Um Cântico para Rimbaud, de Lúcia Bettencourt | Jardel Dias Cavalcanti | Digestivo Cultural

busca | avançada
78788 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Festival exibe curtas-metragens online com acesso livre
>>> Lançamento do thriller psicológico “ A Oitava Garota ”, de Willian Bezerra
>>> Maurício Einhorn celebra os 45 anos do seu primeiro álbum com show no Blue Note Rio, em Copacabana
>>> Vera Holtz abre programação de julho do Teatro Nova Iguaçu Petrobras com a premiada peça “Ficções”
>>> “As Artimanhas de Molière” volta aos palcos na Cidade das Artes (RJ)
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> O século de Sabato
>>> O elogio da ignorância
>>> Elon Musk
>>> Carandiru, do livro para as telas do cinema
>>> Homens, cães e livros
>>> Literatura pop: um gênero que não existe
>>> Oxigênio, com Ana Paula Sousa
>>> A bunda do Gerald Thomas
>>> Roteiro de um ano
Mais Recentes
>>> Monstros Mitológicos de Luiz Antonio Aguiar pela Quinteto (2007)
>>> O Amigo Do Vento - Crônicas de Heloisa Seixas pela Moderna (2015)
>>> Os sonhos e a morte - uma interpretação Junguiana de Marie-Louise Von Franz pela Cultrix (1990)
>>> A Vida Oculta De Gaia - A Inteligência Invisivel Da Terra de Brenda Rosen - Shirley Nicholson pela Gaia (1998)
>>> Desenvolvimento Sustentavel o desafio do seculo XXI (lacrado no plastico) de Jose Eli Da Veiga pela Garamond
>>> Contos De Andersen (2º edição - Coleção Leitura) de Hans Christian Andersen pela Paz e Terra (2005)
>>> Admiravel mundo novo (9º edição - capa dura) de Aldous Huxley pela Circulo do Livro (1982)
>>> O Misterio Da Ilha (17º impressão - com suplemento de leitura) de Ana Maria Machado pela Ática (2019)
>>> O Misterio Da Ilha (com suplemento de leitura) de Ana Maria Machado pela Ática (2019)
>>> Poderes ou o livro que diviniza de Jorge Adoum (Mago Jefa) pela Pensamento (1985)
>>> O Remédio Maravilhoso De Jorge de Roald Dahl pela 34 (2009)
>>> Araribá Plus Português - 8º Ano de Monica Franco jacintho pela Moderna (2018)
>>> Ventana 3 - Libro Del Alumno de Izaura Valverde pela Santillana (2021)
>>> Livro da Família - a Importância da Família na Formação do Leitor de Equipe Ftd pela Ftd (2018)
>>> Gestão De Relacionamento E Comportamento de Bill Rogers pela Artmed (2008)
>>> Curso e Concurso: Direito Notarial e Registral de Edilson Mougenot Bonfim (coord.) pela Saraiva (2011)
>>> Roma (II) de Vários Autores pela Time Maps (2018)
>>> Contos De Grimm - Volume 3 de Ana Maria Machado pela Salamandra (2013)
>>> O Antigo Egito e as Primeiras Civilizações de Vários Autores pela Time Maps (2016)
>>> Estudo e Prática de Assistência Espiritual de Maria de Cássia Anselmo pela Feesp (2012)
>>> Politicamente Incorreto de Danilo Gentili pela Panda Books (2010)
>>> Código De Obras E Edificações Do Município De São Paulo de Manoel H. Campos Botelho + Sylvio Alves de Freitas pela Pini (2008)
>>> Estudo e Prática de Assistência Espiritual de Maria de Cássia Anselmo pela Feesp (2014)
>>> Revisão Judicial: do Valor dos Benefícios Previdenciários de Adriano Almeida Figueira pela Impetus (2008)
>>> Economia Brasileira: História, Conceitos e Atualidades de José Cláudio Securato pela Saint Paul (2011)
COLUNAS

Terça-feira, 21/2/2017
Um Cântico para Rimbaud, de Lúcia Bettencourt
Jardel Dias Cavalcanti
+ de 4900 Acessos



Eu levei um ano e meio para ler O Regresso: a última viagem de Rimbaud, de Lúcia Bettencourt, publicado em 2015 pela editora Rocco. Não, o livro não tem 3.000 páginas. Tem apenas 191 páginas. Mas são 191 páginas de pura poesia. E não se lê poesia às pressas. E quando essa poesia tem o sabor de um pêssego maduro, deve-se devorá-lo com calma, sentindo prazer em cada um de seus detalhes, na observação da sua cor, na sua textura, no seu cheiro, na sua doçura, no seu caldo suave... O livro de Bettencourt é um Cântico dos Cânticos para Rimbaud.

