1998 ― 2008: Dez anos de charges | Diogo Salles | Digestivo Cultural

busca | avançada
56287 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> 'ENTRE NÓS' – 200 obras premiadas pelo IMS em Exposição no Paço Imperial, RJ
>>> 'Meus olhos', de João Cícero, estreia no Espaço Abu
>>> Aulas de skate é atração do Shopping Vila Olímpia para todas as idades
>>> Teatro Portátil fecha o ano de 2024 em Porto Ferreira
>>> Amor Punk de Onurb
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
Colunistas
Últimos Posts
>>> Jordi Savall e a Sétima de Beethoven
>>> Alfredo Soares, do G4
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
>>> O jovem Tallis Gomes (2014)
>>> A história do G4 Educação
>>> Mesa do Meio sobre o Primeiro Turno de 2024
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
Últimos Posts
>>> E-book: Estágios da Solidão: Um Guia Prático
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Peachbull de Maresias
>>> Quando Paris era uma festa
>>> Tribalistas e Zé Celso
>>> Eleições Americanas – fatos e versões
>>> O retalho, de Philippe Lançon
>>> Um nada, um estado de ânimo
>>> A Trilogia de Máximo Górki
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> O herói devolvido?
>>> YouTube e aberturas de novelas
Mais Recentes
>>> História da Menina Perdida - série napolitana volume 4 de Elena Ferrante pela Biblioteca Azul (2017)
>>> O Processo Didático 2ª edição. de Irene Mello Carvalho pela Fgv (1978)
>>> Guia Do Mochileiro Das Galáxias, O - Vol. 1 de Douglas Adams pela Sextante (2004)
>>> Ana Terra de Erico Verissimo pela Globo (2001)
>>> Sucesso Entre Aspas - Pensamentos Selecionados de Pagnoncelli Dernizo Vasconcellos Filho Paulo pela Sem editora (1992)
>>> P S Beijei de Adriana Falcão pela Salamandra (2024)
>>> Meishu-sama e o Johrei (coletânea Alicerce do Paraíso Volume 01) de Sama Meishu pela Mokti Okada (2002)
>>> Comédias da vida privada de Luiz Fernando Veríssimo pela Círculo do Livro (1998)
>>> O mulato de Aluísio Azevedo pela Klick (2024)
>>> Jaime Bunda - Agente Secreto de Pepetela pela Record (2003)
>>> Uma Orquestra De Minorias de Chigozie Obioma pela Globo Livros (2019)
>>> O Dom Da Historia: Uma Fabula Sobre O Que E Suficiente. de Clarissa Pinkola Estés pela Rocco (1998)
>>> Ressurreição de Liev Tolstoi pela Cosac & Naify (2010)
>>> Em Fogo Lento de Paula Hawkins pela Record (2021)
>>> Video Girl AI - Volume 1 ao 30 de Masakazu Katsura pela Jbc (2024)
>>> The Art Of Satire de Ralph E. Shikes/ Steven Heller pela Horizon Pr (1984)
>>> Neonomicon de Alan Moore/ Jacen Burrows pela Panini/ Avatar (2011)
>>> Milarepa de Eric-Emmanuel Schimitt pela Nova Fronteira (2003)
>>> As Tentações De Santo Antão de Gustave Flaubert pela Iluminuras (2004)
>>> Les Trottinou Déménagent de Cyndy Szekeres pela Deux Coqs Dor (1998)
>>> O Mito Nazista de Phillippe Lacoue-labarthe pela Iluminuras (2002)
>>> O Livro de Ouro da Mitologia Erótica de Shahrukh Husain pela Ediouro (2007)
>>> Viagem Ao Passado Mítico de Zecharia Sitchin pela Editora Madras (2015)
>>> Arzach de Móbius pela Nemo (2011)
>>> Les Trottinou Et Bébé Trot de Cyndy Szekeres pela Deux Coqs Dor (2009)
COLUNAS >>> Especial Melhores de 2008

Terça-feira, 23/12/2008
1998 ― 2008: Dez anos de charges
Diogo Salles
+ de 17700 Acessos
+ 2 Comentário(s)

