COLUNAS
Terça-feira,
17/11/2015
Canadá, de Richard Ford
Celso A. Uequed Pitol
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Richard Ford é um dos mais celebrados romancistas norte-americanos da atualidade. Nascido no Mississipi, em 1944, um dos estados mais pobres do país, corroído pela violenta história de discriminação racial , Ford não tem - ao contrário de outros filhos da região - maior interesse pelo que se chama de "temática sulista" na literatura: ao descrever os anos de infância e juventude no local onde nasceu, ele nos fala de um lugar "carola, preconceituoso e provinciano". E completa: "Quando chegou a hora em que pude sair de lá, eu saí". E saiu. Foi um adeus para sempre.
Longe dos pântanos, das fazendas e dos preconceitos de sua terra natal, Ford tornou-se escritor. Publicou oito romances, dos quais se destacam a tetralogia "O cronista esportivo", "Independência", "O sal da terra" e "Let Me Be Frank with You" (ainda sem edição nacional), série protagonizada pelo seu personagem mais conhecido, Frank Bascombe, um ex-jornalista que trabalha com venda de imóveis em Nova Jersey. Em 2012, foi publicado "Canadá", que agora chega às livrarias brasileiras pela editora Estação Liberdade.
A narrativa é conduzida por Dell Parsons, professor universitário que, já sexagenário, conta a história da derrocada de sua família a partir do momento em que seus pais resolvem roubar um banco. As primeiras linhas do romance já nos deixam a par deste momento decisivo: "Para começar, vou contar o assalto que meus pais cometeram. Em seguida, os assassinatos que aconteceram mais tarde. O assalto é a parte mais importante, já que serviu para mudar o rumo da minha vida e o da minha irmã. Nada faria sentido, se eu não o contasse desde o início".
O pai de Dell, Bev Parsons, é um ex-militar da Força Aérea, um sulista branco, alegre, bem disposto e positivo, filho de comerciantes de madeira; sua mãe, Neeva, amante da leitura e da escrita, solitária e pouco comunicativa, vem de uma família de imigrantes judeus askhenazi que não aprovou o seu casamento com um "Wasp" do Alabama. Mas Bev não é um típíco redneck da região: deplora o racismo, os preconceitos locais e gosta de se ver como um sujeito com opiniões "modernas" (a expressão é de Dell) e mente arejada. Um sulista não tão sulista assim.
Essa diferença de personalidade entre os dois, somada às dificuldades financeiras, engendra uma relação familiar extremamente frágil e delicada, prestes a ser atingida por qualquer distúrbio. E a vida de Dell e de sua família é marcada sobretudo pela fragilidade e pela transitoriedade: mudam constantemente de cidade graças ao emprego do pai, pouco interagem com as populações locais, a mãe sente-se totalmente apartada e prefere dedicar-se ao seu diário, Dell e sua irmã não fazem amigos - é, em suma, uma vida solitária e sem raízes.
Dell tem 15 anos quando seus pais são presos. Sem lugar para onde ir, acaba por emigrar ao Canadá pela mão de uma amiga da família. A chegada ao vizinho nortenho é simbólica: "Ele pisou fundo e mergulhávamos na escuridão. Era no Canadá que me encontrava agora". As vastidões geladas da planície canadense abrem caminho para a entrada de Parsons na idade adulta. E é um caminho difícil. Diante da fragilidade, de todas as mudanças, de toda a transitoriedade e falta de referências, destaca-se a voz inquiridora de Parsons, que tenta racionalizar e buscar sentido para o caminho tortuoso que tem de trilhar.
* * * *
"O mundo em geral não pensa que os assaltantes de banco podem ter filhos - embora um bocado deles os tenha. Mas a história dos filhos - que é a minha e da minha irmã - cabe a nós ponderar, partilhar e julgar tal como a vemos. Anos depois, na faculdade, li que o grande crítico Ruskin escreveu que a composição é a harmonia de coisas desiguais. Isso significa que cabe ao compositor determinar o que é igual a quê, o que é mais importante e o que pode ser posto de lado para deixar passar o fluxo avassalador da vida "
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
17/11/2015
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