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Quinta-feira, 25/2/2010
A natureza se reveste de ti
Elisa Andrade Buzzo
+ de 4700 Acessos


foto: Sissy Eiko

É pau, é pedra, é lata, é garrafa pet, são bagaços de laranjas rolando, cardume encantado de peixinhos dourados nadando rua abaixo, rio abaixo. Se não fosse imunda, essa água que beira entre o translúcido e o cinza correria a ladeira como um leito de rio desviado de sua natureza. E tudo vai para o escoadouro-mar, o piscinão do Pacaembu?

Ao lado do estádio, o bueiro vira chafariz, chamariz pra quem passa a toda de carro. Quando não espirra, a água escoa bonita pelo metal, e a tampa dança na melodia do fluxo. É tanto líquido que o subterrâneo regurgita pra não vomitar. Na minha rua, a violência das águas selvagens destroça sacos de lixo, rebenta com a tranquilidade do bairro classe média. Se nos dias comuns de sol e brisa ninguém olha pela janela, a chuvarada aguça a curiosidade adormecida pelo marasmo do embalo dos ônibus. Só mesmo a natureza em uma demonstração de força pra chamar a atenção num tempo em que tudo parece já ter sido visto. A tempestade é uma aberração benquista da segurança da sacada.

Eu ainda nem cheguei ao topo do morro e a chuva já começou. Calça clara, sandália rasteira, será sua hora derradeira. O guarda-chuva oferece uma proteção mínima. As pedrinhas brilhantes e duras da sarjeta seriam as do leito, redondinhas como as que meu avô me mostrou na secura do rio Paranapanema. Por isso eu desço a rua, empurrada pela enxurrada e cravejada por trovões, mas impávida se isso nada mais é do que andar na terra, e o que cai é apenas água benta.

Você se vê preso por todos os lados e encontra na rua pessoas assustadas como gatinhos ― a senhora está ilhada, tem medo de ser levada, vem, segura minha mão, titubeia mas percebe que não tem opção e juntas vencemos, atravessamos. O menino, solidário, me diz que lá para baixo está alagado. Seguro numa dessas lixeiras de rua para atravessar uma derradeira vez e sinto a água roçando meus dedos, adentrando nas fibras frágeis do linho. Água forte revestida de ferro e aço, como gato choramingo estar molhada por chorume e rato. Por que o asco se é água, apenas, se é água com restos da cidade produzidos por nós mesmos, pois não?

O paulistano tenta prever quando a chuva cai ― é fácil, ela cai na hora em que você estiver saindo para ir ao trabalho, e cai de novo na hora em que você estiver voltando para casa. O que Deus ou a Terra com sua água endemoniada querem mostrar aos paulistanos? Janeiro é mês de bombardeio. Foram muitas as semanas de chuva todos os dias ― a maior chuvarada dos últimos 75 anos, dizem os especialistas ―, essa só poderia ser uma provação divina para os moradores das áreas alagadas. Para outros, um motivo a mais de reclamação desse tempo louco. Quando fizer um sol de trinta graus, as chuvas serão invocadas na cadência dura do citadino.

Em uma dessas vezes em que o vento castiga as sombrinhas, os apaixonados vão dizer mui ridiculamente que a natureza compactua com sua dor: e por isso chora. Camões compartilharia deste amor ideal, surgido da altura e do nada, e caído como uma perdiz que perdeu as penas, pois nada voa para sempre. Castro Alves adoraria estar na chuva pra se molhar e voltar com uns versos langorosos de verão tropical. Vicente de Carvalho oscilaria entre o romântico e o parnasiano, uns pomos doirados e um amor galhardo. Os poetas de hoje se fazem de fortes, mas bem sabem que não há escapatória ― da chuva irrompem canivetes, farpas e ironia diluída, que é pra tentar não se machucar demais. Depois, ela vai embora como se nada tivesse acontecido, não é comigo, agora você que se vire com o que sobrou. O mormaço se encaregarrá da paisagem desolada. Dos cortes também.

Depois da enxurrada, à noite, quando os ônibus param de rolar ladeira abaixo, a natureza se faz ouvir na periferia do asfalto. À luz do arranha-céu ressoa riacho mínimo (a lua está em algum lugar), que desce tremelicando nos pedregulhos da sarjeta. Marinheiros felizes seríamos nos sonhos embalados nessa mansidão de ondas. Nada disso precisa ser visto, antes entendido, rente à cama. Fosse cristalina a nascente, a história seria um conto de fadas moderno com direito a príncipe e dragão emergindo da boca-de-lobo. Mas o aguaceiro jorra do cimo cimentado em direção ao abismo da Barra Funda, pequeno Tietê para embalar sonhos imperfeitos.

Melhor dormir sendo que, quando este texto for publicado, talvez a chuva já vai ter passado e ninguém mais irá se lembrar (pois a memória é fadada a esquecer a parte ruim das coisas, os traumas) das semanas em que choveram, todos os dias, dos píncaros enuviados, das lágrimas roladas.


Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 25/2/2010

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