A charge acima foi feita há dez anos, mas, nos dias de hoje, voltou a ficar atualíssima. Mesmo que o Digestivo não fale de futebol, esse foi o meu gancho para entrar nesse Especial Melhores de 2008. Quando foi anunciado, fiquei pensando sobre quais leituras, filmes ou discos eu poderia escrever. Certamente seriam muitos, mas lembrei-me de uma coisa que foi mais especial para mim: Dois mil e oito. Ao fazer o tradicional balanço anual, percebi que foi um ano fantástico. A exemplo do Julio, também fiz dez anos como profissional este ano. Porém, meu universo é outro. Sou cartunista e, como tal, gosto de tudo relacionado a desenho. Cartum, caricatura, ilustração, quadrinhos... Mas a minha paixão sempre foi a charge. E só agora consegui me estabelecer como um profissional que se sustenta essencialmente dela. Gosto de estar em contato diário com a notícia e com a sátira política.

Foi lá, no longínquo e lúgubre 1998, que eu tomei a decisão que mudaria a minha vida (e não importava o que eu teria de enfrentar para conseguir): queria ser chargista e trabalhar em jornal. Foi um ano crucial e, ao mesmo tempo, um ano de trevas ― um dos piores de que consigo me recordar. Eu sabia que o caminho era longo e cheguei a pensar que não conseguiria. Até agosto de 2007, eu fazia charges apenas quando encontrava tempo, entre um trabalho e outro. Procurava fazer pelo menos uma por semana, para não perder o ritmo. Às vezes eu ficava meses sem fazer charges, seja por necessidade ou por mera desilusão. Mas de um jeito ou de outro, eu sempre voltava a fazê-las. E fazia por gosto, por paixão (por dinheiro é que não era). Hoje faço, no mínimo, uma charge por dia. Muitas vezes faço duas; de vez em quando, três (teve um dia que cheguei a fazer cinco). Finalmente posso respirar charge todos os dias. É a minha prioridade. Os outros "frilas" podem esperar.

Há dez anos, naquele longo e tenebroso inverno que se anunciava, além do desenho, encontrei abrigo primeiro na leitura, mais tarde no humor e, finalmente, na escrita. As coisas foram se somando até que resultassem nesse subproduto que você vê (e lê) agora. Um Frankenstein desses remendos de vida. O completo vazio do "ensino superior" foi o estopim de tudo. A falta de direção na vida piorou ainda mais as coisas. Os primeiros efeitos colaterais começavam a se manifestar. Mas foi o desemprego que deixou sua marca em mim, com ferro em brasa. E logo se tornaria no meu calcanhar de Aquiles. O DESEMPREGO. Doíam-me os meus tímpanos só de ouvir essa palavra. Ter um emprego era como ultrapassar uma linha divisória, que eu via sempre muito distante de mim. Sem emprego, sem estágio, sem oportunidade. Devia ter algo de errado comigo, meu "deus" (aliás, deve ter sido aí que deixei de acreditar nele também). A solução era o mercado informal. Por anos, fiz parte desse gado que sempre povoou as estatísticas de desemprego do IBGE. E não me iludo. A qualquer momento posso voltar ao pasto e fazer parte do gado novamente. Só espero que demore um pouco mais.

Minha trajetória rumo ao anonimato foi bastante tortuosa. Não foi uma escada corporativa, onde se sobem os degraus (cargos) até chegar aos andares mais altos da escala hierárquica. Meu caminho foi errático, elíptico, acidentado, não seguiu um padrão nem roteiro definido. Além de buscar seu próprio traço e linguagem, o chargista precisa encontrar sua própria forma de fazer humor. Para isso, ele precisa mergulhar dentro de si e encontrar seu lado mais sádico, mas sem perder a graça. Certamente essas características são das mais deletérias para qualquer profissional em qualquer área. Para um chargista, porém, tornam-se qualidades, se ele souber usar essas características a seu favor, ou seja, desde que ele não as deixe ir além dos limites do papel onde ele desenha. O primeiro passo (o desemprego) já tinha sido dado, mas aonde mais eu poderia ir para encarar de frente o meu lado mais sombrio? Sim, o caminho estava na política.

Não, não me candidatei a deputado, nem vereador, nada disso. Embora a idéia de receber salário, empregar parentes e ainda não trabalhar parecesse tentadora, preferi não buscar essa vida. A política me salvou de outra forma. Foi através dela que entendi a minha existência no mundo, que entrei em contato com o lado mais vil do ser humano. Os políticos são o reflexo da sociedade ― e vice-versa, já que nós os escolhemos para nos governar. E foi ela, a política, que me fez olhar no espelho e me odiar, ter vergonha, ter raiva de mim mesmo.

