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COLUNAS
Sexta-feira,
13/12/2013
Anzol de pescar infernos, de Ana Elisa Ribeiro
Wellington Machado
+ de 6200 Acessos
É sempre difícil lidar com o que nos foge ao previsível. Tendemos a ignorar ou não calcular as coincidências e as intempéries, o outro lado da moeda. Insistimos em não aceitar que, como as nossas digitais, somos únicos. É um erro trilhar caminhos baseados em exemplos bem-sucedidos que se apresentam à nossa curta visão. No caso das relações afetivas, por exemplo, presenciamos vários casos em nosso meio de relações que duram anos; outras, se arrefecem em meses. Dois aspectos têm de coincidir nessa equação: achar um par ideal e construir com ele uma relação duradoura. Certamente não há nada muito previsível nessa busca.
Eu não tenho alma de corrimão / Eu sou mais do elo, da liga e do laço. O axioma íntimo é a tônica do mais recente livro de poemas Anzol de pescar infernos (Ed. Patuá), de Ana Elisa Ribeiro. A busca incessante desses "elo/liga/laço" a que se refere a autora diz respeito, em grande parte, às relações afetivas e suas implicações - humanamente complexas, como sabemos. AnaE (espécie de ideograma carinhosamente cunhado por Joca Reiners Terron, na apresentação do livro) não romantiza. Ela encara essa busca como uma viagem de Ulisses, mas sem dar muita chance à longa espera de Penélope.
A reflexão acerca das relações afetivas é tema constante nas obras de Ana Elisa (Poesinha [1997], Perversa [2002] e Fresta por onde olhar [2008]). Encontros e desencontros, decepções, promessas não concretizadas, acasos que viraram casos. Um possível amor intenso impossibilitado pela incoincidência de interstícios: o momento em que um estava disponível, o outro estava comprometido, e vice-versa (Se chego antes / te pego com respeitos demais / se chego atrasada / te pego casado e pai). As experiências narradas em Anzol..., sejam elas autobiográficas ou externas, dizem respeito a todos nós.
Ao contrário do que muitos possam pensar, não é demérito algum alicerçar uma obra poética na análise dos relacionamentos humanos - mesmo em tempos de extrema fartura de informações. Escrever, refletir poeticamente sobre afetividade é, ao contrário, um ato de coragem. Em Anzol..., AnaE vale-se de um discurso desvelado, sem rodeios e certeiro, surpreendendo o leitor ao desvendar-lhe uma realidade tão próxima e evidente, mas muitas vezes autoneglicenciada. A tentativa de entender e lidar com as idiossincrasias - próprias ou alheias - que determinam o sucesso ou a falibilidade de uma relação, é uma busca que gravita a temática dos poemas - toda a obra da poeta parece estar marcada por essa procura.
A ideia de que tudo já está posto, que os parceiros já se conhecem de forma dissecada é uma falácia. A iminência daquele momento culminante do "vamos discutir a relação" é um fantasma incômodo e atemporal que assombra a todos. Muda o mundo, mudam as relações. À contemporaneidade não caberia uma reflexão sobre a tensão entre a descartabilidade do outro e a tentativa de estabelecer um elo/liga/laço, a que se refere Ana Elisa?
O pensamento acerca da união entre pessoas é secular. No diálogo platônico O Banquete, o tema é discutido na roda de filósofos beberrões. Cabe a Aristófanes discursar sobre a origem do amor e do casamento. Segundo a história narrada pelo filósofo, não havia antes a divisão masculino-feminino, cada um possuía ambos os sexos. Marido e mulher constituíam um único ser, perfeito e harmônico. Diante dessa perfeição, eles eram tão "cheios de si", tão autossuficientes que o poder subiu-lhes à cabeça e eles se rebelaram contra os deuses. Como punição, Júpiter separou-os, criando então dois seres imperfeitos. Como mantiveram a lembrança de quando eram perfeitos, eles vivem tentando se unir novamente. Mas muitas vezes não ocorre a coincidência das suas imperfeições, motivo pelo qual procuramos avidamente a nossa metade ideal - com os sucessos e decepções que conhecemos bem. Eis a origem dos nossos infortúnios.
A obra de Ana Elisa Ribeiro aborda justamente esse conflito. Mas não de forma doutrinária. Pelo contrário, a escritora apresenta um antimanual, convidando-nos à reflexão, ante a complexidade e ambivalência das nossas relações afetivas, na nossa busca do outro.
No caso de Anzol de pescar infernos, os poemas estão distribuídos de forma assistemática. (...) é meio assim como soltar um buquê de balões de hélio no ar, avisa AnaE na apresentação do livro, deixando ao bel sabor dos leitores a tarefa da experimentação estética. Analogamente, é como iniciar um jogo de varetas, lançando-as num movimento como se jogássemos milho às galinhas. Mas não falo dessas varetas sintéticas, modernas, de plástico, flexíveis; refiro-me àquelas varetas antigas, de madeira, que desbotavam com o manuseio ou se molhadas. Varetas que se quebravam com facilidade e sobre cujas lascas aplicávamos fita adesiva, toscamente. Em Anzol..., o campo das afetividades está repleto de varetas desbotadas e coloridas. Apesar da assimetria na distribuição dos poemas, calhou de as desbotadas ficarem mais na primeira parte do livro; as coloridas, na segunda, como uma calda de chocolate, finalizando uma taça de sorvete.
