A verdade entre o professor e o rascunho | Vicente Escudero | Digestivo Cultural

busca | avançada
47486 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Comédia sobre barulho estreia em meio a reação de SP à poluição sonora
>>> Festival da Linguiça de Bragança celebra mais de 110 anos de seu principal produto, em setembro
>>> Rolê Cultural do CCBB celebra o Dia do Patrimônio com visitas mediadas sobre memória e cultura
>>> Transformação, propósito, fé e inteligência emocional
>>> Festival de Inverno de Bonito(MS), de 20 a 24 de agosto, completa 24 anos de festa!
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Ozzy Osbourne (1948-2025)
>>> Chegou a hora de pensar no pós-redes sociais
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Beraldo e D'Avila comentam Dino e a Magnitsky
>>> Into the Void by Dirty Women
>>> André Marsiglia explica a Magnitsky
>>> Felca sobre 'adultização'
>>> Ted Chiang sobre LLMs e veganismo
>>> Glenn Greenwald sobre as sanções em curso
>>> Waack: Moraes abandona prudência
>>> Jakurski e Stuhlberger na XP (2025)
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
>>> 100 anos de Flannery O'Connor
Últimos Posts
>>> Jazz: música, política e liberdade
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Entrevista com Spacca
>>> Charges e bastidores do Roda Viva
>>> A biblioteca de Rodrigo Gurgel
>>> O belo e o escalafobético
>>> Defesa dos Rótulos
>>> Da decepção diante do escritor
>>> Tapa na pantera e a casa do lago
>>> A Garota de Rosa-Shocking
>>> Ofício da Palavra (BH)
>>> Nerd oriented news
Mais Recentes
>>> Nêmesis (capa dura - box com livro, livreto e marcador de paginas) de Philip Roth pela Tag (2021)
>>> Cativos E Libertos (1º impressão) de Vera Lucia Marinzeck De Carvalho - Antonio Carlos pela Petit (2003)
>>> Incidente em Antares de Erico Verissimo pela Globo (1980)
>>> Operação cavalo de tróia 2 de J. J. Benítez pela Mercuryo (1988)
>>> O Poder Do Subconsciente (lacrado na embalagem plastica) de Joseph Murphy pela Best Seller
>>> A verdadeira historia que nunca foi contada sobre Tina turner de Ike Tuner pela Landscape (2004)
>>> Teorias da arte de Arnold Hauser pela Presença
>>> Minas de Sa San Francisco de Fernando Namora pela Bertrand (1981)
>>> O Olhar Renascente. Pintura E Experiencia Social de Michael Baxandall pela Paz E Terra (1991)
>>> O Trono Vazio - Volume 8 de Bernard Cornwell pela Record (2015)
>>> A Cor da ternura (12º edição - com suplemento de leitura) de Saritah Barboza - Geni Guimarães pela Ftd (1998)
>>> Contos De Grimm de Jacob Grimm pela Companhia Das Letrinhas (1996)
>>> English Vocabulary In Use de Michael Mccarthy, Felicity O'dell pela Cambridge University Press (1994)
>>> O Monstro Que Adorava Ler de Lili Chartrand pela Sm (2009)
>>> Ramses: O Templo De Milhoes De Anos de Christian Jacq pela Bertrand Brasil (2001)
>>> Nate Está Na Área de Lincoln Peirce pela Sextante (2014)
>>> Fundamentos da Lubrificação de Mobil pela Mobil (1979)
>>> The country diary of an edwardian lady de Edith Holden pela Willow Warbler (1977)
>>> Le Mani Della Vita de Gene Egidio pela Sperling (1997)
>>> Marcelo, marmelo, martelo e outras historias (14º edição) de Ruth Rocha pela Salamandra (1976)
>>> Todos Podem Profetizar de Reinhard Hirtler pela Ampliada e Revista (2015)
>>> Manual Da Ciência Popular de Waltércio Caldas Júnior pela Cosac Naify (1982)
>>> Harry Potter E A Câmara Secreta de J. K. Rowling pela Rocco (2000)
>>> Histoire De L'empire Stalinien de Jean-francois Soulet pela Lgf (2000)
>>> The concept of ideology de Jorge Larrain foreword by Tom Bottomore pela Hutchinson (1979)
COLUNAS

Quinta-feira, 13/8/2009
A verdade entre o professor e o rascunho
Vicente Escudero
+ de 4200 Acessos
+ 2 Comentário(s)


Sansão, discípulo aplicado, aguardando instruções

Cursos de criação literária são pequenos grupos de leitores que se unem para recriar um ambiente de discussão, em que os alunos tentam se equiparar ao professores já publicados, ou servem de instrumento de desenvolvimento da escrita, das técnicas de criação ficcional?

