|
COLUNAS
Quinta-feira,
28/2/2013
Educando as velhas gerações
Carla Ceres
+ de 5200 Acessos
Há alguns anos circula pela internet um texto humorístico um tanto quanto cruel sobre a velhice feminina com conselhos do tipo "Coma menos, beba menos e fale menos. Velhas magras, sóbrias e contemplativas são menos doentes e chatas". Em pequenas doses, as vinte e poucas recomendações parecem uma forma irreverente de dar bons conselhos. Porém, com o acúmulo de observações depreciativas, a piada perde muito da graça. Ainda assim, o texto faz sucesso entre pessoas da terceira idade, que costumam enviá-lo por e-mail a amigos, parentes e inimigas veladas. Encontra-se também em vários sites e blogs, em geral, acompanhado de uma nota de apreço.
"Cuidado com a maquiagem. Já notou que velhas vão ficando parecidas com velhos e ambos com travestis? Maquiagem pesada só serve para reforçar a personagem". Talvez nossos idosos tenham uma autoestima invulnerável podendo receber, à queima roupa, um conselho como esse e sair rindo sem uma pitada de revolta ou mágoa. O mais provável, no entanto, é que tenham preconceito contra si mesmos e acabem por vestir a carapuça que o texto lhes atira, adotando uma caricatura da velhice como autoimagem. Apontar os próprios defeitos e rir de si mesmo antes que outros o façam é uma estratégia antiga. Serve para antecipar e enfraquecer um possível ataque. Mas será que os idosos brasileiros têm motivo para se sentir ameaçados? Infelizmente, sim.
A terceira idade ativa, festiva, namoradeira e passeante é novidade por aqui. Nosso modelo de "bom idoso" ainda é o vovozinho semi-inválido e caseiro que morria antes de dar muito trabalho ou a vovó-babá mais infantil que os netos. Não temos a tradição oriental de reverenciar a idade avançada como fonte de sabedoria. Modelos de velhos intelectuais, como a Dona Benta, do Sítio do Pica-Pau-Amarelo, até existem em nossos livros e são valorizados no mundo real, mas são minoria. Respeitamos o conhecimento acadêmico mesmo quando defasado e negamos valor à experiência de vida. Aqui, velho que não é doutor é mais bobo que criança e tem o direito de permanecer calado para não incomodar.
O Estatuto do Idoso afirma que "o envelhecimento é um direito personalíssimo". Acontece que, se fosse possível não exercer esse direito sem morrer, a humanidade preferiria. O Brasil trata mal seus velhos. Por isto criamos uma lei que afirma: "Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido". A lei é necessária porque os atentados ocorrem diariamente.
É bom saber que podemos processar os agressores. Melhor seria poder reduzir a probabilidade de essas agressões acontecerem. Todos os pais sabem que quem fizer mal a uma criança pode acabar preso. Nem por isso deixam de ensinar aos filhos estratégias de defesa. Os tradicionais "Não fale com estranhos" e "Comporte-se!" já salvaram muitas crianças não apenas de sequestro e morte, mas também de serem maltratadas por mau comportamento. Verdade seja dita: alguns idosos, na ânsia de parecer jovens, por desejo de autoafirmação ou por pura falta de educação mesmo, comportam-se de modo deplorável, atraindo a antipatia, a má vontade e até a hostilidade das pessoas com quem convivem. Antigamente isso não era um grande problema porque os velhos saíam pouco e cada família aturava seus tiranos ranzinzas. Hoje os idosos viajam e encontram pessoas que não lhes devem obrigações nem foram condicionadas a obedecê-los.
A lei também diz que "os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice" e que "o idoso tem direito a educação, cultura, esporte, lazer, diversões"... Um velho grosseiro, sem dúvida, precisa de ajuda. Portanto, os filhos deveriam ter também o bom senso de pelo menos tentar educar os pais idosos no tocante à civilidade, à delicadeza e à cortesia antes de deixá-los à vontade pelo mundo real ou virtual.
Parece estranho que um filho possa educar quem o criou, mas somente se você entender o mundo como algo estático. Hoje vivemos aglomerados em cidades, temos pouco tempo e muito estresse. Até as formas de exercer autoridade e de se comunicar mudaram. Pessoas que gritam, dão ordens como senhores de escravos e tomam o tempo de quem está trabalhando eram aceitáveis antigamente, quando gritos eram necessários para falar com quem estava do outro lado do pasto e o tempo corria mais devagar. Qualquer adulto sensato sabe que essas atitudes são pura falta de educação nos dias de hoje e deve convencer seus pais disso. Se não conseguir, a vida ensina.
Nota do Editor
Carla Ceres mantém o blog Algo além dos Livros. http://carlaceres.blogspot.com/
Carla Ceres
Piracicaba,
28/2/2013
Quem leu este, também leu esse(s):
01.
A falta de paciência com o cinema II - O retorno de Marcelo Miranda
02.
Sobre o gênio que é Harold Pinter de Guilherme Conte
03.
Minha formatura de Eduardo Carvalho
04.
Colunismo em 2004 de Julio Daio Borges
05.
Sambas da Joyce de Adriana Baggio
Mais Acessadas de Carla Ceres
em 2013
01.
Histórias de gatos - 4/4/2013
02.
Um livro canibal - 9/5/2013
03.
Em busca de cristãos e especiarias - 7/11/2013
04.
Autodidatas e os copistas da vez - 7/2/2013
05.
Brasileiros aprendendo em inglês - 17/1/2013
* esta seção é livre, não refletindo
necessariamente a opinião do site
|
|
|
|