No campo das varetas desbotadas, estão alguns abismos, desencantos (Tão ruins quanto as promessas / são as esperas), reflexões sobre o amor ([...] essa coisa tosca e desafinada); relações que se foram por um átimo; um acerto de contas com personagens sem caráter, que fissuram nossas vidas com hiatos incorrigíveis; ruminações indigestas (por onde anda aquela sua lima de alisar meninas?). Tudo isso é colocado por Ana Elisa em seus devidos escaninhos, sem rancor, mas com um certo deboche. Mas, na segunda parte de Anzol..., encontramos algumas varetas coloridas, frestas possíveis (temperatura e meu eixo / na medida do seu beijo), metáforas cirúrgicas (assina aqui nestas linhas da minha mão..), contingências felizes; jardins cujas flores se renovam, por que não, em flores melhores (Só porque eu já tinha desistido me aparece - sem alarde - um amor de olho verde).
Mas o tema da afetividade não é o único pilar em Anzol.... Esse jogo de varetas é muito mais diverso e colorido. Alguns poemas são dedicados ao(s) filho(s), à condição existencial de (ser) mãe, sobre a dificuldade em criá-los. Desde que engravidei / venho planejando não ter mais filhos / Porque filhos dão trabalho e são caros (...) são herdeiros de quê? (...) são uma sina e uma saga - afirma AnaE. O poema é corajoso. Alguém escreveria de forma tão escancarada sobre as dificuldades em se criar um filho, ciente de que este lerá o tal poema futuramente sem assumir uma nesga de culpa? A realidade é o que é. Sim, filhos dão trabalho, cansam, nos envelhecem mais, nos sugam tudo. Admitir isto não é desamor.
Assim como nas crônicas, há também alguns poemas de Ana Elisa cuja matéria-prima é a memória. Um retorno no tempo com análise das consequências atuais. Acontecimentos do passado determinantes à formação da sua personalidade. A influência da criação familiar, o contato com os amigos, a escola. No poema memorialístico "A tree I", a poeta faz uma analogia de um sonho plantado juntamente com uma árvore, em sua infância. Alguma coisa prevista no passado não se concretizou no presente, com o crescimento concomitante da árvore e da poeta. Em poucas linhas, uma história de anos é narrada envolvendo o pai, esperanças, decepções, perdas, como se a simples existência fosse responsável por alguma frustração.
Anzol de pescar infernos é contemporâneo, antenado com a velocidade do nosso tempo. O livro pode ser lido rapidamente, de uma vez. Alguns poemas saltam das páginas como borboletas pequenas e ligeiras. Mas a aparente simplicidade e concisão dos poemas não merece uma leitura afoita, pois a maioria deles não fecha um ciclo em si, eles transcendem no leitor, convidando-o a aliar imaginação e memória, criando suas próprias divagações. Mulher que grita quando goza, escreve Ana Elisa, só finge mais alto que as outras. Um poema curtíssimo como este não pode ser lido em vão, passando logo à página seguinte. Há varias questões sublineares nessas poucas palavras. Há ali uma sutil competitividade, ferina e felina entre mulheres; uma certa manipulação orgástica; e um joguete com a onipotência masculina.
Parte desse colorido das varetas nos poemas de AnaE vem de uma peculiaridade presente em toda a sua obra: o uso assistemático e aleatório de rimas, salpicadas em seus versos. A tarefa, como sabemos, é hercúlea. A opção de pulverizar rimas nos poemas torna a carpintaria, a procura da palavra exata um trabalho árduo, devido à incessante busca da confluência entre significado e sonoridade na distribuição dos versos. Nunca é demais lembrar Drummond, no poema "Procura da poesia": Chega mais perto e contempla as palavras / Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra. As rimas, da forma como são dispostas em Anzol..., cumprem a função de embalar o leitor durante a leitura. Elas dão aos poemas um colorido de matizes distintos, uma comicidade sutil; movimentos cíclicos e/ou elípticos, um ritmo de maria-fumaça mineira. Ao usar rimas, ainda que despretensiosas, Ana Elisa desfigura a dicotomia entre o contemporâneo e a tradição poética, ligando as duas vertentes como se usasse um longo fio de cabelo, quase invisível. Tal opção dá um verniz leminskiano à sua obra.
É comum o leitor atento e sensível, durante a leitura não só de Anzol..., mas de qualquer obra de ficção, ser acometido de reações das mais diversas: arrepio, melancolia, alegria, sublimação. Ana Elisa incute em alguns poemas um artifício poético incomum: surpreender o leitor revertendo a sua expectativa - geralmente no final dos poemas. A poeta dá um drible na lógica do leitor. Quando o leitor anseia por um desfecho cândido, redentor, a poeta lhe dá uma pancada. Tal artimanha provoca um susto, muitas vezes um riso involuntário proveniente do estômago, um engolfo de ar com ironia rara.
Wellington Machado
Belo Horizonte,
13/12/2013
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