O livro se propõe um encontro ficcional com o poeta Arthur Rimbaud. Apesar de ficcional o livro é embasado em informações objetivas sobre a vida do poeta e sobre a sua obra. No entanto, os dados objetivos são transfigurados pela escrita poética de Bettencourt que recria Rimbaud de uma forma absolutamente sensorial, num texto que vai da descrição sensual dos movimentos da natureza à revelação das aventuras e desventuras da existência física e espiritual do escritor.

Uma cópula literária como nunca se viu sobre Rimbaud, num fraseado poético que fala de si mesmo, ou seja, da própria natureza dessa escrita que recria o poeta: “Percorro com os dedos o seu corpo. Será que você advinha as palavras que traço? Jamais escrevo aquelas que me parecem muito solenes, desaconselháveis. Uma a uma, vou traçando as letras, usando ora as pontas dos dedos, essas almofadinhas macias e redondas, suaves, ou a ponta das unhas, que vão deixando na sua pele traços finos que depois apago com a língua.”

Luxo e voluptuosidade na escolha das palavras: quem ama o feio, através da literatura, bonito lhe parece. Rimbaud torna-se aleijado, seu corpo queimado, mal nutrido, sendo destruído pela doença que o matará, aparece para Bettencourt em todo seu horror, terror e desvario. Ao grande poeta, reduzido à uma existência física dolorosa, longe do mundo das letras, lhe resta repensar momentos de sua existência terrível, sempre passeando no inferno: “Revejo em minha infância os rostos sujos e famintos de crianças, maltratadas, brutalizadas, que, por sua vez, maltratavam os seres menores que elas, fossem irmãos mais novos, animais ou répteis e insetos. Com que requinte de crueldade aprisionavam pássaros e furavam seus olhos redondos como contas brilhantes!”

Rememorando o momento em que ainda a existência ganhava algum sentido, o poeta de Bettencourt mergulha em nostalgias melancólicas: “Houve um tempo em que as palavras serviam de consolo. Quando o real se tornava insuportável, um livro abria-se dócil e nos carregava em suas páginas mágicas para outros mundos, lugares em que o mal acabava sempre sendo castigado e onde todo sofrimento recebia sua recompensa, ainda na terra.” Corroído pela dor, pela solidão, pela desgraça que o abate, o sentido da existência é colocado em dúvida por Rimbaud: “Quantas vezes me perguntei por que existimos? Que Deus cruel e sádico terá criado esses bonecos cheios de sentimentos e emoções, para se divertir destruindo todas as suas ilusões?”

A literatura de Bettencourt não apela aos sentimentos fáceis, ao contrário investiga o coração amargurado de Rimbaud, trazendo para esse universo de sofrimento as sequelas reais da sua vida. Ao perder a perna, por exemplo, a descrição da tensão na natureza torna-se o preâmbulo para a descrição angustiosa do enterro de seu membro: “Na manhã úmida, o vento soprava inquietando as folhas das árvores, que sussurravam coisas incompreensíveis. (...) Impossível acreditar que tinha sido preciso fazer uma cerimônia fúnebre para um membro inútil! (...) Uma perna, numa cova, como uma semente que se planta.” Essa correlação entre natureza e natureza interior do personagem e entre objetos e a existência de Rimbaud faz a poesia surgir a todo momento no livro de Bettencourt.

A amargura não é só de Rimbaud, ela atravessa a vida de sua família, mãe e irmã, que o socorrem no fim da vida, visitando hospitais, acompanhando suas lamúrias, sua dor, seu desespero. Para encontrar o poeta é preciso encontrar a alma de sua família, o desespero de sua mãe solitária, mas desejosa da vida plena, como quando reclama da ausência do marido: “Queria a sensação dos bigodes louros esfregando-se em seu pescoço, queria sentir a pele firme e os pelos dourados que a cobriam, queria o cheiro do macho, seu gozo resfolegante, o calor que lhe abrasava as coxas e o ventre e lhe provocava risos e gemidos.”

O livro perpassa os vários momentos em que Rimbaud se angustia diante das feridas que o consomem e o impossibilitam de continuar sua vida de aventureiro. A difícil trajetória até o hospital e as más notícias que sua doença lhe traz, seu desespero depois do veredicto: “No dia seguinte eles vieram, os médicos. E, desta, vez, falaram. Nas suas vestes brancas, os longos aventais brancos, eles se achegaram, semelhantes a anjos. Abriram suas bocas e me condenaram. Achei que era o fim. Que aquele seria o pior momento, a queda. (...) abanaram as cabeças, negando as esperanças de seus olhos. A sentença foi unânime: Amputação.”

