu nestes uma força que falta a muitos livros que não conseguem cativar o público. Portanto, mesmo se é um criador de primeira grandeza, Puig nunca se fecha na torre de marfim, nem a suas histórias.

Me resta um último parágrafo para escrever, e é para lembrar dos últimos anos de vida de Puig, intimamente ligados ao Brasil, mais precisamente ao Rio de Janeiro. Tendo na década de 70 os exemplares de Boquitas pintadas recolhidos pela censura argentina, o escritor deixa para sempre seu país e, depois de passagens por México e EUA, foi à capital carioca. Essa estadia de Puig no exílio ― ou seria melhor dizer nos exílios? ― marca sua produção restante, incluído aí o romance O beijo da mulher aranha (1976), outro clássico da literatura latino-americana, e Sangre de amor correspondido (1982) e Cae la noche tropical (1988), as duas escritas e ambientadas no Rio. Sangre... é visto por muitos críticos como seu mais ambicioso "experimento hiper-realista" (Graciela Speranza, que escreveu o prólogo para uma edição da Sudamericana), e Cae la noche..., um diálogo entre duas idosas argentinas nos trópicos, é o último livro de Manuel, que morreu em 1990, na Cidade do México.

Para ir além






Daniel Lopes
Teresina, 13/5/2008

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Política e Cidadania no Sertão do Brasil (parte 1) de Diogo Salles
02. Obscura paisagem em peça de Mirisola e Oliveira de Jardel Dias Cavalcanti
03. Entre o Curtir e o Trollar de Noah Mera
04. Jornais do futuro? de Fabio Silvestre Cardoso
05. O silêncio de nosso tempo de Guilherme Diniz


Mais Daniel Lopes
Mais Acessadas de Daniel Lopes em 2008
01. Não gostar de Machado - 3/6/2008
02. Chris Hedges não acredita nos ateus - 1/7/2008
03. Neruda, oportunista fantasiado de santo - 18/3/2008
04. 20 anos de Trapo - 25/9/2008
05. Cenas de um país machista - 17/6/2008


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O 13º Trabalho de Hércules 423
Orígenes Lessa
Global
(2017)



Livro Sandman Estação das Brumas Capítulo Dois N.23
Neil Gaiman Colleen, Jones, Jones III
Dc Comics Vertigo



3 Gibis Chico Bento Moço Nº 01 Nº16 Nº71
Maurício De Sousa
Panini
(2013)



Dr Jekyll And Mr Hyde
Robert Louis Stevenson
Oxford
(2008)



Caos uma introdução
Nelson Fiedler Ferrara
Edgard Blucher



The Wonderland Collection
Lewis Carroll
Season
(2020)



Livro Esta Tudo Bem Seja Gentil Com Você Mesmo Quando As Coisas Não Dão Certo
Wendy O'Leary
Caminho Suave
(2023)



A Arte De Educar
Flávio Gikovate
Nova Didatica
(2001)



Oração na Simplicidade
Orlando Gambi
Salesiana
(1983)



Gropius- An Illustrated Biography
Reginald Isaacs
Bulfinch Press
(1991)





busca | avançada
49971 visitas/dia
2,1 milhões/mês