Meu irmão mais novo vivia dizendo que a única coisa que eu sabia fazer direito era provocar as pessoas (ele, leia-se). Podia até ser mania de perseguição dele ― e era (irmãos mais novos são sempre "vítimas"). Mas numa coisa ele tinha razão: sou um provocador. Eu só não sabia escolher meus alvos direito. Levou algum tempo, mas consegui. Depois que comecei a votar, a ler e conhecer mais sobre política, tudo se resolveu. Ele nunca mais reclamou de mim.

Nada nesse mundo desperta tanto meus desejos cartunísticos quanto as ideologias. Sempre olhei de longe e vi muita hipocrisia e mentira em todos aqueles olhos esbugalhados e dedos em riste. Toda vez que vejo um ideólogo distribuindo panfletos, o sarcasmo começa a me latejar por todo o corpo. Sinto um desejo incontrolável de caricaturar ambos: ideologia e ideólogo (não necessariamente nessa ordem). Rasurar cartilhas e desmantelar "verdades" vendidas a granel nas quitandas ideológicas é quase uma obsessão para mim. Ah, tem também as ditaduras, que me dão asco. Sou tão contra as ditaduras que, mesmo se fosse eu o ditador, eu não me apoiaria. Credo. Só de me imaginar usando esses uniformes militares ridículos e baixando um AI-5 já dá vontade de fazer uma charge bem agressiva sobre isso.

É verdade que o trabalho de um chargista iniciante é sempre mais virulento do que o normal. É incontrolável. Fúria e paixão estão ali, em traços raivosos e mensagens cortantes, sem meios-tons. Vê-se a evolução de um chargista quando ele consegue transformar toda essa agressividade em ironia. Com o tempo, a raiva se desfaz em desprezo. É inerente ao jovem artista querer mostrar todas as suas armas de destruição em massa de uma só vez. Comigo também foi assim ― ainda está sendo, pois é um processo longo. Como já são dez anos, acredito que a parte mais furiosa da força já tenha passado. Ou não. Cabe a você julgar.

Porém, como um escriba ainda incipiente, percebo que meus textos sobre política ainda causam repugnância em muita gente. É compreensível. Em ano de eleições isso fica latente, pois as crenças políticas ficam mais escancaradas nas pessoas. Em época de eleições, todo mundo quer acreditar em alguma coisa, as esperanças precisam se renovar. É como agora, nessa época de Natal e Ano Novo, onde todos fazem votos, promessas e projeções para um futuro melhor (mesmo que, no fim, tudo fique na mesma). A política é assim também: movidas a sonhos e esperanças. Os candidatos, lógico, tiram o máximo proveito disso. Meu trabalho é fazer o contraponto a todo o aparato midiático-publicitário e destruir a aura messiânica construída em torno de cada candidato. E essas críticas precisam ter conteúdo. Minha obrigação é questionar os números, os dados, os "feitos" e "fatos" que eles vendem. Com isso, incomodo muita gente ― dos dois lados (ou mais, se existirem).

Num país onde ainda se acredita em salvadores da pátria, é preciso questionar. Pergunte a si mesmo: o que mudou na política de dez ou vinte anos para cá? A única diferença que vejo é que antes trocávamos seis por meia dúzia ― agora, com o inchamento da máquina estatal, trocamos doze por uma dúzia. O engraçado é que, em todas as rodas políticas de que participei, as reações ao meu voto nulo variavam entre a estranheza e a indignação.

Sou "do contra", dizem. Nada mais natural para um cartunista, acredito eu (estranho seria se todo mundo concordasse com tudo o que faço). Nunca gostei de desenhos bonitinhos e fofinhos. Até já tentei fazer uma ou outra charge "a favor". Odiei o resultado. Odiei tanto que fiquei contra mim mesmo. Percebi ali, na hora, o quão pernicioso pode ser o "humor a favor". Não é questão de ser contra tudo e contra todos. É apenas a inclinação para a contestação de valores supostamente estabelecidos e crenças pretensamente inalienáveis. Eis aí o segredo de todo bom chargista: buscar o contraditório sempre. A polêmica deve ser encarada apenas como conseqüência. Não se pode buscá-la gratuitamente. O próprio Julio, sempre que nos encontramos, me saúda com um sonoro "E aí, polêmico?!". Ele deve ter razão, vai saber (o LEM concordou com ele). Melhor não questionar, pois não seria muito inteligente da minha parte criar polêmica logo com o editor do site...