Através do texto de Bettencourt vamos entrando lentamente na alma do “adolescente indomável” que foi Rimbaud, na sua pior fase, a do regresso do poeta ao seu país, à sua família, às suas memórias. “Começo a perceber que meu regresso será meu ponto de partida.”



Morrendo o poeta, reinventa-se infinitamente o mito. “Talvez eles se interessem apenas pelo meu velho baú, companheiro de tantas viagens. (...) E meus papéis. Os papéis que cobri de tinta e de lágrimas, de ódio e esperança. E os livros: dicionários, manuais, guias geográficos.”

Bettencourt elabora o final da vida de Rimbaud a partir dos sentimentos de sua mãe e de sua irmã, solitárias no enterro do poeta: “Desnorteada, esvaziada, deixava-se embalar pelo balanço do trem e se agasalhava, friorenta, cobrindo-se com a manta de algodão que pertencera a seu irmão e que tinha, entranhados, cheiros exóticos, distantes."

A descrição do sepultamento enche-se de imagens dolorosas: “O trem chegou numa manhã enevoada, mas, enquanto descarregavam o caixão e o colocavam na carroça, sem luxos, o sol timidamente fez sua aparição. (...) Não havia ninguém mais acompanhando o corpo. Só elas duas, empoleiradas no banco da frente, e o caixão, pesado e escuro. Não havia flores para enfeitar o túmulo. (...) Agora, em novembro, não havia flores nos campos.” Isabelle quebrou um galho ainda verde de uma árvore ali perto e depositou-o sobre a terra que cobria o irmão. Ela chorava, torcia as mãos, e repetia ´pobre Arthur`. A mãe manteve-se calada. Ao fim, disse, como se aliviada: “descansou”.

Isabelle o descobre, como poeta, depois da sua morte. Descobre a eternidade que pairava sobre o cadáver do irmão: “Ela nunca tinha lido nada de seu irmão. Quando leu, a obra mudou sua vida. Descobriu ´o livro sem fim, aquele que jamais envelhecerá, que nunca sairá de moda, que será, sempre, atual`”.

E eterno, o menino poeta de Charleville, inspira esse O Regresso: a última viagem de Rimbaud, que nos dá Lúcia Bettencourt, na forma de um poema narrativo. E que os leitores amantes de Rimbaud não deixem de reencontrá-lo, iluminado, pela prosa sensível desse livro.


Jardel Dias Cavalcanti
Londrina, 21/2/2017

Quem leu este, também leu esse(s):
01. As turbulentas memórias de Mark Lanegan de Luís Fernando Amâncio
02. Ser e fenecer: poesia de Maurício Arruda Mendonça de Jardel Dias Cavalcanti
03. Gerald Thomas: uma autobiografia de Jardel Dias Cavalcanti
04. 'As vantagens do pessimismo', de Roger Scruton de Celso A. Uequed Pitol
05. Um demente chamado J.G. Ballard de Luiz Rebinski Junior


Mais Jardel Dias Cavalcanti
Mais Acessadas de Jardel Dias Cavalcanti em 2017
01. A entranha aberta da literatura de Márcia Barbieri - 9/5/2017
02. Crítica/Cinema: entrevista com José Geraldo Couto - 5/9/2017
03. Como se me fumasse: Mirisola e a literatura do mal - 26/12/2017
04. Amy Winehouse: uma pintura - 28/3/2017
05. A poesia afiada de Thais Guimarães - 3/10/2017


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Sobre El Porvenir de Nuestras Escuelas
Friederich Nietzsche
Marginales Tusquets
(1980)



A Cura Popular pela Comida
Dr. Flavio Rotman
Leitura
(2007)



Lao Tsé o Segredo do Tao o Caminho Natural
Werner Schwanfelder
Vozes
(2009)



Reiki Universal - Sistema Usho Tibetano Oshi e Kahuna
Johnny de Carli
Madras
(1998)



Avaliação psicológica e lei
Sidney Shine
Casa do Psicólogo
(2005)



Yvain, o Cavaleiro do Leão
Chretien de Froyes
Francisvo Alves
(1989)



Kingdom Kearts 1
Shiro Amano
Abril
(2014)



A Gravidade das Sombras
David Ramus
Record
(1999)



100 Livros Que Mais Influenciaram A Humanidade + As Maiores Personalidades da História + Os 50 Maiores Erros da Humanidade
Martin Seymour-Smith; Pedro Silva; Trajano Leme Filho
Difel; Universo dos Livros; Axcel
(2007)



Lobo, Lobão, Lobisomem
Luiz Roberto Guedes
Saraiva
(1997)





busca | avançada
78788 visitas/dia
1,7 milhão/mês