Possível redigir uma resposta convincente? A febre da criação dos cursos surgiu a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos, e espalhou-se pelo mundo afora, até mesmo em países com pouca tradição literária como as Filipinas e a Coréia do Sul. Baseados em currículos que buscam atrair os aspirantes a escritores pela criatividade, seja através de workshops ou cursos regulares com bacharelado, garantidores de que o aprimoramento técnico não significará a homogeneização da escrita, prometem formar escritores prontos para o beligerante mercado editorial. Na busca pelo aluno, os cursos incorporam os valores contrários ao academicismo da cadeira dura da faculdade e das pequenas jornadas pelo quadro negro: em vez de a arte ser desenvolvida do lado de fora dos portões das universidades, jovens escritores são chamados para agregar seus valores à técnica, numa conjunção entre o abstrato e o concreto, com a intervenção do professor, verdadeiro mediador e pastor dessa espécie desgarrada conhecida como autodidata. A fórmula é simples, complicado é garantir que a maçã cairá da árvore.

A exigência de padrões em nosso tempo de relações massificadas, contadas na casa dos seis dígitos, pode ter chegado ao ilimitado universo literário. Diante de modelos e ideias pré-concebidas, a sensível interpretação dos fatos cotidianos, aliada à literatura volumosa sobre as técnicas da escrita ficcional parece não atrair o escritor preguiçoso, disposto a gastar (e muito) com aulas que valeriam algumas compras num sebo, além de lápis, borracha e papel. E a leitura constante dos clássicos, principalmente dos escritores que se transformaram em modelos de criação, como Henry James e Dostoiévski. Não é óbvio?

E o sebo não precisa ser em outro país. Descrever aquilo que é ordinário, os acontecimentos do cotidiano, transformar a realidade em ficção deveria ser o primeiro exercício do aspirante a escritor; o segundo, reescrever a história, sem mudar a verdade, de todas as formas diferentes que conseguir. Se o mundo exterior não é interessante e as diferentes personalidades não forem captadas, desnecessária a técnica. A literatura está mais presente na praça, onde Tolstói escrevia enquanto observava os rostos das pessoas, do que na discussão sobre a autenticidade e confiabilidade do narrador em Memórias póstumas de Brás Cubas. John Gardner, autor de A arte da ficção, tem um entendimento interessante do que seria um curso de criação literária adequado. No prefácio do livro, em determinado momento, ele traça a diferença fundamental entre o escritor e o professor, uma verdadeira barreira que jamais deve ser cruzada para garantir a qualidade do curso:

"Os verdadeiros artistas, por mais que nos mostrem uma expressão sorridente, são pessoas obsessivas, acossadas ― se por algum tipo de mania ou alguma visão nobre e elevada, não é coisa que nos diga respeito no momento. Qualquer pessoa que tenha trabalhado como artista e como professor poderá dizer, penso eu, que age de maneira muito diversa nesses dois campos. Ninguém é mais cuidadoso, mais escrupulosamente honesto, mais devotado à sua visão pessoal do ideal do que um bom professor tentando escrever um livro sobre Gilgamesh. Redigirá até altas horas da noite, deixará de ir a festas, sentirá pontadas de culpa por passar tão pouco tempo com a família. Não obstante, seu trabalho não se compara ao de um artista, assim como o trabalho de um perito-contador de primeira linha não se compara com o de um atleta disputando um campeonato. O professor utiliza aquelas faculdades da mente mais acessíveis a todo mundo. Tem, por todos os lados, apoios, controles, dispositivos de segurança, regras de procedimento que o guiam e garantem. É um homem seguro de onde pisa e do lugar que ocupa no mundo. Ele condiz com caminhos ensolarados, pavilhões de prestigiosas universidades, dessas que têm as fachadas cobertas de hera. Com o artista não é assim. Nenhum estudo crítico, por brilhante que seja, tem a vitalidade de batalha psicológica que faz parte do clima de um romance. As qualidades que distinguem um verdadeiro artista ― quase as mesmas que fazem um verdadeiro atleta ― tornam imperativo que o aprendiz de escritor jamais seja impedido de trabalhar tão a sério quanto deseja. Nos cursos universitários, fazemos exercícios, teses, questionários, exames finais, que não se destinam a publicação. Podemos seguir um curso sobre Dostoiévski ou Poe da mesma forma como comparecemos a um coquetel relativamente animado, beliscando salgadinhos e fragmentos de conversação ― quando bons ― suportando o que é tedioso, e indo embora para casa quando for chegada a hora. A Arte, naqueles momentos em que ela se parece mais com Arte ― quando nos sentimos mais vivos, mais ativos, mais triunfantes ― assemelha-se menos a um coquetel do que a um tanque cheio de tubarões. Tudo é definitivo, e não apenas um exercício. (Robert Frost disse: 'Eu nunca escrevo exercícios, mas às vezes faço poemas malogrados e a esses então chamo de exercícios.') Um curso de criação literária deve ser como escrever de verdade. Tudo que se faz tem de ser, pelo menos, potencialmente, utilizável, publicável, definitivo. 'Uma vontade poderosa' ― disse Henry James ―, 'só isso se exige!'. Não se deve desencorajar ou minar essa vontade.