Christopher Hitchens, em seu livro Cartas a um jovem contestador, começa tergiversando por todos os rótulos possíveis para alguém imerso em polêmicas, como "dissidente", "iconoclasta", "rebelde" até outros menos charmosos como "radical", "revoltado" ou "metralhadora giratória". Mas a melhor definição (para mim, ao menos) está no próprio título. Prefiro me ver apenas como um contestador.

Outro dia, Eduardo Carvalho me perguntou como é passar o dia pensando em piadas para as charges. Na verdade ― respondi a ele ―, o chargista não pára tudo, senta e começa a pensar em piadas. Não é um mecanismo em que apertamos o "power" e as piadas começam a pipocar. Elas estão por toda a parte. É a maneira de se enxergar o mundo, sempre olhando pelo ângulo do escárnio, do deboche. Para explicar melhor, eu devia ter usado o exemplo do próprio Hitchens (que ele leu): "É algo que você é, e não algo que você faz". Acreditem: qualquer coisa pode virar charge.

Estes foram os meus primeiros dez anos (sinto como se fosse essa a minha idade biológica) e tenho grandes aspirações para os próximos dez. Não será voluntário (nem pessoal) da minha parte, mas sei que ainda vou incomodar muita gente. Principalmente políticos, ideólogos, "intelequituais" e militantes de plantão. Se você não se encaixar em nenhum desses exemplos e for adepto do pensamento próprio (sem cartilhas), vai se divertir bastante. Muitas vezes irá discordar de mim. Tudo bem. Discordar é bom. É a partir daí que se começa uma democracia. E sua crítica não só será muito bem vinda, como, desde já, a considero absolutamente necessária.


Diogo Salles
São Paulo, 23/12/2008

Mais Diogo Salles
Mais Acessadas de Diogo Salles em 2008
01. Solidariedade é ação social - 2/12/2008
02. 1998 ― 2008: Dez anos de charges - 23/12/2008
03. Caricaturas ao vivo - 8/7/2008
04. Preconceitos - 8/1/2008
05. Voto obrigatório, voto útil... voto nulo - 12/8/2008


Mais Especial Melhores de 2008
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
23/12/2008
10h52min
É isso aí, Diogo. Como diz aquela inscrição no barco Judéia do conto "Juventude: uma narrativa" de Conrad: Do or die.
[Leia outros Comentários de Vicente Escudero]
21/1/2009
20h58min
Diogão, mais uma vez o sentimento de testemunha ocular me vem à cabeça. A charge sobre o Vasco que ilustra sua coluna foi publicada na seção de cartas do "Lance", lembra? Abraços! PS: Para mim, a década 1998-2008 também é muito significativa.
[Leia outros Comentários de Luiz Augusto Lima]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Box - a Garota do Calendário (janeiro a Dezembro ) 12 Livros
Audrey Carlan
Verus
(2016)



Quem matou Palomino Molero?
Mario Vargas Llosa
Francisco Alves
(1986)



Machado de Assis
Machado de Assis
Quincas
(1998)



Direito Civil Família e Sucessões
José Roberto Neves Amorim
Manole
(2012)



Crianças a Bordo Como Viajar Com Seus Filhos sem Enlouquecer
Patricia Papp
Pulp
(2010)



Livro Vencer O Câncer De Próstata: Evitar Tratar Curar
Fernando Cotait Maluf
Dendrix
(2014)



Sr. Vogt 2 Volumes
Karl Marx
Iniciativas Editoriais
(1975)



Brasil - Os Difíceis Caminhos da Integridade
Nilton Freixinho
Kosmos
(1994)



Livro Literatura Estrangeira A Single Thread
Tracy Chevalier
Borough Press
(2019)



Vidas Secas
Graciliano Ramos
Record
(2017)





busca | avançada
56287 visitas/dia
1,7 milhão/mês