A autenticidade da literatura depende dos limites impostos pelo seu próprio autor, e a utilização de fórmulas prontas, dentro de um ambiente em que se reproduz apenas a técnica, sem contato com a realidade, pode levar a criação a se transformar numa réplica, e o autor numa espécie de máquina criadora de rascunhos mal-acabados, que são rasgados por uma máquina mais poderosa, o professor, detentora dos códigos secretos para classificação e determinação do papel de maior valor. O pagamento pela mordida na mão do provedor parece ser o maior prazer proporcionado por essa "máquina de fast-food", comparação feita pelo crítico e romancista inglês Malcolm Bradbury: "Como o hambúrguer ― um híbrido vulgar que, conhecida a sua origem, ninguém jamais o comeria".

Contudo, Bradbury, professor de Ian McEwan, criou o primeiro mestrado de escrita criativa na Inglaterra, em 1970, talvez pela convicção de que a escrita possa ser aprimorada depois do talento do escritor ter sido descoberto e colocado à prova. Num primeiro momento, a criação literária é incumbência exclusiva do escritor. Depois de testado e aprovado pela crítica, leitores ou pela teimosa perseverança de assistir ao lixo se encher de papéis, o escritor pode tentar aprender algo diferente desenvolvendo uma tese que será usada, provavelmente, para criação de outra tese e de outros professores de criação literária. O aluno na conclusão do mestrado pode desenvolver um método, analisar um romance, mas o resultado não será nada parecido com o de George Orwell quando escreveu Lutando na Espanha, enquanto tratava de assegurar a veracidade do título.

Só que a experiência solitária não produz nada literário; apenas, na melhor hipótese, jornalístico ou panfletário. O método de criação, mapa mais íntimo jamais descoberto de qualquer escritor, é um labirinto repleto de caminhos alternativos que só podem ser percorridos com os instrumentos de pesquisa corretos, com a bússola regulada, sempre apontando para o norte. A leitura constante dos clássicos e o exercício contínuo da escrita são terrenos a serem percorridos pela alma do escritor, ser abstrato que habita só os crédulos e dá movimento ao que é vivo. Se Cícero disse que um aposento sem livros é um corpo sem alma, o escritor com uma grande biblioteca em busca de uma fórmula talvez seja o aluno do curso de criação literária: ainda que tudo esteja pronto para ser descoberto, ele prefere preencher seu vazio com as palavras dos outros.


Vicente Escudero
São Paulo, 13/8/2009

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Expurgo, de Sofi Oksanen de Ricardo de Mattos
02. Os contos de degeneração de Irvine Welsh de Luiz Rebinski Junior
03. Entrando para ganhar de Celso A. Uequed Pitol
04. Romancis de Guga Schultze
05. Reação de Alexandre Soares Silva


Mais Vicente Escudero
Mais Acessadas de Vicente Escudero em 2009
01. Amor aos pedaços - 7/5/2009
02. O naufrágio é do escritor - 12/3/2009
03. E a lei cedeu diante dos costumes - 11/6/2009
04. 2008, o ano de Chigurh - 2/1/2009
05. Amantes, tranquila inconsciência - 8/10/2009


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
16/8/2009
19h38min
Que tema de difícil discussão! Em poucas palavras: do meu ponto de vista, um escritor deve ser um bom observador do mundo; possuir imaginação fértil e ler, isto é, enamorar-se, empreender-se, aprimorar-se, sempre! na arte de ler. abs do Sílvio Medeiros. Campinas, é inverno de 2009.
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
16/8/2009
19h46min
Ops, escapou, eu me esqueci! O autêntico escritor deve possuir pleno domínio da linguagem: literatura é laboratório da linguagem!
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




As Unidades Melódicas da Frase
Leodegário A. de Azevedo Filho
Ed. do Professor
(1964)



A Forma e a Fórmula-cultura Ideologia e Projeto
Elvan Silva
Isl
(1991)



All The Money In The World
Peter W. Bernstein / Annalyn Swan
Knopf
(2007)



Dicionário de Políticas Públicas - Volume 2
Carmem Lúcia Freitas de Castro
Eduemg
(2015)



Nos tempos de getúlio da revolução de 30 ao fim do Estado novo
Sonia de Deus Rodrigues Bercilo
Atual
(1990)



Cidades de Papel
John Green
Intrinseca
(2013)



Livro Literatura Estrangeira When Strangers Meet How People You Don't Know Can Transform You
Kio Stark
Simon & Schuster/ Ted
(2016)



Um Olhar a Mais
Antonio Quinet
Jorge Zahar
(2002)



Noções Práticas de Reumatologia - Volume 1
Caio Moreira / Marco Antonio P. Carvalho
Health
(1996)



Paisagem Ambiente - 13
Usp
Usp





busca | avançada
47486 visitas/dia
2,1 milhões/mês